Querida Angela Merkel
Ainda te lembras porque é que Hitler chegou ao poder em 1933? Não era má ideia leres uns livros da história do teu próprio país, e talvez assim te recordasses que foi graças às terríveis políticas de austeridade praticadas pelo chanceler Heinrich Bruning, que ficou conhecido pelo sinistro cognome de "chanceler da fome", que Hitler ganhou as eleições em 1933.
Durante apenas três anos, entre 1930 e 1933, a Alemanha viveu uma fortíssima recessão, que gerou um desemprego colossal, e uma parte da população caiu numa atroz miséria, dando origem ao famoso "ovo da serpente", a desordem geral que possibilitou a ascensão de Hitler ao cargo de chanceler da Alemanha. Para os que não sabem, convém sempre lembrar que não foi a hiperinflação dos anos 20 que gerou os nazis, mas sim a austeridade dos anos 30.
Também em 1930, e é disso que te devias recordar, havia quem dissesse que todos tinham "vivido acima das suas possibilidades" durante a década de 20, e que só com "austeridade" se recuperaria a "confiança" na economia alemã. Infelizmente, nada disso aconteceu, e a recessão económica agravou-se brutalmente, lançando a Alemanha, e a Europa, numa década de horrores.
É por isso que escrevo, para te recordar as profundas semelhanças entre os anos 30 e estes que estamos a viver. Também nessa época se tinha uma crença enorme que, fazendo "ajustamentos" às economias, elas iriam entrar de novo nos carris. Também nessa época se acreditava que, se os países "descessem os seus custos salariais", iriam ser de novo competitivos. Também nesses tempos se dizia que, "se os governos lançassem impostos e cortassem nas despesas" o equilíbrio das suas finanças públicas se recompunha.
Porém, isso nunca aconteceu. Os "ajustamentos" falharam, e só trouxeram miséria aos povos e uma crise geral à Europa. Nesses tempos, tal como agora, toda a gente queria exportar e ninguém queria importar, e todos se esqueceram que se ninguém importa, também ninguém exporta.
A Europa é hoje muito diferente do que era nos anos 30 do século passado, mas quem pensar que as lições dessa época não nos servem está enganado. Todas as tuas opiniões sobre esta crise são, de forma perturbadora, semelhantes às opiniões que existiam nesses tempos negros. Também tu defendes a "austeridade", a "desvalorização salarial", o corte abrupto nos "deficits orçamentais". Também tu te agarras à esperança de que assim a "confiança" voltará aos mercados.
Contudo, a realidade não te dá razão. Há três anos havia uma crise na Grécia, e problemas em Portugal e na Irlanda. Hoje, há uma catástrofe na Grécia, uma crise grave em Portugal, na Irlanda, em Espanha e em Itália, e começam já a chegar fortes problemas a França e até ao teu país, a Alemanha. A crise, em vez de ser contida, expandiu-se, e ameaça de novo a estabilidade do euro.
A pior coisa que fizeste à Europa foi dividi-la entre países credores e países devedores. Traçaste uma linha, um muro de Berlim financeiro, entre aqueles que "se tinham portado bem" e aqueles "que tinham vivido acima das suas possibilidades". Sem qualquer hesitação ou dúvida, foi criada por ti uma profunda falha tectónica no euro, distinguindo entre os "cumpridores" e os "pecadores". A partir dessa data, algures em 2009, a Europa entrou numa nefasta crise, da qual ainda não se viu livre.
Contigo ao leme, querida Angela, a Europa aproxima-se de um perigoso precipício. Os próximos meses serão terríveis, e talvez em 2013 todos percebam finalmente que foste tu a principal responsável por ter colocado a Europa na boca deste inferno. Nessa altura, todos os que me criticam irão infelizmente ser forçados a reconhecer que foram avisados.