As mulheres e a crise (Episódio II)
Um dia, ele virou-se para a mulher e anunciou:
- Vou emigrar!
Ela ficou perplexa, sem saber o que dizer. Há mais de um ano que ele estava desempregado, e tinha tentado tudo. A roda de amigos, os locais onde trabalhara no passado, o caderno de emprego do Expresso, os sites na internet. Nada acontecera. Parecia que as empresas tinham feito um pacto entre elas para não aceitarem o marido. E ele era boa pessoa, muito concentrado no que fazia, sabia que gostavam dele. Se fosse um chico esperto, talvez tivesse tido mais sorte, mas não era e portanto tinha ficado para trás. Ela achava que ele já não ria com gosto há meses.
E agora isto.
- Para onde?, perguntou ela.
Sentado no sofá, em frente à televisão, ele reconheceu:
- Isso é que é o problema.
Não era esse o problema, o problema era que só o salário dela começava a ser muito curto para as despesas. Tinham dois filhos, empréstimo da casa para pagar, essas coisas.
Mas, ele abriu um enorme sorriso e proclamou de súbito:
- Mongólia!
Ela ficou paralisada de espanto. Sempre gostara da orginalidade dele, mas mesmo assim não percebeu a lógica. Perguntou se ele tinha uma oferta de emprego para lá.
- Não, respondeu ele, mas gosto do nome da capital, Ulan Bator!
A originalidade dele trazia também associada alguns problemas, concluiu ela. Ele explicou que para o Brasil toda a gente ia, e recusava-se a andar em carneirada; para Angola não fazia sentido, pois não percebia nada de diamantes nem de petróleo; e para a Alemanha jamais, considerava Merkel a culpada do seu desemprego, e não iria agora dobrar a cerviz. A única alternativa, concluiu, era pois a Mongólia.
- Além disso, prosseguiu ele, adoro o deserto do Gobi, as histórias do Gengis Khan, o budismo e, sobretudo, adoro aqueles gorros que eles usam!
Ela riu-se, achou mesmo que ele estava a brincar e acrescentou:
- Mongólia..., sim até que seria divertido, andar de Llama nas estepes.
Ele olhou para ela muito sério e corrigiu-a:
- Não há Llamas na Mongólia, estás a confundir com o Peru!
Ela encolheu os ombros:
- São parecidos, a Mongólia e o Peru, muita montanha...
Ele prosseguiu, ignorando-a:
- Trinta por cento da população é nomada!
Ela estremeceu ligeiramente e perguntou:
- E tu queres ser nómada? Na Mongólia?
Então ele levantou-se de rompante do sofá, abriu os braços e exclamou:
- Cerca de vinte por cento da população vive com 1 euro por dia! Eu, mesmo desempregado em Portugal, seria rico na Mongólia! O meu subsídio de desemprego são 1000 euros por mês, dá 33 euros por dia. Com isso, vou ser um marajá na Mongólia! Nómada, mas um marajá! Com um gorro daqueles, todo giro...
Ela franziu o sobrolho:
- Marajá? Mas isso não é na Índia?
Ele enervou-se:
- Não sejas perfeccionista! Marajá, nababo, sheik, tanto faz!
Foi nesse momento que ela começou a duvidar se ele estaria bom da cabeça. Tinha ouvido dizer que os homens desempregados tinham tendência para perder o juízo, e talvez isso estivesse a acontecer ao seu.
Por sorte, começou nesse momento a Gabriela, e ela pôs o som da televisão mais alto, para ouvir a Jeruza e o Mundinho Falcão a namoriscaram. Aquela ideia da Mongólia não ia dar em nada, não valia a pena perder mais tempo, por isso apontou para a televisão e avisou-o:
- Mor, olha, vai começar...
Então ele viu a Juliana Paes a tomar banho, e lentamente voltou a sentar-se no sofá, os olhos fixos no ecran.
No deserto do Gobi, pensou ela, não havia disto.