As mulheres e a crise (Episódio I)

Esta crise que estamos a atravessar é muito mais difícil para as mulheres do que para os homens. Como é que se explica a uma mulher que ela "está a viver acima das suas possibilidades"? Sim, qual a forma de o fazer?

- Ó mor, não podemos ir jantar fora, o dinheiro não chega!

A mulher olha para o homem, desconfiada, a pensar qual a mensagem cifrada que ele lhe está a enviar. Queres ver que ele me está a chamar despesista?, pensa ela. Queres ver que este safado estoirou o dinheiro todo em parvoíces dele e agora está a inventar desculpas?

- A Ana e o Janeco foram, já conhecem o restaurante.

Pronto, pensa o homem. Agora ela acha que eu sou um falhado, e que o Janeco é muito melhor. Estou lixado. 

- Mor, tens de perceber, temos de cortar em alguma coisa!

É aquele "tens de perceber" que cai mal. A mulher olha de soslaio para o marido, franze a testa e pergunta:

- Estás a dizer que eu sou uma gastadora, é isso?

O marido fica atrapalhado, mete os pés pelas mãos, quer dizer que sim mas não tem coragem, e apenas balbucia:

- Já foste ao Colombo ontem...

Ela olha para ele com desdém. As mulheres são, é evidente, as fundadoras do capitalismo. Sem elas, a Terra seria pior que Marte, uma planície inóspita e vazia, sem qualquer graça. São as mulheres que dão vida ao nosso planeta, que inventaram os conceitos essenciais de "feira", "loja", "centro comercial", e tudo o resto que existe no Colombo. Os homens vão lá por arrasto, na maioria dos casos. Por vontade deles, iam só para comprar o mínimo essencial para as suas casas funcionarem.

- Não quiseste vir comigo! - exclama ela. 

Ele quis ficar a ver televisão e agora tramou-se. Para tentar amansá-la, promete:

- Mas no sábado vou! Vamos sempre, não é?

Como gostam muito das mulheres, e do que elas fazem por eles, os homens lá vão atrás delas para as comprinhas, a qualquer hora que elas queiram, e é isso que faz a economia funcionar. Contudo, aquele "vamos sempre" não soa bem, a mulher acha que ele continua a querer insinuar que ela gasta demais.

- Queres que deixe de ir ao cabeleireiro? E ao supermercado? Queres que deixe de arranjar as unhas, que deixe de me vestir bem?

A austeridade é, claramente, um conceito masculino. Lembra logo aqueles pais autoritários que cortam as semanadas aos filhos só porque eles compraram demasiadas pastilhas elásticas e cromos. Por mais que se esforcem, os homens nunca perceberão que há certas coisas que existem para nos fazer felizes, coisa que as mulheres percebem bem melhor. Ir ao cabeleireiro, comprar uma roupinha, ir jantar fora com o marido, são coisas que para as mulheres fazem todo o sentido, mas os homens austerianos não entendem!

Ele franze a testa, preocupado:

- Ó mor, o Gaspar vai aumentar os impostos, temos de poupar, percebes? 

Os homens austerianos ouvem as notícias de uma maneira diferente, fazem logo contas, começam a ver onde têm de cortar. Ela já sabe onde isto vai dar, e por isso contra-ataca:

- E vais deixar de ir ao futebol?

Ele abre muito os olhos, incrédulo. Outra vez o futebol? Ela não pode atacá-lo outra vez por causa do futebol! É o seu único prazer, será que ela não percebe?

- Mor, o futebol? É a única coisa em que eu gasto dinheiro!

Claro que não é, mas é a sua primeira linha de defesa, e ele tem de resistir heroicamente. Ela não pode proibi-lo de ir à bola!

Mas, esperta, ela sorri e contrapõe:

- Pensei que não podíamos viver "acima das nossas possibilidades"! Tens dinheiro para o futebol, mas não para levar a tua mulher a jantar fora? É uma coisa romântica, que acaba sempre bem...

Ela pisca-lhe o olho, e ele sabe o que isso quer dizer. Quer dizer que ele ficou entalado num beco sem saída e tem mesmo de jantar fora com ela. A crise vai ter de esperar...

 

publicado por Domingos Amaral às 12:20 | link do post | comentar