Um amor antigo (parte III)
É evidente que, uns dias depois, foi ele que pegou no telefone e falou para ela. Os homens dão muito mais importância ao sexo do que as mulheres, e ele tinha ficado fascinado, porque agora ela fazia "aquilo", e ainda por cima fazia bem, mesmo muito bem. Tinha pensado nisso, várias vezes, à noite na cama. A imagem dos dois, a recordação daqueles momentos tórridos, era uma fantasia que renascia contastantemente no seu cérebro.
Portanto, não resistiu. Queria mais, mais daquele amor antigo tornado presente, mais do que ela não fora mas agora era. E isso sobrepôs-se a tudo, até ao seu instinto de precaução. A força do desejo fê-lo esquecer a traição de que fora vítima do passado, tão antiga que parecia diminuída na sua gravidade, e a ambiguidade dela no presente. Nos homens, é muitas vezes assim, o deslumbramento sexual tolda-os, como toldam meio litro de cerveja pela goela abaixo, ou dois whiskies duplos.
Portanto, aqui vai disto, telemóvel e ela atende. Parece contente, mas depois das banalidades não se revela disponível. Tem programas para os próximos dias. Não, não vai ao Porto outra vez, e ri-se quando ele fala disso, comenta "tu és mesmo de ideias fixas". Mas, é claro que não lhe conta que um dos amigos do João, que ela conheceu na festa no Porto, troca com ela mensagens todos os dias no Facebook. Ela aprendeu, com a vida, que certas coisas não são para se contar aos homens, porque eles nunca mais se esquecem disso, e vão repeti-las, vida fora, como uma menemónica irritante, sempre que se zangarem com ela.
Entretanto, ele acha que ela se está a fazer de cara. Pressentiu a sua fragilidade negocial - foi ele que falou, quem pega no telefone é quem está mais dependente - mas já a transformou numa arma de arremesso contra a recusa dela.
- Tu é que querias estar mais vezes juntos...
Ela sorri, sabe que tem dúvidas, o seu coração não está decidido, não o quer totalmente, mas também não o quer perder, pois não tem nada ainda a que se agarrar, a não ser umas breves frases escritas num computador a mais de 300 quilómetros de distância. Decide que é melhor não o irritar, aceita vê-lo, e lá combinam o seu terceiro encontro, outra vez em casa dela.
Quando ele toca à porta, ela está a acabar de se arranjar. Beijam-se, ela com o secador na mão, ele com nova garrafa de vinho tinto e novos queijos. Ela pensa que ele devia variar, talvez presunto ou mesmo paté fosse boa ideia, mas não o diz.
Ele está apenas deslumbrado com os cabelos dela. O que é que se passa com os cabelos das mulheres, pensa? Porque é o cabelo tão importante para elas ? Segue-a de regresso à casa de banho, observa-a a secar as pontas molhadas, e depois a pentear-se. Gosta dos longos caracóis dela, mas gosta ainda mais do rabo de cavalo que ela costumava fazer, mas esta noite não faz. Ela olha-se ao espelho, passa mais uma vez a escova (ou será um pente?) no cabelo, e parece satisfeita com o resultado.
Meia-hora mais tarde, o cabelo dela ficou um desastre, pelo menos é disso que ela se queixa. Cabelo de mulher depois do sexo é como um lençol depois do sono, amarrotado, com volteios imprevisíveis, curvas e lombas que ninguém sabe como se formaram. O sexo foi bom, pensa ele, mas ela convenceu-se de que o seu cabelo parece o de uma boneca animada de um cartoon televisivo, depois de apanhar um choque eléctrico. Afasta-se dele, volta à casa de banho, e passa muitos minutos a pentear-se, e a chegar à conclusão que continua com dúvidas. Depois, regressa à cama, e decide vestir-se, o que o surpreende.
Ele quer mais, gostava de repetir, ficar ali no bem bom, quem sabe até dormir. Ela não, diz que não quer estragar o cabelo, passa por fútil por ter usado tal desculpa, mas não se importa. Está angustiada, já percebeu que o único motivo pelo qual ele regressou foi o sexo, e isso assusta-a. Não porque não tenha gostado, até gostou, mas porque sabe que o sexo para eles está a tornar-se um biombo, atrás do qual ficam escondidas as verdades mais profundas. Ela duvida que ele consiga esquecer o passado, nem mesmo o sexo será garantia segura, e pressente que, se ficarem juntos, vai ter de ouvi-lo a vida toda.
Portanto, despedem-se mais uma vez, sem grandes combinações. Ele finge que não se importa, e depois da porta dela se fechar, jura a si próprio que não voltará a falar-lhe. Já no sofá, ela sente-se estranha, gostava de gostar mais dele, de o querer ali, mas não é isso que sente. Chora um pouco, e depois liga o Facebook e conversa com o amigo do Porto.
Mas, a história é capaz de não acabar aqui.