Melhor ou Pior que a TSU?
Depois da comunicação de ontem de Vítor Gaspar, os portugueses ficaram cheios de dúvidas, e não sabem se as novas medidas são melhores ou são piores que a TSU. É natural, pois como ainda não foram revelados os pormenores específicos de quase nada (novos escalões do IRS, novas taxas, etc), é prematuro dizer mais do que o ministro disse, que será um "aumento enorme de impostos". Há contudo algumas observações gerais que já se podem fazer:
1 - Politica e sobretudo culturalmente, as medidas ontem anunciadas são mais inteligentes do que as alterações à TSU, pois não provocam uma cisão grave na sociedade portuguesa. Com elas, o governo recuperou um pouco a legitimidade política e sobretudo cultural para governar, e isso é bom para Portugal, pelo menos no curto prazo, evitando-se uma crise política irresponsável. Posso não estar de acordo com muitas das políticas deste governo, mas não sou dos que pensam que uma explosão política resolva a difícil crise em que nos encontramos. Os portugueses revoltaram-se, e bem, contra uma medida que consideravam inaceitável, as alterações à TSU, e venceram essa guerra. Mas não se pense que, só por causa disso, desejam entrar no caos e na anarquia. Foi uma batalha vencida por Portugal, não contra Portugal, é bom que se entenda a diferença.
2 - As medidas ontem anunciadas vão no mesmo sentido geral de sempre. O governo acredita profundamente que é através da "austeridade" que nos iremos "ajustar" e recuperar a "credibilidade" e a "competitividade". Infelizmente, o que se passou no último ano foi que a política deste governo afundou a economia numa recessão profunda, que agravou a resolução do problema da "dívida soberana", pois o deficit do Estado em vez de diminuir, aumentou! Infelizmente, temo que o resultado deste "aumento enorme de impostos" anunciado por Vítor Gaspar produza efeitos semelhantes aos anteriores. A armadilha é a mesma, provavelmente os resultados serão parecidos. Com uma agravante: os portugueses estão hoje mais massacrados e mais descrentes do que estavam o ano passado, e portanto as revoltas serão mais fortes. Esperemos que o lento resvalar para a pobreza ou para um abismo de dificuldades de muitos portugueses não os leve a uma raiva descontrolada.
3 - Um dos maiores problemas que irá nascer em 2013 será o do aumento do IMI. Se os pagamentos deste imposto subirem o que se teme que subam, com a retirada da prudente "cláusula de salvaguarda", que obrigava a um certo travão nos aumentos, o governo tem centenas de milhares de pequenas bombas-relógio nas mãos, e acabou de marcar as datas do rebentamento de muitas delas.
4 - Quanto ao IRS, sem saber quais serão os novos escalões e as respectivas taxas, é cedo para emitir opiniões pormenorizadas. Já todos percebemos que vai subir para a maioria dos portugueses, até porque irá incluir a sobretaxa de 4%, mas quanto vai subir ninguém sabe. Se o Governo for inteligente, e o CDS conseguir vitórias neste campo, poderá ser um problema político menos grave, mas será sempre uma quebra forte do rendimento disponível das pessoas e isso vai obviamente provocar péssimos efeitos recessivos. Acho muito optimista pensar que o PIB só irá contrair 1% e o desemprego só irá aumentar para 16,4%. O Governo corre um sério risco de falhar os seus objetivos e as suas previsões também no segundo ano.
5 - Porque será que o Ministro das Finanças continua a usar expressões que ninguém entende? O que significa uma taxa média efectiva de imposto que sobe de 9,8 para 13,2%? Taxa média de quê e de quem? Efectiva para quem? Não será melhor explicitar bem como se chega a este número, para que os portugueses o compreendam? Abstrações matemáticas inúteis só contribuem para confundir as pessoas. É assim que se informa um funcionário da subida de impostos? "Ó Sr. Joaquim, ó dona Adelaide, vão ambos subir de escalão no IRS, a vossa taxa de retenção na fonte também sobe, e ainda levam com a sobretaxa todos os meses, mas dêem-se por muito satisfeitos, que no fim a taxa média efectiva de imposto não ultrapassa os 13,2%"! Ó Gasparzinho, falar assim é falar chinês.
6 - Percebo perfeitamente a alegria esfusiante do sr. Ministro quando anunciou com pompa que Portugal tinha "voltado aos mercados"! Porém, convinha ser um pouco mais pedagógico. Na verdade, Portugal não "voltou aos mercados" no sentido habitual da expressão, pois não fez novas emissões de dívida pública, nem pagou dívida que se vencesse. O que Portugal fez foi uma "renegociação parcial" de uma dívida, com um grupo limitado e até agora desconhecido de credores (convinha saber quem são, era mais transparente), adiando para o ano de 2017 um pagamento de 3757 milhões de euros que estava previsto ser realizado em Setembro de 2015. Ou seja, Portugal "restruturou" uma pequena parte da sua "dívida soberana", e conseguiu mais dois anos de alguns dos seus credores, apesar de não sabermos quem são eles. Serão alemães, franceses, gregos, portugueses, ou, surpresa das surpresas, finlandeses? Não sabemos, foi uma coisa semi-secreta, mas sejam quem forem revelaram boa vontade, o que é bom e de aplaudir. Aliás, como sempre defenderam muitos economistas, este devia ter sido o caminho escolhido desde o início pela Europa, para tentar resolver a "dívida soberana" dos países aflitos (Grécia, Irlanda, Portugal, Chipre, Espanha e Itália). A austeridade brutal não é uma solução para pagar a dívida, a "renegociação" é o caminho, e com a ajuda do Banco Central Europeu, a única forma de resolver o problema sem obrigar a uma indesejável e humilhante bancarrota. A Grécia talvez já não vá a tempo, mas Portugal ainda pode conseguir.