Terça-feira, 15.10.13

O orçamento e a armadilha da dívida de Portugal

O orçamento de 2014 é mais uma prova evidente que Portugal está apanhado na "armadilha da dívida". 

Tudo o que o Governo fizer para tentar diminuir o déficit, cortando a despesa do Estado, cortando pensões, cortando salários aos funcionários públicos, pode descer o déficit num primeiro momento, mas irá provocar efeitos recessivos fortes.

Assim, num segundo momento, como se passou em 2012, vai crescer o desemprego, vai diminuir o crescimento económico interno, e isso vai diminuir de novo as receitas fiscais. 

Corta-se na despesa, mas a recessão que se provoca tira-nos uma parte do ganho, pois as receitas do Estado caem, e sobem os custos, se houver mais subsídios de desemprego a pagar.

A melhoria do déficit não é pois muito grande, como se viu nos últimos anos; e ainda por cima, se o PIB cair, o rácio da dívida pode voltar a crescer.

Mas, e esse é um grande sarilho também, tudo o que o Governo fizer para tentar estimular a economia, como por exemplo descer o IRC, vai fazer descer as receitas fiscais, e portanto criar mais déficit.

É claro que, num momento posterior, pode ser bom, pois o investimento pode aumentar, mas inicialmente será mau, pois as receitas diminuem.

É a "armadilha da dívida" em todo o seu esplendor.

Se cortamos na despesa, provocamos recessão; se cortamos os impostos, aumentamos o déficit.

Esta é uma situação muito complexa para qualquer país, e nós não somos caso único.

Há saída para esta armadilha?

Sim, há. Se as exportações crescerem a 20% ao ano, ou se o turismo crescer a 30% ao ano, se calhar saímos da armadilha pelo nosso próprio pé.

Mas, com o crescimento que tem existido, bem mais baixo, isso não é possível.

Só se consegue sair desta aramdilha com ajuda, seja através da reestruturação da dívida, seja através da mutualização da dívida pela Europa.

Só libertando-nos da carga extraordinária de juros que pagamos é que a saída é airosa.

Caso contrário, corremos o risco de andar mais de uma década neste sarilho...

Tal como Sócrates antes deles, Passos e Portas arriscam-se também a acabar trucidados pela armadilha...

publicado por Domingos Amaral às 16:11 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Segunda-feira, 14.10.13

Quem vai ganhar o Prémio do Palavrão Político mais grave?

De repente, tenho a sensação que anda a decorrer um concurso de Palavrões na política portuguesa.

Quem irá ganhar o prémio do Palavrão Político mais grave e insultuoso?

Ele é palavrão à direita, palavrão à esquerda, ferve palavrão na política portuguesa, que mais parece nestes dias a bancada (antigo peão) de um estádio de futebol.

Os palavrões são de vários tipos, dos mais sofisticados aos mais boçais.

Por exemplo, Cavaco Silva chamou "masoquistas" aos que consideram que a dívida portuguesa é insustentável.

Já Mário Soares, não querendo ficar atrás, chamou "delinquentes" aos membros do Governo.

Mas, eis que Jerónimo de Sousa vê um par de microfones à sua frente, e logo urra, com veemênica: "trapaceiros e malabaristas!"

E logo Marques Mendes, mais soft, chamou os ministros do Governo de "adolescentes imaturos".

Enfim, parece que agora está na moda dizer assim uns palavrões fortes, para conseguir ser citado nos jornais e que as televisões falem de nós.

Os actuais líderes e os antigos fundadores da Nação democrática andam a ver quem ganha o campeonato do palavrão, e a coisa, naturalmente, promete não ficar por aqui.

Hoje, já ninguém se incomoda quando se ouvem insultos como "mentiroso", ou "corrupto".

Hoje, há que ir mais longe, e ser mais sofisticado, seja na psiquiatria pop (sádicos, masoquistas, obsessivos) ou no calão criminal (trapaceiros e delinquentes!)

Está bonita a festa pá!

 

publicado por Domingos Amaral às 12:14 | link do post | comentar
Sexta-feira, 11.10.13

Portugal tem a direita mais casmurra do mundo ou é só impressão minha?

A direita portuguesa, do PSD e do CDS, é provavelmente uma das direitas mais casmurras e teimosas do mundo.

Pior do que a nossa, só a americana!

A nossa direita anda absolutamente apaixonada pela ideia de que é preciso diminuir a despesa do Estado, e que não há mais nenhuma forma de cumprir as nossas obrigações.

A lógica é simples e límpida.

Se Portugal cortar a despesa, o deficit desce, ganhamos credibilidade, os juros descem, e podemos voltar aos mercados.

Tudo muito limpinho, certinho, tudo a parecer muito verdade, mas...tudo muito duvidoso.

Ora, será que a direita portuguesa não vê o que ela própria fez nos últimos dois anos?

Será que não tira daí algumas lições?

Convém recordar o que se passou, não vá alguém ter-se esquecido.

Em 2012, o Governo cortou drasticamente a despesa do Estado e retirou subsídios aos funcionários públicos.

Qual foi o resultado?

Portugal afocinhou numa recessão gravíssima, o desemprego cresceu vertiginosamente, as receitas fiscais caíram a pique, e o deficit, que era suposto ter diminuído, não diminuiu quase nada! 

O corte na despesa em 2012, de tão recessivo que foi, provocou efeitos bem mais graves do que aqueles que se esperavam.

Embora o Governo se preparasse para repetir a dose, o Tribunal Constitucional disse que esse caminho era ilegal, e então o Governo escolheu outro.

Para 2013, houve o famoso "enorme aumento de impostos", e cortou-se menos na despesa.

Qual foi o resultado?

Bem, o ano ainda não terminou mas parece já evidente que a recessão é muito menos grave do que em 2013, o desemprego até baixou um pouco, e as receitas fiscais subiram muito, fechando mais o deficit do que em 2012.

Ou seja, o aumento de impostos em 2013 foi bem mais eficaz e menos gravoso do que os cortes na despesa em 2012.

É isso que a realidade nos diz, mas o Governo nem pensa.

Alguém tira algumas conclusões inteligentes destes resultados?

Nada disso.

As indicações que temos é de que o Orçamento para 2014 vai trazer mais doses cavalares de austeridade, com muitos "cortes na despesa".

O Governo volta a escolher o caminho mais duro e mais penoso, e prepara-se para provocar mais uma recessão ao país.

Porque é que a nossa direita é tão casmurra?

Será que ainda ninguém percebeu que os cortes na despesas são muito recessivos e contraproducentes, e que mais vale subir um pouco mais os impostos?

Sim, meus amigos, subir os impostos, que parece que em Portugal é um crime, e que qualquer pessoa de direita espuma pela boca de raiva ao ouvir!

É exactamente porque estamos em tempos excepcionais que se devem usar medidas excepcionais.

Eu também gostava de descer impostos, mas se subi-los é a forma mais eficaz e menos dolorosa de sair de um sarilho, talvez se deva escolher essa hipótese, e não os cortes violentos na despesa.

Reformar o Estado não é cortar cegamente e à bruta na despesa.

Isso é casmurrice e cegueira.

Depois não digam que ninguém vos avisou...

 

publicado por Domingos Amaral às 10:22 | link do post | comentar | ver comentários (17)
Quarta-feira, 09.10.13

Pensões: a Viúva Pobre, a Viúva Rica e outras histórias...

Anda para aí muito indignação porque o Governo anunciou que um dos próximos cortes será nas chamadas "pensões de sobrevivência".

Ou, numa linguagem mais terra a terra, nas "pensões de viuvez".

À primeira vista, parece moralmente errado cortar uma pensão a uma pessoa que perdeu o marido e herdou uma parte da pensão dele.

Normalmente, são pessoas com baixos rendimentos que vivem nestas condições, e é quase desumano não deixar que a pensão do falecido marido seja transferida para a viúva.

É a história da Viúva Pobre.

Uma mulher, com setenta anos, cujo marido morre aos 72, vai sobreviver como, a não ser com a pensão que o marido recebia?

Mesmo no caso em que ela própria receba uma pensão, normalmente baixa, é difícil aceitar que vai ter meios de sobrevivência.

Portanto, parece-me evidente que a Viúva Pobre deve ser protegida, pois é uma pessoa numa situação de fragilidade.

Mas, e a Viúva Rica, também deve ser protegida?

Imaginem um caso em que temos um antigo administrador, que tem 70 anos, e recebe uma pensão de 3500 euros.

A sua mulher, que tem 65 anos, nunca trabalhou.

Se o marido morrer de repente, ela deve passar a receber a pensão dele?

Bem, como não tem outros meios de sobrevivência ou de rendimento, é aceitável que deva continuar a receber uma pensão.

Mas, deverá receber 60% dos 3500 euros? Se calhar, é possível ser menos.

E agora passemos à seguinte situação: e se a mulher também tiver trabalhado a vida toda, e já na reforma, estiver ela a receber a sua pensão de 2000 euros?

Quando o marido morrer, ela deve ter direito a acumular as duas pensões, a dela e a do falecido, recebendo assim do Estado cerca mais de 4000 euros por mês?

A mim, parece-me que neste caso, se trata de uma Viúva Rica, e não é muito justo, se ela já recebe de pensão 2500 euros, ainda receber 60% da do marido falecido!

E vamos a um novo caso. Imaginem que este administrador, aos 65 anos e com uma pensão de 3500 euros, se decidiu divorciar da primeira mulher, e aos 67 casou com uma mulher bem mais nova, com 38 anos.

Esta giraça e vivaça deixou de trabalhar, pois agora tem um homem que a sustenta, com uma pensão alta.

Ora, se aos 70 anos o senhor bate as botas, 60% da sua pensão de 3500 euros deve ir para a segunda mulher, a Viúva Rica e Nova, que terá apenas 41 anos à data da morte do marido?

A Viúva Rica e Nova, poderá ficar, até ao fim da sua vida, aos 85 por exemplo, a receber por mês 2100 euros? 

E se por acaso, ela até trabalhar, ganhando um salário de 2000 euros mensais, é justo que acumule essa salário com mais 2100 euros da pensão do falecido?

Podem explicar-me que esta é uma situação rara e minoritária, e até pode ser, mas que me parece manifestamente injusta, ai isso parece.

E, para quem pensa que eu estou a inventar situações, posso contar que no Brasil este é um caso muito habitual.

Os brasileiros, com a graça do costume, chamam-lhe até a "Pensão Viagra".

O homem, já perto dos 70 anos, arranja uma moça mais nova para lhe dar mimos, e quando morre ela herda uma choruda pensão vitalícia!

É justo, ou é exagerado?

Julgo que é necessário olhar para todos estes casos e ver onde está o equilíbrio e onde está o exagero.

Mas, lá que temos de rever o sistema de alto a baixo, isso parece-me evidente.

Na Holanda, que é um país bem mais rico do que nós, não é possível acumular salários com pensões, ou outros rendimentos importantes.

Se, por exemplo, uma pessoa se reforma aos 65 anos, e passa a receber pensão, e um ano depois tem um convite para trabalhar numa empresa, com um salário relevante, a pensão é imediatamente suspensa.

Em Portugal, isto não se passa, e muita gente recebe a pensão e ao mesmo tempo tem salário, ou outros rendimentos permanentes.

Há até administradores de bancos muito conhecidos, que dizem isso com orgulho, e sem um pingo de vergonha na cara.

Ora, a pensão não foi inventada para isso.

As pensões existem para impedir que, no fim da vida, as pessoas caiam na miséria.

Não existem para manter o nível de vida do passado, ou permitir os luxos de antigamente.

Há que rever o sistema todo, caso a caso, para que não estejamos, a coberto dos chamados "direitos adquiridos", a sobrecarregar o Estado com pensões que não são para ajudar a sobreviver, mas sim para manter um padrão elevado da vida.

Excesso de generosidade também é uma forma de injustiça.  

publicado por Domingos Amaral às 10:39 | link do post | comentar | ver comentários (18)
Terça-feira, 08.10.13

Embora lá dar uma ajudinha a Passos Coelho!

O primeiro-ministro, num raro momento de humildade, pediu ajuda aos economistas e aos comentadores públicos!

E esse raro pedido de ajuda é para quê?

Para ajudaram o Governo na difícil tarefa de explicar a necessidade de mais uma dose cavalar de austeridade, e ao mesmo tempo impedir que os portugueses embandeirem em arco com os "sinais positivos" da economia, e ganhem expectativas infundadas!

Genial, não é?

É difícil encontrar melhor ideia nos últimos duzentos anos de História de Portugal! 

Eis como deve ter nascido esta brilhante ideia de pedir ajuda aos comentadores e economistas.

A conversa é entre Passos e os seus luminosos acessores e conselheiros:

- Rapaziada, como é que vamos explicar esta nova austeridade?

- Pois...

- Alguém tem alguma ideia?

- Mas, senhor primeiro-ministro, não havia "sinais positivos"?

- Havia, e há. Poucos mas há.

- Então, o país melhorou, não melhorou?

- Sim, melhorou.

- Então como é que o senhor primeiro-ministro explica mais austeridade?

- Pois. É esse o problema, para isso é que estamos aqui... 

- Porque a troika manda? 

- Isso é chato, parece que eu não mando nada...

- Porque é preciso?

- Exacto!

- Mas, não é um bocado contraditório?

- Com aquilo do "estava tudo a melhorar"?

- Sim...

- E qual é o problema?

- Pois...

- Que tal dizer que está tudo melhor, mas não chega, é preciso piorar outra vez?

- E isso não vai dar cabo da recuperação?

- Sim, talvez, não sei bem, ninguém sabe...

- Que maçada!

- Isto de ser primeiro-ministro, é tramado...

- Talvez seja melhor chamar o Camilo Lourenço, ou o Gomes Ferreira, o outro qualquer, para explicar ao povo que tem de continuar a sofrer.

- Ah...Acham que os outros conseguem explicar melhor que eu?

- Não sei, mas pelo menos o povo deve acreditar mais neles. 

- ...

- E que tal pedir ajuda ao Dr. Fernando Ulrich? Ele é muito contundente!

- Óptima ideia, falem-lhe!

- E ao Dr. Marques Mendes?

- Esse é melhor a dar más notícias. É o melhor jornalista da actualidade, tem óptimas fontes, falo com ele todas as sextas. 

- Ah...pois...

- E economistas, quem é que se arranja?

- Isso, neste momento, é difícil. Muitos são masoquistas, como diz o senhor presidente. 

- E o Miguel Beleza? Está um bocado gordo, mas acho que tenho o telefone dele por aí...

- Não sei. Que tal lançar um pedido de ajuda público?

- Uma linha telefónica?

- Sim, tipo "Entenda o Governo", a funcionar 24 horas por dia. Só com comentadores a explicar o que aí vem!

- Isso nem era mal pensado, dá para fazer? 

- Dá, mas custa dinheiro.

- Ok, então eu faço um discurso, e peço-lhes ajuda, vamos ver se eles me ouvem...

publicado por Domingos Amaral às 16:10 | link do post | comentar | ver comentários (6)
Segunda-feira, 07.10.13

Como as PMS (Pessoas Muito Sérias) enganam os chineses...

Aqui há uns dois anos, o Governo de Portugal vendeu, muito bem vendida, a sua participação na EDP aos chineses.

Na altura, a EDP era um porco gordinho, muito bem engordado por Mexia e pelos vários governos.

Toda ela era um brinquinho, a EDP, cheias de inciativas fantásticas, e de ideias novas.

Por exemplo, as energias renováveis, e coisas assim, muito modernas, e que por isso mesmo recebiam chorudos subsídios do Estado.

Quando foi de vender, nada de dizer a verdade, o importante era vender o porco gordo, cheio de carninha.

E os chineses compraram o porco, e com grande fanfarra se anunciou uma grande privatização, que espantou a Europa, o mundo, e o povo.

Passados quase dois anos, a história mudou.

Agora, a preocupação passou a ser: vamos lá a ver como é que podemos poupar mais um dinheirito do Estado.

Ora bem, que tal cortar nos subsídios à EDP, esses mesmos, essas rendas excessivas, caríssimas, que o Estado paga à empresa?

É claro que faz todo o sentido, então não se está mesmo a ver que é uma despesa absurda e obscena, dizem as Pessoas Muito Sérias.

Eu também, claro que faz sentido, para quê dar subsídios a empresas multinacionais que lucram milhões todos os anos?

Mas, e se eu fosse chinês?

Bem, se eu fosse chinês, e tivesse comprado a EDP ao preço que eles compraram, e tivesse acreditado que o Governo ia manter os subsídios à EDP, como eles acreditaram porque lhes foi prometido, se eu fosse chinês, eu estava lixado!

Então, pensa o chinês, estes gajos fazem negócios assim?

Primeiro, para nos vender as coisas, fazem mil promessas, e um ano e tal depois, toca de as quebrar?

Eu, se fosse chinês, sentia-me completamente enganado pelos Governo português, essa é que é essa.

O que me vale é que não sou chinês.

publicado por Domingos Amaral às 14:44 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Sexta-feira, 04.10.13

A economia está melhor, mas ninguém vai sentir muito...

Ontem, a "troika" aprovou as suas avaliações a Portugal, e o Governo confirmou que as medidas austeras são para manter em 2014.

No entanto, Passos, Portas e a "troika", todos nos dizem que a economia "está melhor", e que 2014 será "melhor" que 2013.

É provável que assim seja, mas no seu quotidiano a maior parte dos portugueses não irá sentir muito essas melhorias.

O desemprego pode descer umas décimas, mas os impostos continuarão altos, as pensões sofrerão cortes, bem como os salários dos funcionários públicos.

O crédito também não aliviará muito, nem para as empresas, nem para os particulares.

Tal como durante tantos anos no passado, parece haver uma disfunção clara entre uma entidade abstrata chamada Portugal, e a vida real dos portugueses.

Durante quase uma década, entre 2002 e o presente, os números económicos e financeiros de "Portugal" nunca foram brilhantes.

O crescimento foi fraco, com poucas excepções; o déficit esteve sempre alto, fora dos limites de Maastricht; o déficit comercial foi-se agravando sempre, porque havia muito mais importações do que exportações; os impostos foram sempre subindo; etc, etc.

No entanto, como havia crédito fácil e todos se endividavam (Estado, empresas e pessoas), havia sempre muito dinheiro disponível, e este "efeito riqueza" dava a ilusão a todos que se vivia cada vez melhor.

E, de facto, era verdade. Os portugueses viveram bem, mesmo que os números de Portugal fossem medíocres.

Agora, no presente, e depois de uma violentíssima crise financeira e económica, o que ouvimos é o oposto.

Os números de Portugal começam a melhorar. Há mais crescimento, menos déficit, ligeiramente menos desemprego.

Porém, os portugueses sentem-se muito pior, e todos se habituaram a viver com muito menos dinheiro do que antes.

É estranho, mas os portugueses não parecem ser os habitantes dessa entidade mítica chamada Portugal.

Há entre eles e Portugal um desfasamento permanente, como se não conseguissem acertar com o passo um do outro numa dança.

Quando Portugal parecia anémico, os portugueses dançavam vertiginosamente.

Quando Portugal parece arrebitar, os portugueses estão macambúzios e deprimidos...

Será que algum dia o passo desta valsa acerta? 

publicado por Domingos Amaral às 11:31 | link do post | comentar | ver comentários (3)
Quinta-feira, 03.10.13

Cavaco está a chamar masoquistas a quem exactamente?

O presidente Cavaco Silva disse ontem que os portugueses que dizem que a nossa dívida pública é insustentável são "masoquistas".

Ou seja, quem pensar de forma diferente da dele, é um doente mental que gosta de se magoar a si próprio!

Eu estranho esta retórica psíquica de Cavaco, principalmente sabendo que ele é economista, e portanto devia saber destas coisas.

Ora, aquilo que é ensinado nas melhores escolas de economia do mundo sobre a sustentabilidade de dívidas públicas é o seguinte:

1. Se um país tiver uma taxa de crescimento nominal do PIB inferior à sua taxa de juro nominal da dívida, está em graves problemas.

2. Só há duas formas de equilibrar esta equação, uma é ter um excedente primário no orçamento do Estado, e a outra é imprimir moeda.

3. Como a segunda hipótese não existe no euro, só resta a primeira, um excedente orçamental primário.

4. Caso esse excedente não exista, a dívida pode tornar-se insustentável porque cresce mais depressa (a taxa de juro) do que cresce o país (a taxa de crescimento do PIB).

Foi isto, e é isto que tem sido ensinado durante anos nas escolas de Economia, e por isso causa uma certa estranheza que Cavaco considere "masoquistas" quem se limita a afirmar aquilo que é mais ou menos óbvio, e que se aprende nas universidades.

Senão, vejamos:

a) Portugal tem um rácio de dívida pública próximo de 130 por cento do PIB.

b) A taxa de juro a que paga essa dívida anda próxima dos 7 por cento.

c) A taxa de crescimento do PIB o ano passado foi negativa (-3%) e este ano deverá voltar a ser negativa outra vez (talvez -2%).

d) Portugal não tem ainda um saldo primário positivo, permanente e significativo, no orçamento, mesmo com muita contabilidade criativa.

Assim sendo, se a dívida cresce a 7 por cento ao ano, e o PIB contrai, como é que é possível estabilizar a equação?

Como é possível dizer que a dívida é sustentável?

Talvez Cavaco saiba algo que os outros economistas não sabem, mas a mim parece-me que sem ajudas claras, sem prolongamentos das maturidades, sem reestruturações, e sem esse tipo de coisas, será difícil pagar esta dívida pública.

Ou será que alguém acredita que Portugal, por milagre, vai passar a crescer a 8 por cento ao ano?

Nessa caso, não é masoquismo, é mesmo delírio...

  

publicado por Domingos Amaral às 11:46 | link do post | comentar | ver comentários (9)
Terça-feira, 01.10.13

Sócrates, Passos Coelho, Rui Rio e os dramas da paróquia

Há coisa de dois anos e meio, antes das eleições de 2011, surpreendi muita gente quando defendi que era um bocado indiferente que quem mandasse no país fosse Sócrates ou Passos Coelho.

Com o país sob resgate, obrigado a adoptar um duro programa de austeridade, qualquer que fosse o primeiro-ministro, iria acabar odiado por toda a gente.

Nessa altura, escrevi que Passos Coelho não sabia onde se estava a meter, e que em dois anos seria tão ou mais odiado do que Sócrates já era.

E, como todos sabemos, Sócrates era muito odiado em 2011, e grande parte dos portugueses, à direita ou à esquerda, já não o podia ver à frente.

Apenas dois anos e meio passados sobre as eleições, o que se passa com Passos Coelho?

Pois, infelizmente para ele, é odiado por meio mundo, ou três quartos do mundo, melhor dizendo.

É odiado pela extrema-esquerda, pelos comunistas, pelos socialistas, e por uma parte importante do eleitorado de centro direita.

É odiado pelos jovens, porque não gera emprego; pelos pensionistas, porque lhes corta as pensões; pelos funcionários públicos, porque lhe tira salários, subsídios e ainda lhes aumenta as horas de trabalho; e por muitos trabalhadores privados, que foram parar ao desemprego.

Até já uma parte do seu PSD, começa a rosnar mais alto contra ele, porque conduziu o partido para uma amarga derrota, e não há grandes perspectivas de vitórias num futuro próximo.

Portanto, dois anos e meio depois, os ódios a Passos são tão ou mais fortes que os ódios a Sócrates, e já há quem, no PSD e não só, veja em Rui Rio o "senhor que se segue". 

Mais uma vez, as pessoas cometem o mesmo erro, e julgam que mudando de primeiro-ministro, ou de líder do PSD, tudo será diferente e voltarão os dias gloriosos do passado.

Infelizmente, não é assim. O problema não está na paróquia, nem a paróquia tem qualquer capacidade para resolver o problema.

Desde que entrámos no euro, deixámos de ter nas nossas mãos muito poder económico, e passámos a estar integrados num "ecossistema" económico que é muito mais vasto do que nós, e onde não mandamos nada.

A capacidade que o Governo português tem para resolver os problemas económicos do país é muito pequena, e ainda por cima extremamente vulnerável ao que se passa no resto do "ecossistema".

A Alemanha, o BCE, a França, a Itália, a Espanha, ainda podem pensar que mandam um pouco, embora cada uma delas tenha cada vez menos força.

Mas, Portugal, e os outros países pequenos, quase nada podem fazer para mudar o seu destino.

A crise, ao contrário do que sempre nos tem sido dito, não é nacional mas sim europeia.

Como Vítor Gaspar teve a coragem de dizer, agora que já não é ministro, o euro tem falhas graves de construção, e se elas não forem remendadas de nada nos valem os sacrifícios.

Por isso, a capacidade de um governo português para determinar o nosso futuro é para aí 10 por cento.

Os restantes 90 por cento não dependem de Portugal, mas sim da Europa.

É claro que, mesmo nesses 10 por cento, há coisas que podiam ser melhores, tanto Sócrates como Passos cometeram erros graves, e podiam ter evitado tanto mal estar.

Mas, a verdade é que, decidindo a Europa este tipo de ajustamento brutal para os países, qualquer um que lá esteja iria ser odiado.

Rui Rio que se mantenha calmo, e deixe passar esta fase.

Pode ser que um dia a Europa tome juízo e alivie a pressão.

Nesse dia, talvez valha a pena ele pensar em liderar o PSD, mas antes disso não.

Seria apenas mais um cordeiro imolado pela Europa, como foi Sócrates, é Passos, e em breve será Seguro.

Tal como António Costa, Rui Rio tem de saber esperar.

Melhores dias virão... 

publicado por Domingos Amaral às 16:00 | link do post | comentar | ver comentários (2)
 

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