Quinta-feira, 08.11.12

Livros para vencer a crise

Dois bons livros para compreender a crise económica e financeira que a Europa e a América atravessam. O primeiro é "Acabem com esta crise já", do prémio Nobel de Economia Paul Krugman, editado pela Presença. Uma abordagem completamente diferente da seguida na Europa, uma crítica fortíssima às políticas de austeridade, com muita imaginação e criatividade vindas de um economista, o que é sempre uma boa surpresa! O capítulo sobre o temor da inflação, a que Krugman chama, parafraseando o Star Wars, como "A Ameaça Fantasma"; ou o capítulo sobre os fanáticos da austeridade, a quem ele chama "austerianos", são brilhantes. Era o livro que eu ofereceria a Angela Merkel, a Pedro Passos e a Vítor Gaspar, para ver se eles tomavam juízo.

O segundo livro é da autoria do milionário George Soros, também da Editorial Presença e chama-se "Desordem Financeira na Europa e nos Estados Unidos", e reune um conjunto de artigos publicados por Soros, no Financial Times e na New York Review of Books, onde se descrevem os principais erros cometidos pelos países desde o rebentamento financeiro de 2008. Vale a pena, embora por vezes seja um pouco repetitivo.   

publicado por Domingos Amaral às 11:53 | link do post | comentar

O FC Porto está muito forte!

Mais uma ronda de Liga dos Campeões, com algumas confirmações e uma grande surpresa. Uma das confirmações é evidente: à quarta jornada, o FC Porto é uma das cinco equipas que ainda não perderam qualquer jogo nesta fase de grupos (as outras são o Málaga, o Schalke 04, o Borussia Dortmund e o Manchester United) e uma das três que já está apurada, além da equipa treinada por Ferguson e do surpreendente Málaga.

Apesar de não ter marcado muitos golos, apenas 6, e de ainda ter de visitar Paris, pode perfeitamente vencer o seu grupo e até atingir os 16 pontos, o que lhe permitiria encaixar um bela soma, bem acima dos 15 milhões de euros. 

A grande surpresa deu-se no grupo do Benfica, com a derrota do Barcelona em Glasgow, num jogo estranho, onde os catalães tiveram mais de oitenta por cento de posse de bola, um novo recorde da Champions, mas mesmo assim perderam 2-1, o que prova que não são imbatíveis, e complicou muito as contas do grupo G.

Por absurdo que isso possa parecer, o Barcelona ainda pode ser eliminado, mas também se pode apurar mesmo que perca os dois próximos jogos. A quinta ronda será essencial: o Spartak recebe o Barça, e terá de dar o tudo por tudo para continuar vivo, e no mesmo dia, embora umas horas depois e já sabendo desse resultado, o Benfica tem de vencer o Celtic dê por onde der. Embora a probabilidade de isso acontecer seja pequena, se o Barcelona não ganhar em Moscovo, o grupo torna-se totalmente imprevisível!

De qualquer forma, o Benfica mostrou ontem as suas qualidades mas também as suas fraquezas. Tem bons alas, Salvio continua em grande forma, e Ola John está a ganhar confiança e a mostrar que tem mesmo muito talento; e também tem bons pontas de lança, Lima e Cardozo bem, embora Rodrigo continue abaixo do seu potencial.

Contudo, é no meio campo que falta qualquer coisa. É nestes jogos da Champions que se sente mais a ausência de Witsel. As segundas linhas, que agora são primeiras, como Matic, Enzo Pérez, ou os dois Andrés, Almeida e Gomes, têm qualidade e podem evoluir muito, mas ainda não estão ao nível do belga. Se ganharmos ao Celtic, o que é difícil mas nada impossível, podemos continuar em jogo, mas não vai ser fácil ir a Nou Camp com a obrigação de vir de lá com pontos. Não me parece que este Benfica, que joga muito aberto e sofre golos com facilidade, possa parar o Barça em casa. 

Por fim, o Braga mostrou a sua inexperiência em vários jogos. É uma equipa que joga bem, mas sofre dos habituais pecados das equipas de Peseiro (parecidas com as de Jesus): ataca bem mas defende mal. Ainda tem hipóteses, mas só se vencer na Roménia na próxima jornada!

 

publicado por Domingos Amaral às 11:36 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Quarta-feira, 07.11.12

Lá vai formoso e bem Seguro

Há um ano, confesso, não dava nada por ele. António José Seguro nunca perdera completamente aquele ar de "jotinha", rapaz que começara cedo a aparecer na televisão e a falar de política, mas não crescera, mantendo ainda um "look" um bocado imberbe, em que era difícil confiar.

Além disso, e apesar de nunca ter apoiado José Sócrates, qualquer líder do PS que lhe sucedesse carregava o fardo pesado da responsabilidade por muitos e gritantes erros de política e de economia. Seguro, ou outro, tinham (e ainda têm) gravado na testa esse ferrete, e por isso parecia que ao PS só restava o papel de espetador calado, embraçadamente comprometido com a governação de Passos Coelho, que não podia nem evitar nem alterar. 

Contudo, os erros de Passos Coelho, em apenas um ano e meio, foram de tal ordem, que Seguro tem vindo a crescer na vida política nacional, e ontem declarou mesmo na SIC que "está preparado". Para governar, entenda-se, o que poderia parecer um absurdo, visto que esta legislatura ainda não chegou sequer a meio, e o governo PSD-CDS tem maioria absoluta parlamentar, mas só não é um absurdo porque o desnorte do governo é de tal ordem, e a fúria da populaça tão profunda, que ninguém aposta muito na sua longevidade. 

Na questão central, Seguro está certo. É absolutamente verdade que este governo se "desviou" do memorando original de acordo com a troika, assinado pelo PS e como o apoio do PSD e do CDS. Passos e sobretudo Vítor Gaspar, impuseram uma linha de aumento de impostos, que provocou uma exagerada recessão, e só agravou o problema do deficit e da dívida. É evidente que o PS, como Seguro bem diz, não tem de aprovar um corte de 4 mil milhões de euros na despesa do Estado, pois esse corte nunca foi aceite pelo PS no memorando original de 2011, e só se tornou necessário devido às graves incompetências do governo e da "troika". 

A defesa de uma negociação mais firme com a "troika" é também correcta. Passos e Gaspar optaram pela "via germânica", aceitando com subserviência e sem contestação, a imposição de um tempo curto e uns juros altíssimos no resgate a Portugal, acompanhados por uma verdadeira enxurrada de austeridade fiscal, sobretudo nos impostos. Ora, a "via germânica" é uma tragédia para a Europa, mas é sobretudo uma tragédia para a Grécia, para Portugal e para a Irlanda, pois transforma as economias numa espécie de "zombies", mortos-vivos sem qualquer hipótese de regressar ao crescimento ou de pagar a dívida. 

Portanto, faz bem Seguro em defender uma estratégia diferente, mais alinhada com Monti e Hollande, e menos lambe-botas da Sra. Merkel. Se ela vai ou não resultar, isso só saberemos no futuro, mas pelo menos tem a virtude de ser uma alternativa possível e menos miserável que a seguida pelo governo. E, se não a tentarmos, nunca saberemos se ela pode funcionar ou não. 

Contudo, só opor-se não chega. Opor-se a Passos Coelho é, neste momento, até bastante fácil. O governo quase se auto-destruiu sozinho, não foi preciso Seguro esforçar-se muito. Mas, para se constituir como uma alternativa real, Seguro ainda tem muito que trabalhar. O povo português, e bem, ainda desconfia do PS, e Seguro terá de dar provas de que os tempos dos despesismo exagerado de Guterres, ou da fase final de Sócrates, não são para repetir.

Ontem, na SIC, Seguro disse que "está preparado", mas parece-me que o país ainda não está preparado para ele. 

publicado por Domingos Amaral às 15:24 | link do post | comentar | ver comentários (2)

As mulheres e a crise (Episódio II)

Um dia, ele virou-se para a mulher e anunciou:

- Vou emigrar!

Ela ficou perplexa, sem saber o que dizer. Há mais de um ano que ele estava desempregado, e tinha tentado tudo. A roda de amigos, os locais onde trabalhara no passado, o caderno de emprego do Expresso, os sites na internet. Nada acontecera. Parecia que as empresas tinham feito um pacto entre elas para não aceitarem o marido. E ele era boa pessoa, muito concentrado no que fazia, sabia que gostavam dele. Se fosse um chico esperto, talvez tivesse tido mais sorte, mas não era e portanto tinha ficado para trás. Ela achava que ele já não ria com gosto há meses. 

E agora isto. 

- Para onde?, perguntou ela.

Sentado no sofá, em frente à televisão, ele reconheceu:

- Isso é que é o problema. 

Não era esse o problema, o problema era que só o salário dela começava a ser muito curto para as despesas. Tinham dois filhos, empréstimo da casa para pagar, essas coisas. 

Mas, ele abriu um enorme sorriso e proclamou de súbito:

- Mongólia! 

Ela ficou paralisada de espanto. Sempre gostara da orginalidade dele, mas mesmo assim não percebeu a lógica. Perguntou se ele tinha uma oferta de emprego para lá. 

- Não, respondeu ele, mas gosto do nome da capital, Ulan Bator!

A originalidade dele trazia também associada alguns problemas, concluiu ela. Ele explicou que para o Brasil toda a gente ia, e recusava-se a andar em carneirada; para Angola não fazia sentido, pois não percebia nada de diamantes nem de petróleo; e para a Alemanha jamais, considerava Merkel a culpada do seu desemprego, e não iria agora dobrar a cerviz. A única alternativa, concluiu, era pois a Mongólia.

- Além disso, prosseguiu ele, adoro o deserto do Gobi, as histórias do Gengis Khan, o budismo e, sobretudo, adoro aqueles gorros que eles usam!

Ela riu-se, achou mesmo que ele estava a brincar e acrescentou:

- Mongólia..., sim até que seria divertido, andar de Llama nas estepes.

Ele olhou para ela muito sério e corrigiu-a:

- Não há Llamas na Mongólia, estás a confundir com o Peru!

Ela encolheu os ombros:

- São parecidos, a Mongólia e o Peru, muita montanha...

Ele prosseguiu, ignorando-a:

- Trinta por cento da população é nomada!

Ela estremeceu ligeiramente e perguntou:

- E tu queres ser nómada? Na Mongólia?

Então ele levantou-se de rompante do sofá, abriu os braços e exclamou:

- Cerca de vinte por cento da população vive com 1 euro por dia! Eu, mesmo desempregado em Portugal, seria rico na Mongólia! O meu subsídio de desemprego são 1000 euros por mês, dá 33 euros por dia. Com isso, vou ser um marajá na Mongólia! Nómada, mas um marajá! Com um gorro daqueles, todo giro...

Ela franziu o sobrolho:

- Marajá? Mas isso não é na Índia?

Ele enervou-se:

- Não sejas perfeccionista! Marajá, nababo, sheik, tanto faz! 

Foi nesse momento que ela começou a duvidar se ele estaria bom da cabeça. Tinha ouvido dizer que os homens desempregados tinham tendência para perder o juízo, e talvez isso estivesse a acontecer ao seu.

Por sorte, começou nesse momento a Gabriela, e ela pôs o som da televisão mais alto, para ouvir a Jeruza e o Mundinho Falcão a namoriscaram. Aquela ideia da Mongólia não ia dar em nada, não valia a pena perder mais tempo, por isso apontou para a televisão e avisou-o:

- Mor, olha, vai começar...

Então ele viu a Juliana Paes a tomar banho, e lentamente voltou a sentar-se no sofá, os olhos fixos no ecran.

No deserto do Gobi, pensou ela, não havia disto. 

publicado por Domingos Amaral às 12:55 | link do post | comentar
Terça-feira, 06.11.12

As mulheres e a crise (Episódio I)

Esta crise que estamos a atravessar é muito mais difícil para as mulheres do que para os homens. Como é que se explica a uma mulher que ela "está a viver acima das suas possibilidades"? Sim, qual a forma de o fazer?

- Ó mor, não podemos ir jantar fora, o dinheiro não chega!

A mulher olha para o homem, desconfiada, a pensar qual a mensagem cifrada que ele lhe está a enviar. Queres ver que ele me está a chamar despesista?, pensa ela. Queres ver que este safado estoirou o dinheiro todo em parvoíces dele e agora está a inventar desculpas?

- A Ana e o Janeco foram, já conhecem o restaurante.

Pronto, pensa o homem. Agora ela acha que eu sou um falhado, e que o Janeco é muito melhor. Estou lixado. 

- Mor, tens de perceber, temos de cortar em alguma coisa!

É aquele "tens de perceber" que cai mal. A mulher olha de soslaio para o marido, franze a testa e pergunta:

- Estás a dizer que eu sou uma gastadora, é isso?

O marido fica atrapalhado, mete os pés pelas mãos, quer dizer que sim mas não tem coragem, e apenas balbucia:

- Já foste ao Colombo ontem...

Ela olha para ele com desdém. As mulheres são, é evidente, as fundadoras do capitalismo. Sem elas, a Terra seria pior que Marte, uma planície inóspita e vazia, sem qualquer graça. São as mulheres que dão vida ao nosso planeta, que inventaram os conceitos essenciais de "feira", "loja", "centro comercial", e tudo o resto que existe no Colombo. Os homens vão lá por arrasto, na maioria dos casos. Por vontade deles, iam só para comprar o mínimo essencial para as suas casas funcionarem.

- Não quiseste vir comigo! - exclama ela. 

Ele quis ficar a ver televisão e agora tramou-se. Para tentar amansá-la, promete:

- Mas no sábado vou! Vamos sempre, não é?

Como gostam muito das mulheres, e do que elas fazem por eles, os homens lá vão atrás delas para as comprinhas, a qualquer hora que elas queiram, e é isso que faz a economia funcionar. Contudo, aquele "vamos sempre" não soa bem, a mulher acha que ele continua a querer insinuar que ela gasta demais.

- Queres que deixe de ir ao cabeleireiro? E ao supermercado? Queres que deixe de arranjar as unhas, que deixe de me vestir bem?

A austeridade é, claramente, um conceito masculino. Lembra logo aqueles pais autoritários que cortam as semanadas aos filhos só porque eles compraram demasiadas pastilhas elásticas e cromos. Por mais que se esforcem, os homens nunca perceberão que há certas coisas que existem para nos fazer felizes, coisa que as mulheres percebem bem melhor. Ir ao cabeleireiro, comprar uma roupinha, ir jantar fora com o marido, são coisas que para as mulheres fazem todo o sentido, mas os homens austerianos não entendem!

Ele franze a testa, preocupado:

- Ó mor, o Gaspar vai aumentar os impostos, temos de poupar, percebes? 

Os homens austerianos ouvem as notícias de uma maneira diferente, fazem logo contas, começam a ver onde têm de cortar. Ela já sabe onde isto vai dar, e por isso contra-ataca:

- E vais deixar de ir ao futebol?

Ele abre muito os olhos, incrédulo. Outra vez o futebol? Ela não pode atacá-lo outra vez por causa do futebol! É o seu único prazer, será que ela não percebe?

- Mor, o futebol? É a única coisa em que eu gasto dinheiro!

Claro que não é, mas é a sua primeira linha de defesa, e ele tem de resistir heroicamente. Ela não pode proibi-lo de ir à bola!

Mas, esperta, ela sorri e contrapõe:

- Pensei que não podíamos viver "acima das nossas possibilidades"! Tens dinheiro para o futebol, mas não para levar a tua mulher a jantar fora? É uma coisa romântica, que acaba sempre bem...

Ela pisca-lhe o olho, e ele sabe o que isso quer dizer. Quer dizer que ele ficou entalado num beco sem saída e tem mesmo de jantar fora com ela. A crise vai ter de esperar...

 

publicado por Domingos Amaral às 12:20 | link do post | comentar | ver comentários (4)

A "cassete" dos liberais

Antigamente, logo depois do 25 de Abril, os comunistas diziam sempre a mesma coisa, ao ponto de alguém ter inventado a expressão "cassete comunista". Logo que eles começavam a falar, lá vinham "os direitos dos trabalhadores", a "exploração do capitalismo", a "ocupação dos latifúndios", o "direito à greve", "as nacionalizações do tecido produtivo", e coisas assim. Bastava ouvir um comunista a falar, e logo se iniciava uma repetitiva lengalenga de frases amontadas, coladas umas às outras, sempre a dizerem o mesmo. Era cansativo e pouco original, e a expressão cassete assentava bem. 

Quase quarenta anos depois, há uma nova cassete no firmamento político nacional, que é a "cassete liberal". É impressionante, mas tal como os comunistas de ontem, os liberais de hoje repetem, à exaustão, os mesmos conceitos. Lá vem "a diminuição da despesa do Estado", lá vem "a flexibilização da lei laboral", lá vem o célebre "vivemos acima das nossas possibilidades", lá vem o "não podemos gastar o que não temos", lá vem o "monstro que é o Estado", lá vem o ataque às "gorduras". É impressionante como a cassete liberal se repete e repete, como se a sua própria repetição tornasse a realidade diferente.

Tal como os comunistas de outrora, também os liberais de hoje acreditam piamente que, se repetirem as suas crenças todos os dias, desde manhã quando se levantam, até à noite quando se deitam, isso vai resolver todos os problemas do país e do mundo. Infelizmente, não vai. A utopia liberal, é disso que se trata, é igual a todas as outras utopias ideológicas do passado, é como todas as outras cassetes, foram muito ouvidas mas não resolveram nada. As outras utopias - a cassete fascista, a cassete nacionalista, a cassete socialista e a cassete comunista - falharam sempre pelas mesmas razões: a realidade é muito mais complexa do que a ideologia, e nenhuma cassete a consegue explicar. 

Era bom que fosse fácil resolver os problemas do país e do mundo com "menos Estado e melhor Estado", com "menos déficit" e com "mercados de trabalho mais flexíveis". Era bom, mas infelizmente isso só não chega. O mundo não se resolve com crenças e fezadas, sejam elas comunistas, fascistas, socialistas ou liberais. A cassete liberal terá o mesmo destino que as outras cassetes políticas do passado, o caixote do lixo. É uma moda que temos de aturar, mas não vai contribuir quase nada para a melhoria da nossa vida. 

publicado por Domingos Amaral às 11:52 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Segunda-feira, 05.11.12

De onde nos conhecemos?

Há lá coisa mais constrangedora do que encontrar alguém que temos a certeza que conhecemos mas não nos lembramos de onde? Pior, não nos lembramos do nome! Pois foi isso mesmo que lhes aconteceu, certa noite em casa de uns amigos.

O dono da casa fazia anos e tinha organizado uma festa. Havia talvez quarenta ou cinquenta pessoas, entre a sala, a cozinha e o terraço. Pessoas suficientes para ele conhecer algumas, mas também suficientes para não conhecer todas. Quem era aquele casal ali ao fundo, ele com ar de cientista louco, ela com ar de hippie? Quem eram aqueles três rapazes que fumavam charros na varanda? Pareciam vindos de uma manifestação anti-globalização. E quem era...quem era esta mulher que se aproximava dele a sorrir? 

A cara não lhe era estranha, era bonita, olhos castanhos, cabelo moreno encaracolado. Não era nem muito alta nem muito baixa, vestia uma mini-saia preta e um top sem ousadia demasiada, e ria-se para ele, enquanto andava na sua direção.

Ele sorriu também, mas por mais que esforçasse a memória não se lembrava dela. Ou melhor, tinha uma vaga ideia de que a conhecia, mas isso só servia para o confundir ainda mais, pois é desesperante não se encontrar a ficha certa no arquivo. 

Ela disse:

- Olá, tás bom?

Procurou no seu facebook mental. Seria do trabalho? Duma reunião de marketing? Da empresa anterior, de onde ele saíra há três ou quatro anos? Do seu primeiro emprego? Da faculdade? Do colégio? Da noite?

- Tudo bem, e tu?

Ela riu-se. Porquê? Tinha a certeza que não a conhecia intimamente. Não podia ser uma rapariga com quem tivera uma noite louca, demasiado bêbado para se lembrar. Isso já não lhe acontecia há mais de vinte e anos! Pensando bem, na verdade isso nunca lhe acontecera, lembrava-se de todas as situações, tinha a certeza. Tirando aquela vez em Albufeira, mas isso não contava, eram inglesas.

- Tens estado com a Teresa?, perguntou ela.

Ui, a coisa ia de mal a pior! Qual Teresa? Não tinha nenhuma amiga Teresa, nunca tivera uma namorada Teresa, e também não havia Teresas na sua família.  Mas, não desfez o equívoco.

- Pouco, respondeu. Já não a vejo há imenso tempo.

Ela mostrou-se compreensiva. Pelos vistos ela também já não estava com a Teresa há muito. Mas depois acrescentou:

- Foi uma época bem divertida...

Bolas, cada coisa que ela dizia o confundia mais. Época divertida, sim, mas qual? Parecia uma coisa distante, século passado, talvez tempos de estudante...De repente, ele ficou mesmo aflito, quando ela acrescentou:

- Ainda não sabes usar o Excel? Éramos sempre nós que fazíamos tudo! 

O Excel sempre fora o seu terror! Fosse na universidade, fosse no seu trabalho, era uma desgraça com o Excel, e ela sabia! Portanto, ela conhecia-o, enquanto ele nem fazia ideia de quem ela era, quanto mais se usava o PowerPoint!

Decidiu contra-atacar e abriu um sorriso confiante:

- Melhorei muito desde esses tempos! Fiz um curso intensivo, agora sou uma máquina! Até tenho Twitter! Um rei da informática!  

Ela riu-se imenso, divertida. E perguntou:

- Lembras-te do que dizias da tecla "enter"?

Fez um sorriso matreiro, numa clara sugestão sexual, e o coração dele acelerou. "Enter"? Será que as coisas tinham chegado ao "enter" e ele não se recordava?

- Ou então "insert"..., murmurou, dengosa. 

Ela deu um gole na bebida (a ele parecia qualquer coisa com morango, talvez vodka) e depois suspirou:

- Eras mesmo divertido, Ricardo.

Depois, olhou-o nos olhos e perguntou:

- Estás sozinho?

Ele sorriu, bem disposto. Decidiu que não valia a pena tentar vasculhar mais os seus neurónios, já não era importante lembrar-se. Ela estava claramente disponível, e mais valia aproveitar. Disse:

- Fiz um "delete" à companhia...

Riram-se, e horas mais tarde estavam abraçados, dentro do carro dele, aos beijos. Haviam bebido bastante, dançado bastante e conversado pouco, mas agora já não era hora de conversas, por isso ele ficou verdadeiramente surpreendido quando ela parou a meio de um beijo e franziu a testa.

Ele puxou-a mais para perto, as mãos à procura do peito dela, mas ela afastou-o. Intrigada, comentou:

- Acho estranho uma coisa...

Ele olhou para ela, respirou fundo, e perguntou:

- O quê?

Ela continuava de testa franzida e disse:

- Nunca disseste o meu nome...Nem uma vez...

Ui, agora é que ela se lembrava disso? Claro que nunca dissera o nome, como é que ele podia dizer se não se lembrava dela? Mas agora, já com as mãos aceleradas a explorar a anatomia dela, é que ele ia ter de parar? Que tortura...Então, a solução saiu-lhe num segundo:

- Princesa...Os outros podem chamar-te o que quiserem, mas para mim és princesa!

Foi pior a emenda que o soneto. Ela olhou para ele verdadeiramente horrorizada e exclamou:

- Que foleiro! Além de mentiroso és foleiro!

Ele ficou aterrado, sem saber o que dizer. Chocada, ela gritou:

- Tu não és o Ricardo, pois não? Tu não te lembras de mim, pois não?

Ele engoliu em seco. Não sabia mesmo o que fazer. É evidente que não era o Ricardo! Mas, apesar de tudo, era um tipo simpático. Ela não tinha sido obrigada a nada! 

- Como é que tu te chamas?, perguntou ela, irritada.

Ele esclareceu-a, honesto. Explicou que havia coisas na história que batiam certo. Lembrava-se dela, não sabia usar o Excel. Tirando o pormenor da Teresa, deviam ter-se conhecido mesmo, há uns anos atrás, em algum lugar. 

Então ela suspirou e disse:

- A culpa é minha.

Ele perguntou porquê e ela explicou:

- Tenho péssima memória. Lembro-me das caras, mas não me lembro dos nomes das pessoas. É um bocado chato, não é?

Ele encolheu os ombros, mas lá lhe foi explicando que o importante é que tinham achado graça um ao outro. Não eram os nomes, ou de onde é que se conheciam. Recomeçaram a beijar-se, e ela acabou por concordar, embora já não se lembre bem com quê. 

publicado por Domingos Amaral às 11:58 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Merkel e as economias "zombies"

Eis o famoso "Plano Merkel" para salvar a Europa: mais cinco anos de austeridade! Qual apoio aos investimentos, qual alívio, qual carapuça! Angela Merkel disse este sábado o que tem de ser feito: toma lá mais cinco anos de austeridade, que é a única maneira de melhorarmos todos! Eis a Bruxa Má da Europa (como já aqui lhe chamei) em todo o seu esplendor! O que ela quer é transformar-nos em "zombies"!

Julgo que partiu de Fernando Ulrich a sugestão de que ela apresentasse, na sua visita próxima a Lisboa, um "plano Merkel" para salvar a Europa. Mas, pelos vistos, a senhora não o ouviu, nem quer saber de ideias diferentes para resolver a grande crise que a Europa atravessa. Para a majestosa chanceler germânica, que interessa que a crise desgaste a Grécia, a Irlanda, Portugal, Espanha, Chipre ou Itália?

Que interessa que os juros tenham voltado a subir para estes países, que o desemprego não pare de crescer, que as economias afocinhem numa recessão cruel, sem qualquer sinal de esperança? Isso são pormenores insignificantes. O fundamental é que a Alemanha está pujante e confiante, e é certamente por isso que Merkel acabou de ser aumentada e bem! É verdade: enquanto em toda a Europa se diminuem os salários por imposição alemã, a Bruxa Má da Europa é aumentada e já ganha mais de 20 mil euros por mês!

E diz Ulrich que os gregos não têm de se queixar, pois estão vivos! Talvez "mortos-vivos" seja uma definição melhor. A austeridade que a Sra Merkel tem imposto à Grécia transformou os gregos numa espécie nova de seres humanos: os "zombies" económicos. A economia grega é hoje uma "economia zombie". As empresas gregas estão mortas-vivas, os bancos gregos são mortos-vivos, o Estado grego é um morto-vivo. Andam devagar e abanam-se lentamente, como os desgraçados da série "Walking Dead", da Fox. Ninguém sabe o que fazer à Grécia, ninguém sabe como a ressuscitar, e lá sofrem eles sem cura, "zombies" trágicos desta Europa que, em vez de os tentar salvar, os afunda ainda mais num lamaçal podre. 

Nós não estamos muito melhor. Portugal, ao contrário do que diz a propaganda do Governo, está no mau caminho. Os juros da dívida voltaram a subir, já estamos em 6º lugar no índice dos países mais próximos da bancarrota, as agências de rating falam na possibilidade cada vez mais forte de um segundo resgate, e até a imprensa económica internacional (o Financial Times ou o The Economist) já diz que Portugal não vai conseguir sair da armadilha da dívida e da deflação onde o Governo, a troika e a Sra Merkel o enfiaram.

Também nós, tal como a Irlanda, Chipre, a Espanha e a Itália, estamos em plena metamorfose económica,  cada vez mais "zombies". Não serão precisos cinco anos, bastam um ou dois de mais austeridade para passarmos a "mortos-vivos" económicos. Talvez seja essa a ideia da Sra Merkel, transformar os países do Sul e da periferia em economias "zombies", para então a Alemanha poder reinar à vontade, sem ninguém que enfrente a sua hegemonia. É um destino maravilhoso não é? Uma Alemanha forte, cercada por economias "zombies". 

publicado por Domingos Amaral às 11:00 | link do post | comentar
Sexta-feira, 02.11.12

A guerra da Apple e da Samsung

Na batalha entre Apple e Samsung, sou daqueles que troquei de campo, embora apenas nos telemóveis. Primeiro tive um iPhone e confesso que não gostei. Era lento nas pesquisas na internet, perdia muitas vezes a rede, e ouviam-se sempre interferências durante as chamadas. Há coisa de dois anos mudei-me para um Samsung Galaxy e foi como tivesse subido rapidamente de nível.

O Galaxy é bem melhor que o iPhone, essa é que é essa. Admito que a Samsung até tenha seguido atrás das ideias de design e coisas assim, mas a verdade é que, no que toca a tecnologia, o Samsung dá três a zero ao iPhone. Um pela melhor qualidade de som durante as chamadas, um pela facilidade em ter rede em qualquer local, e mais um pela rapidez de acesso à net. Nos gráficos, admito que o iPhone é capaz de ser mais sofisiticado, mas no resto, sinceramente desiludiu-me.

É claro que depois, a Apple conquista-me com os computadores propriamente ditos. O iMac que tenho é uma fábula, e os iPad são mesmo muito bons e muito úteis. Os Galaxy também são giros e aí acho que as duas marcas estão ela por ela, embora a Samsung tenha surpreendido com o Galaxy wi-fi, que é claramente um tablet para crianças que funciona, uma miniatura gira que a concorrência não tem.

Portanto, eu diria que a Samsung é melhor nos telemóveis, a Apple melhor nos computadores, e há um empate técnico nos tablets. Embora do ponto de vista da moral, eu não tenha gostado que a Apple tenha recorrido aos tribunais americanos para se queixar da Samsung, o que a levou a descer um pouco no meu afecto. Mas, guerra é guerra, como dizia o outro. 

publicado por Domingos Amaral às 12:43 | link do post | comentar | ver comentários (2)
 

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