Desta vez, Portas e Passos estão nisto juntos, e enterrados até ao pescoço!
Desta vez, com o Orçamento para 2014, não há divisões na coligação.
Não há PSD para um lado, e CDS para o outro.
Desta vez, não há linhas "vermelhas", ou "se me perguntarem se eu concordei eu digo que não concordei".
Desta vez, não há Vítor Gaspar acima de Portas, como número 2 do Governo, uma coisa humilhante que causava mal estar.
Desta vez, não há nada disso.
Com a remodelação, Portas passou a número 2 e a todo poderoso da economia, e até negoceia com a troika.
E Pires de Lima, que fora do Governo era um crítico, dentro é apenas mais um dos seguidores.
Desta vez, Portas e Passos são uma entidade única, há um Governo unido, para o bem e para o mal.
A margem de liberdade, ambígua mas inteligente, que Portas adquirira ao longo de dois anos, esfumou-se.
Portanto, o que devemos concluir é que este orçamento de 2014 é o primeiro em que há uma genuína união entre PSD e CDS, e que ambos o apoiam sem qualquer reserva.
E isso é que é estranho, pois este pode vir a ser o mais duro orçamento deste Governo.
Além disso, é um orçamento que demonstra, mais do que qualquer outro até agora, que o Governo não só não aprendeu com os erros, como entre a crença e a eficácia, escolhe sempre a crença.
Em primeiro lugar, o Governo devia aprender com os erros, económicos e constitucionais.
Em 2012, houve cortes profundos na despesa, quebra de salários e retirada de subsídios aos funcionários públicos.
Qual foi o resultado? Uma recessão muito profunda, muito desemprego, e muita perda de receita fiscal.
Além disso, o Tribunal Constitucional vetou a repetição dessas medidas em 2013.
Assim, o Governo mudou a estratégia, e para 2013 aumentou os impostos, sobretudo o IRS.
O que se verificou? A recessão foi bem menos grave que em 2012, e há claros "sinais positivos" de recuperação.
O que é que as pessoas inteligentes deviam deduzir destes resultados? Que a economia se adapta melhor à subida de impostos do que ao corte na despesa!
É essa a lição dos últimos 2 anos: cortar na despesa causa mais recessão do que subir os impostos!
E, ainda por cima, subir os impostos tem a vantagem de não ser uma estratégia inconstitucional!
Mas, aprendeu o Governo essa lição?
Nada disso. Para 2014 o Governo vai voltar a apostar num violentíssimo corte de despesa, repetindo o erro de 2012.
E, também no plano constitucional, faz novo braço de ferro com o TC, que já no passado por várias vezes avisou que os cortes salariais deviam ser transitórios...
Porque é que o Governo faz isto? Porque é que não aprende com os erros?
A única explicação para a persistência nesta estratégia de "corte brutal na despesa" não pode ser a "troika", pois a "troika" já permitiu várias soluções diferentes, desde 2011 até agora.
O que a "troika" impõe são as metas, não os caminhos para lá se chegar, esses foram variando, ano após ano.
A explicação é outra: é uma questão de crença fortíssima, quase de fé.
Há uma crença profunda entranhada no centro-direita português, tanto no PSD como no CDS.
Para a maioria das pessoas de direita, há uma trindade dogmática de crenças:
1- O peso do Estado tem de ser diminuído
2- Cortar na despesa é essencial
3- Qualquer subida de impostos é terrível.
Quando se acredita nisto como quem acredita na Santíssima Trindade, em Deus Pai, Filho e Espírito Santo, as pessoas perdem alguma lucidez para ver a realidade que está à frente dos seus olhos.
O centro direita português quer transformar essa crença em realidade, sem ter percebido uma coisa essencial, que há muitas décadas muitos economistas perceberam: quando se está numa recessão, o comportamento das pessoas é diferente, e as soluções não funcionam da mesma maneira.
A "economia da recessão" é diferente da "economia da expansão" ou da "economia da estabilidade".
Soluções que funcionam num momento, são desastrosas noutro momento.
Por isso, as pessoas deviam deixar as suas crenças de lado, e tentar a melhor solução.
A economia não é uma questão de fé, mas sim de eficácia.
Portanto, se tudo falhar, como pode falhar, Portas e Passos desta vez vão morrer juntos, atrelados à sua crença quase religiosa que este é o único caminho.
Não é, mas tal como na religião, também na economia o fanatismo das crenças costuma cegar as pessoas.