Segunda-feira, 17.02.14

O regresso mediático de Vítor Gaspar

Vítor Gaspar, anterior ministro das Finanças, regressou em força para "limpar" a sua imagem.

Agora, que o PIB já cresce, que o desemprego já desce, e que ganha força a hipótese de uma saída "limpa" do programa de ajustamento, Gaspar regressou para colher os louros que ele julga dele.

Tudo o que fez, diz Gaspar, foi bem feito.

Tudo o que disse, diz Gaspar, foi bem dito.

E se algo correu mal, diz Gaspar, a culpa foi de Portas, que desestabilizou o Governo.

 

A pergunta que fica, depois da leitura das entrevistas de Gaspar, é óbvia: então porque é que se foi embora?

Se tudo o que fez estava bem feito, e tudo o que disse foi bem dito, porque se demitiu Gaspar?

Porque disse, na sua carta de demissão, que as suas políticas tinham produzido resultados graves que o tinham "descredibilizado"?

É que, se estava tudo bem, e ele tinha razão em tudo, não fazia muito sentido demitir-se, pois não?

Ao ler as recentes declarações de Vítor Gaspar, a ideia com que se fica é que ele não aguentou a "pressão".

No pico da crise, com os resultados desastrosos que se viam em finais de 2012 e inícios de 2013, Gaspar deixou de acreditar em si próprio e foi abaixo, escolhendo a saída.

 

Na carta que escreveu, vê-se que já nem ele acreditava nas suas ideias, e já não tinha força psicológica e anímica para continuar.

É como o treinador que se demite a meio da época, e que depois do seu sucessor (o treinador adjunto) ter sido campeão, vem dizer que foi ele que decidiu tudo, e preparou tudo, e sem ele não haveria título.

Pois, mas quem ficará para a história como treinador campeão será Maria Luís Albuquerque, e não Gaspar.  

publicado por Domingos Amaral às 10:06 | link do post | comentar
Quarta-feira, 03.07.13

2ª Carta a Paulo Portas, a louvar a sua coragem

Caro Paulo Portas

Ao contrário de muitos, que te chamam garoto, eu quero aqui escrever publicamente que ontem tiveste uma atitude de grande coragem.

Há pouco mais de 9 meses, escrevi-te a minha primeira carta, a defender que te devias demitir depois da célebre TSU, que Passos e Gaspar queriam aprovar contra a tua vontade.

Na altura, não o fizeste, e deste mais uma oportunidade aos dois. Não estive de acordo mas compreendi. Para ti, ainda era cedo, embora para mim já fosse tarde demais.

E o que se passou nesses 9 meses, entre Setembro de 2012 e Julho de 2013? Muita coisa.

Em vez de Portugal melhorar, a situação económica afundou-se ainda mais. Tivemos o célebre "enorme aumento de impostos", e o que se vê é "um enorme aumento do deficit no primeiro trimestre". A dívida também aumentou e só os cegos acham que estamos melhor agora.

Além disso, a Europa caiu ainda mais na recessão, como muitos avisaram que ia acontecer. Os "austeritários" começaram a perder todos os argumentos, e de Paris a Berlim, passando por Bruxelas ou Roma, já ninguém acredita que a revolução "austeritária" é uma solução viável.

Em apenas 9 meses, a Europa mudou. Não muito, mas já mudou o suficiente para se perceber que esta receita austeritária fracassou rotundamente, e que há que encontrar outra saída para a crise.

Porém, por cá, continua a haver uma cabeça teimosa e cega, que nada ouve, nada aprende e nada muda.

Mesmo depois da confissão de derrota de Vítor Gaspar, a quem chamaram e bem o "arquitecto" da austeridade, Passos Coelho mantém-se obstinado e teimoso, como se nada tivesse acontecido.

Há muitos meses que o CDS vem chamando a atenção para a necessidade de mudança. Fê-lo mantendo até ao limite do possível a solidariedade com Passos.

Contudo, Passos é tão pouco inteligente, que não sabe ler qualquer sinal. Não percebe que a Europa já mudou, não percebe que já perdeu o país há muito, não percebe que a sua estratégia falhou colossalmente.

Como um cego e surdo, Passos caminha em direcção ao abismo sem ouvir ninguém.

Mas, há limites para tudo. 

Há anos que Passos humilha o CDS e te subalterniza ostensivamente. Isso, já de si desagradável, seria suportável se a direcção escolhida fosse a certa. Mas não é. Portanto, nada te obriga a ir agarrado a ele para o abismo.

As pessoas que hoje te chamam garoto têm de perceber que o que se passa, e o que te separa de Passos é uma profunda divergência política. Não é uma birra, nem um amuo. É muito mais do que isso.

Passos continua a acreditar na receita "austeritária" com a limitação intelectual de um fanático, e por isso nomeou a senhora que se seguia. Ora, é precisamente isso que está em causa. Esta política falhou, continuar no mesmo rumo é um puro suicídio.

Talvez tenhas contudo de explicar isso melhor. Talvez não baste um comunicado.

Portugal inteiro precisa de perceber que tu não acreditas mais neste rumo, nesta austeridade que só trouxe miséria e desgraça a Portugal. Tens de explicar a todos que é isso que divide hoje o CDS e o PSD de Passos.

Tal como os patrões, os sindicatos, a oposição ou a Igreja, ninguém acredita neste rumo e só estão nele por puro medo.

Sim, medo. É o medo terrível de ser castigado, o medo do futuro, a chantagem da alta finança, que leva as pessoas a aceitarem este rumo.

Ora, o medo não pode ser o dia a dia de um país. Portugal não pode continuar a viver nesse terror paralisante que leva muitos a quererem aceitar tudo, não vá alguém chatear-se connosco.

É preciso vencer esse medo, superar essa aflição. Sim, vai ser difícil, mas não podemos continuar a viver nesta chantagem.

A receita da Europa falhou, a receita da "troika" falhou, a receita de Passos falhou.

É isso que tem de ser dito, é isso que tem de ser praticado, e nós temos de o saber explicar à Europa.

Portanto, acredita nas tuas convicções, acredita que estás certo, porque estás. 

É evidente que provocar instabilidade tem custos, isso todos o sabemos. Porém, e ao contrário do que muitos para aí dizem, eu acho que neste momento a instabilidade é uma aliada de Portugal.

Quanto mais instabilidade existir agora, mais a Europa muda, e mais depressa muda.

Se, durante este Verão, como prevejo, Portugal, Grécia e talvez até a Irlanda, entrarem em turbilhão, a Europa da Sra Merkel vai ter de perceber que ou muda ou morre.

Há três anos não era assim, mas hoje as coisas mudaram. Merkel tem eleições em Setembro, tudo o que ela não quer é crises em Portugal ou na Grécia.

E é precisamente por isso que esta crise vem no momento certo. Agora, que a Europa já perdeu a fé na revolução "austeritária" e Merkel está em época eleitoral, é que é tempo de provocar uma mudança geral na Europa.

Portugal, com a tua decisão corajosa, será o motor dessa mudança. Através da instabilidade, aterrados com o pânico do colapso geral do euro, todos terão de mudar de política, para que a crise acabe.

Pela minha parte, cresceu mais uma vez a minha admiração por ti.

Não te deixaste vencer pela chantagem do medo, e agora é tempo de falares e dares uma nova esperança ao país. Fala, e explica a todos que não vais mais por esse caminho sinistro da "austeridade" das troikas, dos Passos e dos Gaspares.

Esse tempo acabou e ainda bem que foste tu a provocar uma morte mais do que anunciada.

E, caro Paulo, não tenhas medo que os juros subam. Quanto mais subirem, mais Portugal se torna essencial na Europa, e mais força tem para impor uma mudança geral de políticas.

Coragem é o que te peço, e esperança é o que em ti deposito.

"May the force be with you".

 

publicado por Domingos Amaral às 12:13 | link do post | comentar | ver comentários (29)
Terça-feira, 02.07.13

Gaspar: a revolução da austeridade devora os seus próprios filhos

A demissão de Vítor Gaspar não é apenas uma derrota pessoal, ou uma derrota política grave, do Governo.

A demissão de Vítor Gaspar é sobretudo uma profunda derrota da linha dura da Europa, dos austeritários que impuseram por todo o lado uma receita que falhou.

Vítor Gaspar era um menino querido do "establishment" europeu que nos governa.

Era louvado no Banco Central Europeu; era admirado no FMI; era estimado na Comissão Europeia, sobretudo por Oli Rehn; e era verdadeiramente mimado e amado pela Alemanha, especialmente pelo seu amigo Schauble.

Nada disto espantava, pois Vítor Gaspar foi o mais diligente executor da estratégia europeia da austeridade.

Decidida entre finais de 2009 e princípios de 2010, e aplicada com entusiasmo a partir daí na Grécia, na Irlanda, em Portugal, no Chipre, e mesmo em outros países como Itália e Espanha, a estratégia da "austeridade expansionista" foi a resposta convicta da Europa à crise das dívidas soberanas.

Schauble e Merkel, na Alemanha; Oli Rehn, na Comissão Europeia; e ainda Trichet, no BCE; aos quais se juntou depois o FMI; decidiram que existiam dois princípios orientadores para combater a crise das dívidas.

O primeiro era que o "ajustamento" seria feito apenas pelos países devedores, esses irresponsáveis. E o segundo era que os programas de "ajustamento" seriam rápidos, intensos e profundos, com uma enorme dose de austeridade, que provocaria efeitos fortes no início, mas rapidamente se tornaria "expansionista", regressando os países, em 3 anos, a um crescimento económico mais saudável.

Foram estes dois princípios: o sofrimento e a punição dos países devedores, de uma forma rápida e profunda; que orientaram a Europa, e Vítor Gaspar, que entra no combóio apenas em meados de 2011, apressou-se a levar estas orientações à prática com um zelo e uma dedicação notáveis.

No princípio, durante o segundo semestre de 2011, as coisas ainda pareceram resultar.

Mas, com o passar do tempo, tornou-se evidente que os pequenos ganhos positivos da estratégia "austeritária", como a recuperação de alguma credibilidade e a descida dos juros, eram pouco face ao descalabro na frente económica, onde tudo ia de mal a pior, do desemprego à dívida, do deficit ao crescimento.

Nos últimos meses, a linha "austeritária" tem vindo a perder força, perante a tragédia que assola a Europa.

Há cada vez mais vozes na Europa a pedirem uma direção diferente; o FMI já fez o seu mea culpa. O choque com a realidade é total, a linha austeritária falhou em toda a linha, e deixou a Europa mais dividida e mais pobre.

Pelo menos desde 2011, muitos economistas, entre os quais me incluo, defendem que só a reestruturação das dívidas dos países mais frágeis resolverá este imbróglio; e que só uma verdadeira União Europeia, política, orçamental, bancária e da segurança social; nos permitirá sair deste monumental sarilho.

Até há pouco tempo, a "Europa dos duros" venceu sempre, mas agora começa a ser claro para todos que por este caminho não se vai a lado nenhum. Como diz a música dos Talking Heads, "we are on the road to nowhere".

A demissão de Gaspar é pois o reconhecimento absoluto da derrota da linha austeritária.

Apesar de ser adorado pelos alemães, apesar de ser "credível" aos credores, a verdade é que, como ele próprio reconhece na sua carta de despedida, a sua "credibilidade" foi destruída pela realidade dos resultados económicos. Despede-se com um deficit trimestral de 10,6 por cento, uma enormidade depois de tanta austeridade inútil.

Gaspar é uma vítima de si próprio e dos seus famosos amigos e mentores, da sua estratégia austeritária, da sua "blitzkrieg" financeira, da sua Quimioterapia Fiscal. A "revolução austeritária", como se diz que acontece em todas as revoluções, acabou a trucidar e a devorar um dos seus filhos mais amados.

 

 

 

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Quinta-feira, 27.06.13

A luz ao fundo do túnel é um combóio que vem na nossa direção

Nunca, desde que sou gente, soube de tantos a passar um mau bocado.

São amigos, conhecidos, pessoas de quem conhecemos mais uma história dura e sem final feliz.

Homens e mulheres têm cada vez menos dinheiro, os pais andam cada vez mais preocupados com o futuro dos filhos e ninguém sabe o que fazer.

Não me lembro de nada assim. Dizem-me que a seguir à revolução houve um período muito mau. Não havia leite nos supermercados nem nas merceeirias. E quem em 83 também houve fome, bandeiras negras.

Mas, tenho dúvidas que tenha sido tão grave. As pessoas, no passado recente, não tinham dívidas. Tinham contas para pagar, e às vezes faltavam bens essenciais, mas não havia dívidas.

Nem o fisco era tão voraz. Agora, comem-nos por todos os lados. As dívidas permanecem as mesmas, mas há cada vez menos rendimento disponível.

São histórias cada vez mais complicadas, cada vez mais tristes, cada vez mais desmoralizantes.

Mesmo os que têm cursos superiores, que estudaram, que acreditaram, já não estão imunes.

Sim, há um Portugal que continua a passar ao lado deste flagelo, desta doença lenta que vai consumindo tantos. Esse Portugal continua bem, mas é cada vez mais pequeno e não me parece que tenha força para rebocar o país para fora deste lamaçal.

O ministro Vítor Gaspar mostrou-se satisfeito porque a receita do Estado está a crescer. Pudera, não havia ela de crescer quando o IRS que pagamos é 30 por cento mais alto que no ano passado!

A receita dele está a crescer, mas a nossa não pára de descer.

Ou a Europa acorda, ou a luz que alguns já vêm ao fundo do túnel é um combóio a vir na nossa direção... 

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Quinta-feira, 06.06.13

A minha profunda desilusão pessoal com Passos Coelho

Fez esta semana dois anos que Passos Coelho venceu as eleições, e dois anos chegaram para o considerar uma das maiores desilusões da minha vida política.

Conheci Passos Coelho em meados da década de 90. Eu era jornalista, n´O Independente, e a minha tarefa era dedicar-me ao Parlamento. Conversava com deputados de todos os partidos, e guardo boas recordações de muitos deles, entre os quais Passos Coelho.

À data, Marcelo liderava o PSD, Marques Mendes era presidente do Grupo Parlamentar, e tinha em Passos Coelho um fiel e dedicado vice-presidente. Na Assembleia da República, Mendes e Passos formavam uma boa dupla. Eram empenhados, lúcidos, e eram também bem dispostos.

Por várias vezes, almocei e jantei com os dois, e dava-me bem com eles. Reservando a necessária distância, imposta pelos cargos deles e pelo meu trabalho, conseguimos desenvolver uma boa relação, de respeito e estima.

No caso de Passos Coelho, formei desses tempos uma boa opinião. Era preparado, atento, e era também simpático, cordial. Além disso era, tal como Mendes, divertido, e parecia bem com a vida.

Embora os tempos nos tenham afastado, quando Passos Coelho se tornou líder do PSD, acreditei que tinha todas as características para convencer o país das suas ideias, e para chegar a primeiro-ministro de Portugal.

Para mais, o seu discurso até vencer as eleições era acutilante, verdadeiro e parecia confiável. Com o país já farto da arrogância de Sócrates, e com a situação europeia a degradar-se a olhos vistos, Passos emergia como uma solução, e pelo que conhecia dele, era fiável.

Embora me pareça que o PSD foi precipitado a rejeitar o famoso PEC IV, pois trocava um ganho de curto prazo (a derrota de Sócrates) por um sarilho de médio prazo (governar Portugal sujeito a uma resgate da troika), acreditei que Passos Coelho o fazia pelas razões que à época explicou ao país.

É fundamental relembrar isto, pois é essa a fonte da minha desilusão. Passos, até vencer as eleições, sempre defendeu que a "austeridade" era o caminho errado. Mais: prometeu não subir impostos, nem cortar salários, subsídios ou pensões!

A sua posição fundamental era a defesa intransigente de um corte na "despesa do Estado"! O seu discurso era a "reforma do Estado", o "corte nas gorduras", as "reformas estruturais", o ataque aos interesses e ao desperdício do Estado!

Inocente e iludido, como muitos, acreditei nele. Apesar de Portugal já ter vistos dois filmes semelhantes, pois tanto Barroso como Sócrates tinham prometido não subir os impostos e depois fizeram-no; apesar disso, eu acreditei que Passos Coelho seria diferente, que se ia manter fiel às suas promessas e às suas prioridades. 

Quando tomou posse como primeiro-ministro, interpretei o "ir para além da troika" como ambição reformista, e desejo de alterar mais regras e comportamentos no Estado, para além do que já estava combinado com a "troika". Nunca me passou pela cabeça que esse "ir além da troika" fosse o que veio a ser.

Nos meses seguintes, já sentado em São Bento, Passos Coelho deu a maior cambalhota política a que Portugal assistiu e fez tudo ao contrário do que prometera.

Prometera não subir impostos e subiu! Prometera não cortar subsídios e cortou! Prometara não cortar salários e cortou! E prometera cortar a sério na despesa do Estado, reformando-o, e...não cortou, nem o reformou em quase nada.

Ou seja, fez o que prometera não fazer e não fez o que prometera fazer!

Para além disso, e para minha grande surpresa, alinhou a 100 por cento pelas teorias da Sra Merkel, impondo alegremente uma "austeridade violenta", e acreditando com a fé de um fanático que isso ia dar bom resultado.

Para quem o conhecia pessoalmente, como eu conhecia, e para quem criara boas expectativas sobre ele, como eu criara, esta conjugação de faltar à palavra, executar piruetas políticas, revelar fezadas infantis e mostrar puras incompetências, danificaram de forma absoluta a ideia que tinha dele.

Hoje, posso dizer que Passos Coelho me enganou, me desiludiu e considero-o mais um político em que não confio, porque não tem palavra, não tem lucidez e não tem competência para o lugar que ocupa.

Mas, o mais grave não é isso, nem a minha desilusão pessoal é muito relevante para Portugal. O mais grave é que Portugal julgou que, ao livrar-se de Sócrates ia para melhor, e foi para pior.

Passos Coelho colocou Portugal num buraco negro bem mais fundo do que aquele que já existia. A recessão é profundíssima, o desemprego assustador, a dívida colossal.

É verdade que a culpa não é só dele. Merkel, Schauble, Rehn e Gaspar são igualmente responsáveis pela desgraça que assola a Europa e Portugal.

Mas, desses eu nunca esperei grande coisa. Nunca me iludiram e, portanto, nunca me desiludiram.  

publicado por Domingos Amaral às 10:18 | link do post | comentar | ver comentários (20)
Segunda-feira, 29.04.13

Portas e Gaspar: chegou ao fim o casamento de conveniência?

Segundo li no Expresso, o último conselho de ministros, de sexta-feira passada, foi um sarilho de Estado. De um lado, Vítor Gaspar, sempre fiel ao seu fanatismo austeritário; do outro um novo grupo, formado por vários ministros do PSD e encabeçado por Portas.

Rezam as crónicas que este último terá ameaçado demitir-se, se os cortes propostos por Gaspar fossem avante. E, no braço de ferro que aconteceu na reunião, Portas tinha com ele, não só os ministros do CDS, mas também quatro ministros do PSD, porque afinal ainda há gente lúcida naquele partido.

Paulo Macedo, Paula Teixeira da Cruz, Aguiar Branco e Álvaro Santos Pereira, todos defenderam que a austeridade louca com que Gaspar se prepara mais uma vez para brindar o país, é uma tragédia e não trará nada de bom, nem a Portugal, nem ao Governo.

Cortes e mais cortes, nos salários e nas pensões, como propõe o fanático Gaspar, só trarão mais recessão e desemprego, e afundarão na desgraça e na miséria o povo. 

É bom saber que há gente no Governo que tem a noção das coisas, mas parece-me que isso, sendo boa notícia para o país, não augura nada de bom para este Governo.

É que Passos Coelho está ainda demasiado inclinado para apoiar Gaspar. Ambos têm sido paladinos intensos da austeridade "à la Merkel". Quase que se pode dizer que a Alemanha tem em Passos e Gaspar os seus mais fiéis escudeiros.

Quando, por essa Europa fora, se vão multiplicando as vozes que gritam contra a loucura da austeridade, desde Barroso a Schultz, desde a Grécia à Irlanda, desde a França à Itália, é espantoso de ver como só Passos e Gaspar ainda defendem a via germânica.

Cada vez mais isolados, Passos e Gaspar são completamente subservientes perante a Alemanha de Merkel e Schauble, e fazem tudo o que eles defendem ou mandam.

Contudo, são eles que nos governam. Passos é o número 1 e Gaspar o número 2, o restante Governo terá de se submeter às suas vontades, e portanto à visão germânica que postula a continuação de uma austeridade feroz.

Os ministros Macedo, Cruz, Branco e Pereira bem podem espernear e guinchar contra Gaspar, mas não conseguem alterar a sua determinação. Ou se submetem ou são substituídos, essa é que é essa.

Quanto a Paulo Portas, já vimos este filme umas vezes. Se lhe perguntarem se está de acordo, dirá que não está. Se lhe perguntarem se tentou alterar o rumo das coisas, dirá que tentou. Se lhe perguntarem se no final acabou por aprovar tudo, acabou por aprovar tudo.

Por mais murros na mesa que Portas dê, por mais ameaças que faça, já sabemos que, no final, lá acabará por ir a reboque de Passos e Gaspar, e marcará mais umas viagens pelo mundo para promover os nossos azeites, chouriços e produtos afins.

A vida é o que é, e as pessoas são o que são, e não há ainda em Portas a força para traçar uma linha vermelha e dizer: daqui não passam.

Era melhor para Portugal que Portas acabasse com esta farsa de uma vez por todas e esclarecesse o país que, ou Gaspar saía do Governo e as políticas mudavam, ou saía ele.

Porém, não creio que Portas seja capaz de tal acto de coragem histórica. O casamento de conveniência entre este PSD e este CDS, embora já degradado e triste, infelizmente para todos nós, deverá continuar.

Um dia, muita gente se irá arrepender de não ter tido a coragem de dizer não a este desastre que se abateu sobre Portugal. Mas, parece-me que esse dia ainda não será amanhã, data de um novo conselho de ministros onde se afundará, mais uma vez, o país. 

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Sexta-feira, 19.04.13

Então agora há falta de crédito à economia, Dr. Passos?

Passos Coelho está sempre a surpreender-nos. Agora que decidiu ter uma nova postura, toda ela dada ao consenso e ao PS, achou por bem arranjar uns inimigos novos, alguém a quem passar as culpas pela crise.

Depois do Tribunal Constitucional, esta semana foi a vez dos bancos ficarem na mira afinada do primeiro-ministro.

Disse ele que os bancos "têm de dar mais crédito à economia", como se a culpa da recessão fosse dos maldosos dos banqueiros, que agora andam muito agarradinhos ao dinheiro e nada de o emprestarem a ninguém. 

É evidente que a "falta de crédito" na economia é uma consequência da recessão e não uma causa. E, como todos bem sabemos, a causa da recessão ser muito mais profunda do que devia ser é a Quimioterapia Financeira e Fiscal que Gaspar e Passos lançaram sobre o país.

Talvez os conhecimentos rudimentares de economia do primeiro-ministro não cheguem para saber interpretar o que se passou, mas não é muito difícil.

É assim: quando se aumenta brutalmente os impostos, directos e indirectos, e quando se tiram subsídios às pessoas, a torto e a direito, o resultado é uma economia a afocinhar na depressão e uma explosão do desemprego. 

Nessas circunstâncias, ninguém tem dinheiro ou confiança para consumir, e por isso as empresas despedem e não investem. Ora, se as empresa não investem, é evidente que a procura de crédito diminui consideravelmente.

A culpa não é dos bancos, a realidade é que eles não têm ninguém a quem dar crédito, porque ninguém quer investir numa economia neste estado decrépito em que Passos a colocou! 

Além disso, e esta é a suprema ironia moral desta história, fui eu que sonhei ou o problema de Portugal é exactamente o excesso de endividamento? Desde há dois anos que Passos e Gaspar justificam a sua Quimioterapia Financeira e Fiscal precisamente com o excesso de dívidas, seja as do Estado, seja as do sector privado, famílias e empresas. 

Mas então, dois anos depois, de repente, o endividamento já é bom e os bancos deviam promovê-lo mais? É que, caro Passos Coelho, crédito e endividamento são a cara e a coroa da mesma moeda, só muda o ponto de vista!

Não se pode massacrar um país durante dois anos, dizendo que foi o endividamento excessivo que nos conduziu até aqui e depois, quando se percebe que estamos num buraco, desatar a bramar contra os bancos porque eles...não endividam mais as empresas e as pessoas!

Em que é que ficamos, Dr. Passos: o endividamento é bom ou é mau? É que, admito que o senhor não perceba, mas eu não sei como se pode dar mais crédito sem aumentar o endividamento. E olhe que, talvez o senhor se tenha esquecido, mas esse continua muito alto. 

Sabe qual é o endividamento do país, incluindo Estado, pessoas e famílias e empresas? Segundo o Banco de Portugal, esse valor já atinge quase 440% do PIB anual! Sim, leu bem, 440%! E só 126% são do Estado (dívida pública), o restante (314% do PIB) é dívida privada!

Se calhar, Passos acha que 314% do PIB é pouco. Os bancos devem dar mais crédito, diz ele, sem perceber que isso é dizer a todas as empresas e famílias para se "endividarem" e "viverem acima das suas possibilidades"...

É este o supremo o azar de Portugal: temos um primeiro-ministro que percebe ZERO de economia! 

publicado por Domingos Amaral às 12:06 | link do post | comentar
Sábado, 06.04.13

As quatro opções de Passos Coelho

Perante a decisão do Tribunal Constitucional, ontem conhecida e que foi na direção esperada, o primeiro-ministro Passos Coelho tem quatro opções. A saber:

 

1 - Desdramatizar e continuar no mesmo rumo.

É a opção defendida por Eduardo Catroga. O Governo aceita a decisão, embora não esteja de acordo, e procura novas medidas, sobretudo para 2014, para cortar no deficit. Pelo caminho, Passos pode substituir algumas peças do Governo, remodelando um ou dois ministros, mas mantém o rumo da política económica, ou seja, mantém Vítor Gaspar. Esta é a opção preferida pela "troika" e sobretudo pela Alemanha, que não quer mais crises na Europa até Setembro, data das eleições alemãs. Para Portugal, há óbvias vantagens de credibilidade internacional nesta opção, embora internamente seja mais do mesmo: mais impostos em 2014, mais cortes, mais recessão. 

 

2 - Desdramatizar, mas mudar o rumo.

É a estratégia defendida por Marcelo Rebelo de Sousa. O Governo aceita a decisão do TC mas aproveita-a para uma alteração fundamental da sua estratégia política e económica. Muda-se o discurso da austeridade a todo o custo, e passa-se a defender o crescimento económico com medidas que o apoiem. Há uma remodelação profunda do Governo, com a saída de Vítor Gaspar o mais depressa possível, e a chegada de outro ministro das Finanças com ideias menos radicais. Era a melhor solução para Portugal, mas ninguém acredita que Passos a implemente, pois ele olha ainda para Gaspar como se ele fosse um deus na Terra.

 

3 - Dramatizar, demitir, e ir para eleições em AD

É uma estratégia radical, que passaria pelo discurso da impossibilidade de governar nestas condições e pela necessidade de uma nova legitimidade eleitoral. Passos demitia-se e pedia ao Presidente da República para convocar eleições para Junho, e pelo caminho fazia uma coligação pré-eleitoral com o CDS-PP. Essa nova AD apresentava-se a eleições com Gaspar como o seu homem forte das Finanças, e fazia campanha contra tudo e contra todos, contra o PS e contra Sócrates, contra a esquerda e contra o Tribunal Constitucional. É obviamente uma estratégia de alto risco, mas podia funcionar. É provável que, em AD pré-eleitoral, Passos e Portas conseguissem ficar à frente de António José Seguro e do PS. No dia seguinte às eleições, ou a AD tinha maioria absoluta e continuava a governar mas com muito mais força e legitimidade; ou a AD não tinha maioria absoluta e então teria de governar com o PS, que por essa altura já teria outro líder...

 

4 - Dramatizar, demitir e ir para eleições cada um por si

É também uma estratégia radical, com a demissão e convocação de eleições, mas sem uma AD entre Passos e Portas. Neste caso, parece-me que isso seria entregar o ouro ao bandido, ou seja, nesse caso o mais provável é o PS de Seguro ficar à frente do PSD, embora sem maioria absoluta. Seria o fim de Passos, e o PSD teria de encontrar um novo líder que conseguisse ir governar com Seguro e Portas, numa grande coligação a três. É pouco provável que este caminho suicida seja escolhido pelo PSD, mas nunca se sabe...

publicado por Domingos Amaral às 12:51 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Terça-feira, 19.03.13

O PSD e o memorando da troika: a mentira

Nos últimos dias, muitas pessoas próximas do PSD e do Governo têm procurado passar a ideia de que o "memorando da troika" estava mal desenhado desde o princípio (Maio de 2011), e que é por isso que as medidas do Governo estão a falhar, e não por culpa do próprio Governo. Há poucas ideias mais falsas do que esta, e convém que os portugueses não se deixem manipular assim.

Vamos por partes. Em primeiro lugar, quem quiser ler o memorando original que foi assinado entre o Governo de Sócrates e a "troika", em Maio de 2011, pode ir lê-lo, o link está no final deste post. Relembro apenas que o documento teve o apoio expresso não só do PS, mas também do PSD e do CDS.

Se o lerem com atenção, vão verificar que não existem em lado nenhum as quatro medidas mais emblemáticas do Governo de Passos Coelho. Não está lá escrito que é necessária uma sobretaxa no IRS (aplicada no Natal em 2011); nem que é necessário cortar os subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e pensionistas (aplicada em 2012); nem que é necessária uma alteração na TSU (tentada sem sucesso em Setembro de 2012); nem está lá dito que é necessário um "enorme aumento" do IRS (aplicado em 2013).

Ou seja, no memorando original, a estratégia escolhida era muito mais de cortes no lado da despesa, e não de aumentos de impostos ou de cortes salarias ou de subsídios. Foi Vítor Gaspar que, mal se viu ministro das Finanças, decidiu escolher uma via diferente, e optar pelas escolhas que optou. 

Pode mesmo dizer-se que, não fossem as invenções graves de Gaspar, e a sua mudança abrupta de estratégia relativamente ao que estava acordado com a "troika", e certamente a recessão não teria sido tão grave como está a ser.

Vítor Gaspar, bem como um grupo de pessoas em seu redor (António Borges, Carlos Moedas, Braga de Macedo) é que conseguiram impor a sua via ao Governo, convencendo um inábil e pouco preparado Passos Coelho de que o ajustamento na sua versão PSD, ultra-rápida e à bruta, iria resultar muito melhor do que o ajustamento "light" que estava previsto no memorando original. 

O PSD é pois responsável por este ajustamento e pelos seus resultados cruéis, e não pode agora vir dizer que era o memorando que estava mal desenhado. Isso é absolutamente falso. Foi Gaspar quem adulterou o memorando, e seguiu outro caminho. A culpa não é da "troika", a culpa é de Vítor Gaspar e do Governo.

Contudo, não se pense que a culpa é só deles, porque não é. Há muita gente inteligente e poderosa que apoiou de uma forma acéfala e acrítica a estratégia "hard line" de Vítor Gaspar, que falhou rotundamente. Infelizmente, o PSD contou com o apoio expresso de muita luminária, em todos os sectores.

Nem vale a pena falar de António Borges, mas há mais gente. Na banca, Fernando Ulrich foi o grande campeão do apoio ao Governo, chegando a falar em "ditadura do Tribunal Constitucional" (!!!!) e a dizer, com um certo gozo, que o país "aguentava" mais austeridade!

Na sociedade civil, Isabel Jonet também foi uma grande apoiante desta estratégia, e na maior parte da comunicação social escrita, houve muita gente que deve andar agora envergonhada do que escreveu há dois anos! Nem vou falar em Camilo Lourenço, pois esse está para além da salvação possível...

Era bom que toda esta gente levasse a mão à consciência e a sentisse pesada, pois foi com o apoio de muitos deles que chegámos onde chegámos. Mas, é esperar demais. A humildade não é uma característica dos iluminados... 

 

Para ler o memorando original vá a:
(http://www.portugal.gov.pt/media/371372/mou_pt_20110517.pdf).

publicado por Domingos Amaral às 10:42 | link do post | comentar | ver comentários (14)
Sexta-feira, 01.03.13

A culpa é da crise na Europa: o novo lema do Governo

Nos últimos dias, o Governo encontrou uma nova explicação para os nossos azares e más fortunas económicas. A culpa é da Europa, da crise europeia e da recessão europeia. Se não fosse isso, Portugal estava safo, é essa a ideia que o Governo quer transmitir.

A ideia não deixa de ser verdadeira. É evidente que a culpa é da Europa, pois se a Europa - as troikas, a Sra Merkel, e muitos outros - não tivessem imposto enorme austeridade aos países do Sul da Europa, a crise não seria tão grande nem tão profunda. A culpa é pois da Europa.

Contudo, é preciso lembrar duas coisas ao nosso Governo. Em primeiro lugar, e que eu saiba, este Governo sempre apoiou a Europa, nomeadamente a Sra Merkel, e sempre disse que as políticas impostas pela Europa eram as melhores, e eram boas, e não havia alternativas.

Nunca, que eu me lembre, este Governo esteve contra as orientações europeias de austeridade. A culpa é da Europa, sim, mas como este governo sempre apoiou a Europa, e sobretudo a Sra Merkel, a culpa também é dele.

Em segundo lugar, convém lembrar ao Governo que foi ele que escolheu massacrar os portugueses com mais austeridade do que aquela que estava prevista no memorando original, assinado em Maio de 2011.

Foram Passos Coelho e Vítor Gaspar que impuseram as sobretaxas no IRS em 2011, que decidiram cortar nos subsídios aos funcionários públicos e pensionistas em 2012, e que decidiram um "enorme aumento de impostos" para 2013.

Nenhuma destas decisões, profundamente recessivas da economia, estava escrita no memorando original assinado com a troika. Foi este Governo, na ânsia e na pressa de fazer um ajustamento rápido e exemplar, que se excedeu de forma tremenda na dose de austeridade a aplicar ao país, o que nos levou ao desastre em que estamos. É claro que a troika aplaudiu, mas quem decidiu foi o Governo.

Vir agora dizer que a culpa da crise portuguesa é da da crise europeia, é uma enorme e apressada mistificação. A Europa tem culpas e muitas, mas no que toca ao caso específico de Portugal, este Governo tem muito mais culpa do que a Europa. 

publicado por Domingos Amaral às 12:55 | link do post | comentar
 

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