Segunda-feira, 05.05.14

Uma saída limpa mas sem brilho político

A "saída limpa" do programa de assistência é uma vitória política do Governo.

Há seis meses, poucos acreditavam que era possível, mas foi.

É claro que a conjuntura internacional ajudou, mas o Governo fez o seu papel, e geriu bem as expectativas dos mercados financeiros.

E pronto: o "regresso aos mercados", o grande objectivo de Passos Coelho, que ele apregoa desde 2011, está cumprido.

Foi para isto que o Governo trabalhou e tudo fez, mesmo o que fez muito mal.

 

No seu estilo político de "gestão por objectivos", Passos Coelho atingiu o objectivo a que se propôs, mas já todos perceberam que um país não é uma empresa.

Pelo caminho, muita coisa se perdeu, e muita coisa correu mal, e Passos, que colocou o imperativo financeiro à frente de todos os outros, só tardiamente percebeu que os caminhos escolhidos foram, muitas vezes, errados e exagerados.

Só assim se compreende que agora, à pressa, o Governo venha anunciar para 2015 o início da reposição de salários e pensões, como se fosse possível passar uma esponja e apagar o que aconteceu.

 

A verdade é esta: para regressar aos mercados não era preciso austeridade tão violenta como a que foi praticada, sobretudo em 2011 e 2012.

Bastaria este Governo ter subido o IRS muito, como fez em 2013 com bons resultados, e tudo teria sido mais fácil.

Em vez de andar a fazer experimentalismos fanáticos nos cortes nos salários e nas pensões, que pelos vistos vão ser todos repostos, o Governo teria tido muito mais sucesso se tivesse optado por uma estratégia mais "light".

2013 e 2014 são a prova dos nove que é possível ter crescimento económico com o IRS alto, e o déficit do Estado a diminuir, o que é o mais importante.

 

Mas, os caminhos foram outros, e agora Passos percebe que o país, embora lhe reconheça o objetivo atingido, não lhe perdoa as violências austeritárias.

Se o PS tivesse um líder mais forte, as europeias seriam uma verdadeira hecatombe para o Governo, e para a Aliança PSD-CDS.

Porém, como a esquerda permenece dividida e mal liderada, não há onda que eleitoral que varra o "regresso aos mercados".

A coligação poderá pois aguentar mais um ano, e terá algum tempo para recuperar.

Mas, sem qualquer emoção.

Passos, com o seu estilo duro e antipático, sempre a dar más notícias, já saiu do coração dos portugueses e não é dando "borlas" como o dia 17 de Maio que os vai recuperar.

A vitória do "regresso aos mercados" é uma vitória sem brilho político, e dificilmente será uma arma eleitoral poderosa.

É uma "saída limpa", mas politicamente é um tiro de pólvora seca. 

publicado por Domingos Amaral às 11:17 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Quarta-feira, 16.04.14

O estranho "Perdoa-me" de Passos Coelho

Ontem à noite, Passos Coelho deu uma entrevista à SIC onde, entre outras pérolas, se saiu com uma espécie de "Perdoa-me".

A dada altura, o primeiro-ministro disse que "lamenta profundamente" a forma como a austeridade e o ajustamento prejudicou as pessoas.

Só faltou pedir desculpa, ou como antes se dizia no programa da SIC dos anos 90: "perdoa-me".

Sim, parecia um pedido de perdão, um lamento honesto, e por uns segundos quase fiquei tentado a acreditar que ele estava genuinamente arrependido de ter praticado tantas políticas erradas.

Porém, rapidamente perdi as ilusões.

Ao longo da entrevista, Passos Coelho mantém firme a sua crença que é preciso prejudicar ainda mais as pessoas, pois o que ele já fez não é suficiente.

E, com requintes de malvadez, lá vai dizendo que os cortes supostamente transitórios vão ser substituídos por outros, agora permanentes, e que serão isto e aquilo, mais ou menos, ele ainda não sabe bem, não leu os relatórios, mas sim haverá correções, etc, etc.

Ou seja, aquele "perdoa-me" é absolutamente falso.

Engane-se quem acha que Passos Coelho está a fazer isto tudo por causa da "troika". 

Nada disso, ele genuinamente acredita que a única maneira de o Estado gastar menos é cortar pensões, salários, e portanto prejudicar seriamente a vida das pessoas.

Para ele, não há outra forma, e isso é bom.

A questão que fica é: se ele acha que isso é bom, porque é que lamenta o prejuízo das pessoas?

Ele acha que é importante prejudicar as pessoas, porque o Estado lhes está a pagar demais.

Mas, se acha isso, porquê lamentar-se? Quem pensa ele que engana?

Na verdade, Passos Coelho está muito contente com o resultado do ajustamento, e não quer saber dos "danos colaterais" ou mesmo dos "danos primários".

Ele veio para provocar danos às pessoas, não para lhes dar mimos. E gosta de ser assim.

E é por isso que ele é tão popular em certas áreas da direita moral e da direita dos interesses.

publicado por Domingos Amaral às 11:55 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Quinta-feira, 31.10.13

Portas e Passos: alguém percebe alguma coisa do que eles querem?

Nos últimos dias, temos assistido a um verdadeiro espectáculo de comunicação política!

Num dia, Paulo Portas declara, com pompa, que o Estado deve ser reformado!

Os impostos, o IRS, por exemplo, deverá descer, e para isso será nomeada uma comissão, para propor medidas para 2015, se isso for possível, é claro.

A segurança social, deverá ter plafonds, coisas fofinhas onde todos teremos a reforma garantida, e menos contribuições para pagar.

Os funcionários públicos, esses deverão ou ser despedidos, ou então ser aumentados, quando forem génios de qualidade.

A despesa geral do Estado, onde for possível, deverá diminuir, mas a qualidade dos serviços deverá aumentar, com mais investimento.

Por fim, escolas e hospitais e muitos serviços que tenham qualidade, poderão ser privatizados, ou dados em concessão.

Atenção, tudo isto se passará no futuro, num local mítico e fantástico, onde o "milagre económico" que já existe na cabeça do Dr. Pires de Lima nos conduzirá em breve.

Em que ano será esse futuro, perguntam os portugueses?

Bem, ninguém sabe. O Dr. Paulo Portas acredita que será no ano 2%, um ano qualquer daqui para a frente, em que a economia cresça 2%.

Ou seja, o nosso maravilhoso futuro colectivo depende do crescimento económico.

E o crescimento económico depende de quê? Isso o Dr. Paulo Portas não sabe, ou não diz.

Porém, no dia seguinte, o Dr. Passos Coelho apresenta o orçamento, e diz que, no presente, as coisas são diferentes do futuro do Dr. Paulo Portas.

No presente, haverá o oposto do que haverá no El Dorado do futuro.

No presente, alguns impostos sobem, o IRS não mexe, as pensões descem, os salários dos funcionários públicos levam fortes cortes, e não há qualquer plafond fofinho onde assentar as nossas reformas. 

Ah, e no presente, já me esquecia, é possível que muitos dos funcionários públicos que no futuro seriam considerados génios e aumentados pelo Dr. Portas, sejam no presente, ou no próximo ano, despedidos ou convidados a sair pelo Dr. Passos.

É este o país que nós temos, um país onde os economistas que têm dúvidas são "masoquistas", nas palavras do Dr. Cavaco; onde há um "milagre económico" a acontecer à frente dos nossos olhos, nas palavras do Dr. Pires de Lima, e onde o Dr. Portas vive num futuro radioso, e o Dr. Passos obriga milhões a apertar ainda mais o cinto, para que ele não falhe, o que como se sabe, é o mesmo que o país falhar.

A mim, estas coisas lembram-me o que o Obelix sempre comentava: "estes romanos são doidos!"

E depois ainda dizem que era o Eng. Sócrates que andava sempre a confabular e a tentar iludir-nos com as suas verdades...

publicado por Domingos Amaral às 15:18 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Segunda-feira, 20.05.13

Porque é que o FC Porto é campeão e o Benfica não?

Mais uma vez, para grande tristeza dos benfiquistas e alegria dos portistas, o FC Porto foi campeão nacional de futebol. Parabéns pois aos azuis, mas parabéns também ao Benfica, que fez uma excelente temporada.

Aqui há uns meses, publiquei um livro onde defendi que quem paga mais em salários (fixos e prémios) aos jogadores e treinadores, é normalmente campeão. Ou seja, quem paga mais, ganha mais. E, mais uma vez, tive razão.

Embora ainda não se saibam os números definitivos da época, a verdade é que, nos relatórios semestrais de ambos os clubes, lá estava a diferença. Em seis meses, o FC Porto gastou 25,76 milhões de euros em salários e o Benfica gastou 23,55 milhões. Portanto...

A minha previsão é que, no final do ano, os valores serão cerca de 50 milhões para o FC Porto e cerca de 47 milhões para o Benfica, uma pequena mas relevante diferença em despesa salarial.

Para quem não acredita nesta relação muito forte entre a competitividade de uma equipa e a sua despesa salarial, é importante dizer que, nas últimas 12 temporadas a regra verifica-se em 10 casos!

Em 10 dos 12 anos, quem pagou mais foi campeão! E isso também se passou na primeira época de Jorge Jesus no Benfica, em que o Benfica foi campeão porque pagou mais aos seus jogadores e treinadores, tendo gasto 38,2 milhões de euros contra os 35,5 milhões do FC Porto.

É também esta a situação em quase todos os campeonatos da Europa, onde quem paga mais normalmente é campeão. O Benfica tem de perceber isto o mais depressa possível, e contratar ainda melhores jogadores, e pagar-lhes mais, para voltar a ser campeão. 

Porém, é evidente que esta regra não explica tudo. É uma regra necessária, mas não suficiente. Em futebol, quando duas equipas estão no mesmo patamar de qualidade, é nos detalhes que se vence e assim foi mais uma vez.

Alguns "pormaiores" deram o título ao FC Porto. A saber: um empate do Benfica com o Estoril, totalmente inesperado. Um golo aos 92 minutos no Dragão, também ele inesperado. 

Enfim, são detalhes que retiraram ao Benfica 2 pontinhos essenciais. Mas, a verdade é que, num campeonato tão equilibrado, os jogos entre FC Porto e Benfica foram fundamentais, e o FC Porto conseguiu vencer o Benfica no Dragão, mas o Benfica não conseguiu vencer o FC Porto na Luz.

A última vez que fomos campeões, essa vitória aconteceu e talvez só sejamos outra vez campeões quando repetirmos o feito.

De qualquer forma, qualquer pessoa que goste mesmo de futebol deve elogiar e aplaudir ambas as equipas, pelo excelente e emocionante campeonato que disputaram até ao último minuto. Assim sim, assim todos gostamos mais de futebol.

publicado por Domingos Amaral às 11:16 | link do post | comentar | ver comentários (16)
Segunda-feira, 09.07.12

Salários: cortes ou atrasos?

Antigamente não havia cortes salariais ou dos subsídios. Antigamente, havia atrasos salariais, e isto diz muito sobre o quanto mudaram as nossas sociedades. Um atraso era um percalço, um azar, uma contrariedade. É claro que era também um sintoma das dificuldades das empresas, um sinal dos maus tempos económicos, uma realidade que desassossegava quem trabalhava e não recebia. Mas, pelo menos havia nos "salários em atraso" uma qualidade: a sua natureza transitória e passageira. Os salários atrasavam-se mas, mais mês menos mês, acabavam por chegar às pessoas. É claro que, para quem vivesse à pele, a precisar do dinheiro, um atraso produzia enormes sofrimentos. Contudo as pessoas acreditavam que, num futuro próximo, daqui a dois ou três meses, as coisas iam melhorar outra vez, e os salários atrasados iam finalmente chegar. Os "salários em atraso" eram como aqueles amigos que às três da tarde ainda não tinham chegado para o almoço, e já a comida rareava e todos estavam preocupados com o seu paradeiro (isto era antes de existirem telemóveis, claro), mas eles lá acabavam por chegar, com um ar comprometido ou um pouco envergonhado, e a harmonia do mundo recompunha-se. Porém, isso acabou. Agora, não há "salários em atraso", agora há cortes salariais. De um dia para o outro zás, desaparece quinze por cento, ou desaparecem os subsídios, e o pior de tudo é a sensação de que o corte é para sempre, definitivo, e aqueles euros nunca mais irão regressar à nossa vida. É uma situação bem mais dura do que os atrasos porque tem uma promessa de um futuro pior. Deixa de haver esperança numa melhoria e assim é como ter a certeza que os amigos nunca vão chegar ao nosso almoço. O mundo ficou bem mais desagradável com os cortes.     

publicado por Domingos Amaral às 17:48 | link do post | comentar
 

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