Quinta-feira, 05.06.14

A conspiração geral contra António Costa

A decisão de António Costa se candidatar á liderança do PS foi o verdadeiro terramoto eleitoral da semana.

De repente, o pânico instalou-se em quase todos os partidos, à esquerda ou à direita.

Primeiro, instalou-se na cúpula do PS.

Seguro ficou totalmente siderado.

Julgava ele que, depois de uma média vitória nas autárquicas e de uma minúscula vitória nas europeias, o seu caminho estava aberto para chegar a S. Bento.

Pode mesmo dizer-se que Seguro, no domingo às oito da noite, já via a luz no fundo do túnel.

Porém, como uma vez disse um escritor americano, temos de ter cuidado com a luz que se vê ao fundo do túnel, pois pode ser um combóio a vir na nossa direção.

Foi o que se passou com o pobre do Seguro: já via a luz ao fundo do túnel, e de repente essa luz é o combóio de António Costa a vir contra ele!

 

Mas, o pânico também se instalou na cúpula dos partidos de centro-direita, PSD e CDS.

No domingo, era indisfarçável o contentamento.

A maior derrota de sempre do centro-direita ficara muito saborosa pois o PS só tivera 31 por cento!

E, como revelava uma sondagem da TVI, isso queria dizer que a derrota nas legislativas não era certa, contra Seguro ainda se podia vencer.

António Costa estragou este cenário idílico, esta fantasia tonta que se apossara de Passos e de Portas.

De repente, o perigo surgiu, fortíssimo.

Ao contrário de Seguro, Costa podia dar cabo de Passos e Portas, era um adversário perigosíssimo!

Em pânico, Passos e Portas desataram a dramatizar, criando mais uma crise constitucional.

A ideia, óbvia, é convencer Cavaco que há mau funcionamento das instituições em Portugal, pois o TC não deixa o Governo governar, e por isso é necessário irmos já para eleições.

 

Ao mesmo tempo que isto se passava, mais duas coisas aconteceram.

Primeiro, Seguro inventou um esquema demorado para a eleição de um novo líder do PS, saindo-se com a ideia das primárias.

De caminho, ia dizendo a Cavaco que o melhor mesmo era pedir eleições antecipadas.

Em segundo lugar, o PCP de Jerónimo, contente com os resultados das europeias, dizia também que queria eleições antecipadas.

No espaço de apenas uma semana, a decisão de António Costa se candidatar à direção do PS produziu estes curiosos efeitos.

Tanto Seguro, como Jerónimo, como Passos e Portas, querem eleições antecipadas.

Todos eles, sem excepção, desejam eleições antes que Costa tome conta do PS, pois todos eles temem perder votos com Costa a liderar o PS.

Há uma evidente aliança objetiva entre o centro-direita que nos governa, os comunistas e Seguro, para evitar que Costa vença o PS.

O terror de Seguro (perder o PS para Costa), o terror de Jerónimo (perder votos para Costa), e o terror de Passos e Portas (perder as eleições legislativas para Costa), têm todos o mesmo fundamento e motivo.

É essa a conspiração contra Costa, todos o querem parar e depressa.

 

A minha única dúvida é Cavaco Silva.

Quererá o presidente acelerar o calendário político, marcando eleições antecipadas por exemplo para Setembro, contribuindo assim para impedir que Costa tome conta do PS até lá, por falta de tempo?

Não faço ideia do que vai na cabeça do presidente da República, mas será grave a existência de uma crise política prematura, cujo único objectivo é afastar um homem do cargo de primeiro-ministro.

É que, no meio de todos estes jogos políticos, temos de pensar em Portugal.

Quem é que a maioria dos portugueses preferem para primeiro-ministro, Costa ou Seguro?

Em quem têm mais confiança para governar o país?

É que a visão de um país onde o PCP cresce muito, o PSD e o CDS estão abaixo de 30 por cento, e o primeiro-ministro e líder de um PS que só vale 31 por cento é António José Seguro, é uma visão aterradora.

Cavaco devia refletir sobre que país vamos ter se ele marcar já eleições antecipadas...

publicado por Domingos Amaral às 11:39 | link do post | comentar | ver comentários (3)
Segunda-feira, 05.05.14

Uma saída limpa mas sem brilho político

A "saída limpa" do programa de assistência é uma vitória política do Governo.

Há seis meses, poucos acreditavam que era possível, mas foi.

É claro que a conjuntura internacional ajudou, mas o Governo fez o seu papel, e geriu bem as expectativas dos mercados financeiros.

E pronto: o "regresso aos mercados", o grande objectivo de Passos Coelho, que ele apregoa desde 2011, está cumprido.

Foi para isto que o Governo trabalhou e tudo fez, mesmo o que fez muito mal.

 

No seu estilo político de "gestão por objectivos", Passos Coelho atingiu o objectivo a que se propôs, mas já todos perceberam que um país não é uma empresa.

Pelo caminho, muita coisa se perdeu, e muita coisa correu mal, e Passos, que colocou o imperativo financeiro à frente de todos os outros, só tardiamente percebeu que os caminhos escolhidos foram, muitas vezes, errados e exagerados.

Só assim se compreende que agora, à pressa, o Governo venha anunciar para 2015 o início da reposição de salários e pensões, como se fosse possível passar uma esponja e apagar o que aconteceu.

 

A verdade é esta: para regressar aos mercados não era preciso austeridade tão violenta como a que foi praticada, sobretudo em 2011 e 2012.

Bastaria este Governo ter subido o IRS muito, como fez em 2013 com bons resultados, e tudo teria sido mais fácil.

Em vez de andar a fazer experimentalismos fanáticos nos cortes nos salários e nas pensões, que pelos vistos vão ser todos repostos, o Governo teria tido muito mais sucesso se tivesse optado por uma estratégia mais "light".

2013 e 2014 são a prova dos nove que é possível ter crescimento económico com o IRS alto, e o déficit do Estado a diminuir, o que é o mais importante.

 

Mas, os caminhos foram outros, e agora Passos percebe que o país, embora lhe reconheça o objetivo atingido, não lhe perdoa as violências austeritárias.

Se o PS tivesse um líder mais forte, as europeias seriam uma verdadeira hecatombe para o Governo, e para a Aliança PSD-CDS.

Porém, como a esquerda permenece dividida e mal liderada, não há onda que eleitoral que varra o "regresso aos mercados".

A coligação poderá pois aguentar mais um ano, e terá algum tempo para recuperar.

Mas, sem qualquer emoção.

Passos, com o seu estilo duro e antipático, sempre a dar más notícias, já saiu do coração dos portugueses e não é dando "borlas" como o dia 17 de Maio que os vai recuperar.

A vitória do "regresso aos mercados" é uma vitória sem brilho político, e dificilmente será uma arma eleitoral poderosa.

É uma "saída limpa", mas politicamente é um tiro de pólvora seca. 

publicado por Domingos Amaral às 11:17 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Segunda-feira, 24.02.14

PSD: um Congresso com uma "saída limpa", ou mesmo "limpíssima"!

Este fim de semana, parecia que estava a viver num país diferente, onde não havia qualquer crise, qualquer drama social, qualquer problema económico.

O Congresso do PSD, que decorreu em Lisboa, mostrou um partido feliz, harmonioso, cheio de concórdia e motivação.

Bastaram umas estatísticas simpáticas, uns pontinhos positivos disto ou daquilo, e toda a psicologia do partido mudou, e já se sente a euforia a chegar.

Ouvem-se os discursos e sente-se no PSD uma espécie de triunfalismo realista.

Por um lado, há uma convicção profunda, um orgulho tremendo, devido ao facto da economia ter saído do buraco.

Há uma esfusiante sensação com a previsão, quase certa, de que Portugal terá a tão esperada "saída limpa" do programa de resgate.

Não há laranjinha que não esprema a sua genuína felicidade e alegria, olhando para nós com um ar feérico, os seus olhos perguntando: "estão a ver como conseguimos?"

Porém, para que isto não se torne demasiado óbvio, lá aparece sempre o PSD super-realista, a falar nas desgraças, no sofrimento das pessoas, no "preço alto" que pagámos.

É o tempêro do triunfalismo, uma espécie de pimenta ou piri-piri que eles colocam a si próprios na língua, para não embandeirar em arco. 

Passos Coelho, por exemplo, é uma verdadeira praga de pimenta negra, que nem sequer foi moída.

É cada bola de pimenta a explodir na boca, que até doi.

Mas, mal passa essa sensação desagradável, lá regressa o triunfalismo, a alegria, a fantástica sensação de vitória que se apodera do colectivo e o faz viver numa concórdia inesperada e jovial, onde se juntam todos, de Marcelo a Santana, de Marques Mendes a Relvas.

O país pode ainda não ter percebido que isto virou, mas o PSD já percebeu, e até Maio ainda há tempo de sobra para estraçalhar o Seguro.

Cuidado com os laranjinhas, estão imparáveis!

O país pode vir a ter uma "saída limpa", mas para já o que sabemos é que o PSD teve um Congresso com uma saída limpíssima!

publicado por Domingos Amaral às 10:59 | link do post | comentar
Segunda-feira, 20.01.14

A dança entre Passos e Seguro

Há um ano que já vemos isto, esta permanente dança cheia de equívocos e sugestões subtis, entre Passos e Seguro.

Uns dias Passos diz que não precisa do PS, por exemplo para um "programa cautelar", o que logo leva o PS a reagir de forma ofendida.

Noutros dias vemos Passos a namoriscar o PS, dizendo-o essencial para o "consenso nacional", o que leva o PS a fazer-se caro, dizendo que não está disponível para suportar a política do Governo.

Noutros dias a iniciativa pertence ao PS, que desafia o Governo a isto ou aquilo, o que leva o Governo a fazer-se difícil, dizendo que não pode ceder, pois a troika não deixa. 

E noutras ocasiões vemos o PS a atacar o Governo, o que leva este a fazer um discurso de gente séria e responsável, declarando que o país não se compadece com durezas e irredutibilidades, e é preciso responsabilidade.

Portanto, vamos assistindo a esta dança que nunca termina, mas também nunca acelera o ritmo, num conflito de baixo nível de intensidade, que já ninguém entende bem, e que se duvida ser salutar para as duas lideranças e os dois partidos.

A política precisa destes rituais permanentes de ataque, defesa, aproximação e distância, crítica e aplauso, namoro e ruptura, mas se no final do dia, ou ao final de meses, nada se alterou de relevante, o que é que isto é a não ser apenas um espectáculo sem consequências?

Passos e Seguro deviam refletir se valerá a pena viver neste saltitar de pequenas discórdias, neste ziguezague de tácticas, zangas ou amuos curtos. 

 

publicado por Domingos Amaral às 12:46 | link do post | comentar
Segunda-feira, 13.01.14

Vem aí uma nova Aliança Democrática (AD) e cuidado com ela!

No Congresso do CDS-PP duas coisas foram evidentes.

A primeira é que Paulo Portas não conseguiu explicar a sua demissão "irrevogável" em Julho, e perdeu uma boa oportunidade para esquecer o assunto.

A segunda é que está em processo acelerado de gestação uma nova Aliança Democrática, uma coligação eleitoral entre o PSD e o CDS-PP.

Faz aliás todo o sentido, politico e aritmético.

 

Politicamente, se este Governo conseguir terminar o programa de assistência com sucesso, como tudo leva a crer que conseguirá, isso será uma vitória política muito grande para a coligação que governa o país.

A vitória será enorme se existir uma "saída limpa", à irlandesa, sem necessidade de programa cautelar, o que é cada vez mais provável, pois os mercados financeiros estão num momento muito bom e isso ajuda muito.

Mas, mesmo que seja necessário um programa cautelar de um ano, será uma vitória, pois as condições deverão ser bem mais suaves dos que as actuais.

 

Com eleições europeias à porta, ir em coligação impede que a insatisfação, que ainda existe, seja destrutiva, minorando as perdas do conjunto.

Além disso, é uma preparação para as eleições de 2015, sendo as europeias uma espécie de "volta de aquecimento".

E, em 2015, a união eleitoral de PSD e CDS-PP terá como trunfos benefícios mais claros para os portugueses, podendo criar-se uma forte movimentação de suporte dessa AD que permita aos dois partidos atingir uma maioria absoluta.

O método de Hondt também ajudará, e será mais fácil a uma coligação vencer um PS que terá, nessa altura, bem menos argumentos do que os que tem agora.

 

Contudo, as maiores resistências a uma nova AD virão certamente do PSD.

No partido laranja, há muitos que não perdoam a Portas a crise de Julho, e que acreditam que Passos tem neste momento um lastro bem mais forte.

Haverá certamente a tentação de "deixar cair" Portas, estigmatizando-o como "irresponsável", e procurando que o PSD, sozinho e liderado por Passos, possa repetir maiorias absolutas solitárias, como conseguiu com Cavaco Silva.

Será, é óbvio, uma aposta com risco mais elevado, porque é mais difícil ter a maioria absoluta sozinho do que em coligação, mas por vezes o risco compensa.

 

O ano de 2014 vai ser essencial para ver qual destas correntes vencerá.

PSD e CDS-PP tiveram enormes dificuldades para gerir a crise, mas agora que o sucesso está à porta, o maior perigo vai ser a gestão das ambições de ambos.  

publicado por Domingos Amaral às 11:03 | link do post | comentar
Segunda-feira, 09.12.13

O tempo de Rui Rio ainda não chegou

Há um certo sebastianismo à volta da Rui Rio que me incomoda.

Dá a sensação que, se de repente o PSD mudasse de líder, tudo em Portugal mudaria, como se todo o mal do país fosse ter Passos Coelho como primeiro-ministro.

Nesse mal estar, cresce a popularidade de Rui Rio, como se ele fosse um desejado, capaz de tudo mudar e de governar muito melhor o país.

No entanto, não se percebe bem porque é que existe esta mitologia à volta de Rio.

Sim, foi um bom presidente da câmara do Porto, e talvez tenha mais sensibilidade social do que Passos, que provou ser demasiado liberal.

Contudo, isso não chega, nem para governar o país, nem sequer para vencer Passos no partido.

Os portugueses têm de meter na cabeça que a grande maioria das suas políticas não são determinadas por eles, mas sim por Bruxelas, ou pela "troika".

A direção geral que Portugal está obrigado a seguir, é uma direção decidida na Europa, independentemente de quem seja o primeiro-ministro da nação.

Já foi assim com Sócrates, entre 2008 e 2011, e é assim com Passos, desde meados de 2011 até hoje.

O que faria Rio, ou qualquer outro, de diferente?

Por outro lado, se Passos conseguir sair do programa de assistência directo para os mercados, hipótese possível, terá vencido politicamente em toda a linha.

Porquê então mudar?  

Mas, mesmo que as coisas não corram assim tão bem, e tenhamos de ir para um programa cautelar, porque haveria o PSD de mudar de líder?

O que poderia Rio fazer diferente que Passos não faça? 

O PSD e o CDS têm maioria na Assembleia, o presidente Cavaco não quer causar distúrbios, onde haverá espaço para Rio aparecer?

É evidente para todos sabemos que este Governo cometeu muitos erros, em muitas questões diferentes, e que há muito mal estar no país.

Mas, o que faria Rio de diferente?

Falar é fácil, manter uma aura de salvador da Pátria também, mas na realidade as coisas são muito mais complicadas, e não se vê ainda uma boa razão para Rio ser melhor que Passos.

A não ser que, daqui até Junho, aconteça um cataclismo, o tempo de Rui Rio ainda não é este.

Mais vale andar por aí do que ir à luta para perder... 

publicado por Domingos Amaral às 13:28 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Quarta-feira, 16.10.13

Desta vez, Portas e Passos estão nisto juntos, e enterrados até ao pescoço!

Desta vez, com o Orçamento para 2014, não há divisões na coligação.

Não há PSD para um lado, e CDS para o outro.

Desta vez, não há linhas "vermelhas", ou "se me perguntarem se eu concordei eu digo que não concordei".

Desta vez, não há Vítor Gaspar acima de Portas, como número 2 do Governo, uma coisa humilhante que causava mal estar.

Desta vez, não há nada disso.

Com a remodelação, Portas passou a número 2 e a todo poderoso da economia, e até negoceia com a troika.

E Pires de Lima, que fora do Governo era um crítico, dentro é apenas mais um dos seguidores.

Desta vez, Portas e Passos são uma entidade única, há um Governo unido, para o bem e para o mal. 

A margem de liberdade, ambígua mas inteligente, que Portas adquirira ao longo de dois anos, esfumou-se.

Portanto, o que devemos concluir é que este orçamento de 2014 é o primeiro em que há uma genuína união entre PSD e CDS, e que ambos o apoiam sem qualquer reserva.

E isso é que é estranho, pois este pode vir a ser o mais duro orçamento deste Governo.

Além disso, é um orçamento que demonstra, mais do que qualquer outro até agora, que o Governo não só não aprendeu com os erros, como entre a crença e a eficácia, escolhe sempre a crença.

Em primeiro lugar, o Governo devia aprender com os erros, económicos e constitucionais.

Em 2012, houve cortes profundos na despesa, quebra de salários e retirada de subsídios aos funcionários públicos.

Qual foi o resultado? Uma recessão muito profunda, muito desemprego, e muita perda de receita fiscal.

Além disso, o Tribunal Constitucional vetou a repetição dessas medidas em 2013.

Assim, o Governo mudou a estratégia, e para 2013 aumentou os impostos, sobretudo o IRS.

O que se verificou? A recessão foi bem menos grave que em 2012, e há claros "sinais positivos" de recuperação.

O que é que as pessoas inteligentes deviam deduzir destes resultados? Que a economia se adapta melhor à subida de impostos do que ao corte na despesa!

É essa a lição dos últimos 2 anos: cortar na despesa causa mais recessão do que subir os impostos!

E, ainda por cima, subir os impostos tem a vantagem de não ser uma estratégia inconstitucional!

Mas, aprendeu o Governo essa lição?

Nada disso. Para 2014 o Governo vai voltar a apostar num violentíssimo corte de despesa, repetindo o erro de 2012.

E, também no plano constitucional, faz novo braço de ferro com o TC, que já no passado por várias vezes avisou que os cortes salariais deviam ser transitórios...

Porque é que o Governo faz isto? Porque é que não aprende com os erros?

A única explicação para a persistência nesta estratégia de "corte brutal na despesa" não pode ser a "troika", pois a "troika" já permitiu várias soluções diferentes, desde 2011 até agora.

O que a "troika" impõe são as metas, não os caminhos para lá se chegar, esses foram variando, ano após ano.

A explicação é outra: é uma questão de crença fortíssima, quase de fé.

Há uma crença profunda entranhada no centro-direita português, tanto no PSD como no CDS.

Para a maioria das pessoas de direita, há uma trindade dogmática de crenças:

1- O peso do Estado tem de ser diminuído

2- Cortar na despesa é essencial

3- Qualquer subida de impostos é terrível.

Quando se acredita nisto como quem acredita na Santíssima Trindade, em Deus Pai, Filho e Espírito Santo, as pessoas perdem alguma lucidez para ver a realidade que está à frente dos seus olhos.

O centro direita português quer transformar essa crença em realidade, sem ter percebido uma coisa essencial, que há muitas décadas muitos economistas perceberam: quando se está numa recessão, o comportamento das pessoas é diferente, e as soluções não funcionam da mesma maneira.

A "economia da recessão" é diferente da "economia da expansão" ou da "economia da estabilidade".

Soluções que funcionam num momento, são desastrosas noutro momento.

Por isso, as pessoas deviam deixar as suas crenças de lado, e tentar a melhor solução.

A economia não é uma questão de fé, mas sim de eficácia.

Portanto, se tudo falhar, como pode falhar, Portas e Passos desta vez vão morrer juntos, atrelados à sua crença quase religiosa que este é o único caminho.

Não é, mas tal como na religião, também na economia o fanatismo das crenças costuma cegar as pessoas.

publicado por Domingos Amaral às 12:37 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Segunda-feira, 30.09.13

A vitória das esquerdas e a armadilha de Passos Coelho

Ontem, aconteceu o que muitos esperavam. As esquerdas voltaram a crescer, o PSD foi derrotado fortemente, e o CDS aguentou-se bem.

As esquerdas, do PS e da CDU, são quem pode cantar vitória, e pelos vistos a Grândola que se foi ouvindo no último ano, um pouco por todo o país, era um indicador que a CDU estava a renascer.

Se há alguém que pode cantar vitória, são os comunistas, ganharam muitas câmaras e ganharam bem, embora em Lisboa tenham descido.

Também o PS e Seguro são vencedores, muitas câmaras ganhas, maior partido autárquico, essas coisas.

O CDS aguentou-se, fez o "penta" de câmaras, e quem esperava ver Portas como um derrotado, enganou-se redondamente.

A tal crise "Portas", que tanta gente dizia que o iria penalizar, não passou de um mito.

Portas resiste, e até vence no Porto. 

Quanto ao PSD, só não foi uma hecatombe pior porque o PS perdeu câmaras para a CDU, caso contrário teria sido uma catástrofe para Passos.

No entanto, ele é cada vez mais um líder preso nas próprias armadilhas que criou, para si e para o país. 

Há pouco mais de dois anos, Passos vencera as eleições, derrotando Sócrates, e vinha cheio de confiança que ia construir um país novo, liberal e eficiente.

Disse, com convição, que iria para além da "troika", no seu programa de Governo.

Pelos vistos, a cegueira era total.

Passos nunca chegou a perceber o sarilho em se meteu, pois governar nestas condições seria sempre terrível, uma vez que o país iria ser obrigado a brutais sacrifícios por uma Europa de fanáticos da austeridade.

Dois anos e alguns meses depois, o resultado está à vista.

Passos gerou uma brutal crise económica, com um desemprego altíssimo e uma recessão fortísissima, os alimentos para o crescimento das esquerdas e sobretudo da CDU.

Além disso, alienou durante dois anos o PS, ignorando-o e hostilizando-o.

Pelos vistos, quem ganhou com isso foi Seguro, que todos subestimavam, mas está cada vez mais líder do PS.

No meio desta trapalhada toda, Passos desprezou também o CDS de Portas, não o ouvindo, não o amansando, o que levou Portas a deitar a toalha ao chão em Julho.

Os bem pensantes quiseram dar cabo dele, mas o que diz o povo? Portas cresce, é o que diz o povo, ouviram?

Portanto, temos hoje um primeiro-ministro cada vez mais pequenino e frágil.

Passos está na armadilha que criou a si próprio. 

A sua estratégia política, de afrontamento permanente, falhou; e a sua estratégia financeira de austeridade, também falhou.

Resta apenas saber se o falhanço será brutal, com a necessidade de um segundo resgate, ou será menos mau, com o tal programa cautelar.

Isto tinha se ser assim, não havia outro caminho a não ser a austeridade e o afrontamento?

Claro que havia, mas Passos quis ser "liberal" e "firme", e acabou assim, cada vez mais frágil, cada vez mais pequeno, cada vez mais solitário.

E o país, como se safa desta?

Ninguém tem certezas. Ainda há uma pequena margem para evitar o segundo resgate, mas ontem ficou ainda mais estreita.

Como sempre aqui escrevi, a brutal austeridade iria colocar o país numa terrível armadilha, a armadilha da dívida, donde não se consegue sair, e onde há crises e ranger de dentes permanentes.

Esta crise é mais uma, e mais haverão nos próximos tempos...

publicado por Domingos Amaral às 10:32 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Quarta-feira, 18.09.13

O PSD ataca finalmente o FMI!

E, de repente, o partido que sempre disse que iria "além da troika", nas reformas e nas políticas, desata a atacar o FMI!

É verdade: o PSD, em palavras ditas pelo seu porta-voz e vice-presidente, Marco António Costa, defendeu que é preciso "combater a hipocrisia institucional do FMI, que faz proclamações muito piedosas, mas depois revela uma atitude inflexível nas negociações"!

Traduzindo por miúdos, para que todos entendam: o PSD acha que é lamentável e hipócrita o FMI publicar relatórios e documentos onde constata que "as políticas de austeridade foram um erro"; e que "é preciso ir mais devagar no corte nas despesas"; e depois, quando vem a Portugal, como membro da "troika", obriga a medidas cada vez mais duras e não mostra um pingo de flexibilidade nas metas do deficit.

Há aqui várias coisas importantes para notar.

A primeira é que o PSD, partido que sustenta o Governo, foi o grande defensor da necessidade da "troika" vir para Portugal.

Antes das eleições, muitos no PSD exigiam o "resgate internacional" e a "vinda do FMI", julgando eles que o resgate seria um poço de virtudes.

Por calculismo político, para derrotar Sócrates; e por crença ideológica na "diminuição do Estado", o PSD tornou-se o grande aliado da "troika" e do FMI.

Disse mesmo que "iria para além da troika", o que se revelou verdadeiro e ao mesmo tempo desastroso.

Em segundo lugar, é preciso relembrar que, ao longo de quase três anos, o PSD e o Governo nunca defenderam mais "flexibilidade", e Passos chegou mesmo a dizer, orgulhosamente, que Portugal não precisava nem de "mais tempo", nem de mais "dinheiro".

No entanto, os resultados da austeridade foram terríveis, e os vários países a quem foi aplicada a receita das "troikas" afocinharam em recessões muito mais duras do que se previa.

Aos poucos, Europa fora, todos foram percebendo que esta fórmula não estava a dar resultados, mas ninguém quis dizer isso muito alto, para não perder a face.

Honra lhe seja feita, o FMI foi até agora a única instituição que, em vários documentos e relatórios, já reconheceu os graves erros das políticas de austeridade, seja na Grécia, seja em outros países como Portugal.

Contudo, amarrado que está ao BCE e à Comissão Europeia, nas "troikas", e com muito dinheiro enterrado nesses países, o FMI não irá facilitar muito até ao final deste programa de resgate.

É evidente que há uma certa hipocrisia em dizer que se está a fazer mal, e contudo continuar a fazê-lo.

Mas, não haverá maior hipocrisia ainda no PSD, que sempre quis ir além "da troika" e agora se queixa dela?

Este partido, cujo líder é primeiro-ministro há mais de dois anos, e que implementou com convicção todas as medidas, agora vem dizer que é preciso a "troika" mostrar "flexibilidade"?

A verdade é que o PSD está preso no labirinto que criou para si próprio.

Acreditou tanto na troika e na austeridade, que agora que as coisas falharam, tem de arranjar um inimigo novo. 

Dos ataques ao Tribunal Constitucional, por não deixar executar cortes na despesa, passamos aos ataques ao FMI, por não praticar o oposto, deixando a despesa crescer mais! 

Coitado do PSD, está esquizofrénico mas ainda não percebeu. 

publicado por Domingos Amaral às 14:44 | link do post | comentar | ver comentários (6)
Quinta-feira, 11.07.13

O Presidente Cavaco e a "armadilha da dívida"

Cavaco, ontem à noite, tentou acabar com o recreio.

O que ele vem dizer é que as lideranças partidárias de Passos, Seguro e Portas, andam a perder tempo em irredutibilidades que não contribuem para a estabilidade do país nesta hora difícil.

Colocou a parada alta, mas não demais. 

O que Cavaco pede, na fase 1, é que os partidos partilhem a responsabilidade do estado do país e partilhem também o poder. 

Não será nada fácil de conseguir o "compromisso de salvação nacional" exigido pelo Presidente.

Mas, ninguém pode dizer que é impossível.

Se cada parte ceder um pouco, é possível encontrar uma zona de consenso comum.

Não é impossível manter a credibilidade e ao mesmo tempo aliviar um pouco a austeridade.

Não é impossível cumprir o memorando e ao mesmo tempo promover o crescimento económico.

Não é impossível ser rigoroso e ao mesmo tempo lutar na Europa por soluções mais inteligentes e solidárias.

Nada disto é impossível, embora seja muito difícil de transformar estes princípios gerais numa solução governativa estável e duradoura.

Na verdade, existem apenas duas lideranças que podem sabotar o compromisso pedido pelo Presidente: Passos e Seguro.

Paulo Portas, chefe de um partido menor, será sempre menos importante numa solução a três, e provavelmente não fará ondas.

Mas Passos e Seguro podem torpedear qualquer acordo.

Passos porque, a haver compromisso, o mais certo é ele passar pela sua saída de primeiro-ministro. 

Teoricamente, ele até pode aceitar apoiar um governo no qual não esteja sentado, mas será sempre visto como um derrotado, pois a sua linha de afrontamento geral ao PS, aos parceiros sociais e ao Tribunal Constitucional será abandonada de vez, bem como a maior parte das suas ideias "neo-liberais", que tão fracos resultados deram.

Já quanto a Seguro, o que se lhe pede é uma inversão de rota brusca, pelo menos durante um ano. Até ontem, Seguro sempre pediu eleições, e extremou tanto a exigência que tem pouco espaço para recuar. Não sendo impossível, é-lhe doloroso. 

Só que, se Passos e Seguro não fizerem um esforço de compromisso, pelo menos até Junho de 2014, podem acabar mais cedo do que previam as suas carreiras políticas.

Se os três partidos não se entenderem, o mais certo é Cavaco passar à fase 2, e lançar um governo de iniciativa presidencial.

Nesse caso, nem Passos nem Seguro ganhariam nada. Ficariam com muita responsabilidade pela crise e sem nenhum poder para a aliviar. 

E ficariam anulados, pois qualquer solavanco que criassem levaria Cavaco a apontar-lhes o dedo, responzabilizando-os pelo caos.

Passariam para uma espécie de limbo político, onde não eram poder nem eram oposição, sendo sempre eternamente responsabilizados, o PS porque é o "pai da dívida", o PSD porque é o pai da "austeridade e do desemprego".

Por muito que custe a todos, a solução mais inteligente e serena seria PSD, PS e CDS apoiarem um novo de governo, liderado por alguém em quem Cavaco confie, e que durante um ano faria o possível para diminuir a austeridade interna sem perder a credibilidade externa. 

A política partidária ficaria mais ou menos suspensa durante doze meses, e depois tudo poderia recomeçar a partir de Junho de 2014. 

Embora a questão de fundo não se resolvesse, haveria uma transitória acalmia da hostilidade e da crispação geral em que estamos.

E, entretanto, a Europa podia evoluir. 

O que mais esta crise prova é que a "armadilha da dívida", em que alguns países europeus se encontram, não consegue ser resolvida por eles, individualmente.

Como já se viu na Grécia e em Itália, os sistemas políticos, impedidos de desvalorizar a moeda, não têm solução para a "armadilha da dívida" e por isso as crises se repetem. 

Enquanto a Europa não perceber isso, e não usar o seu tremendo poder para resolver a "armadilha da dívida", países como Portugal, Grécia, Chipre, Itália, Espanha e até a Irlanda, irão viver em sucessivas crises, com o sistema político aos solavancos.

A "armadilha da dívida" colocou estas democracias e os seus políticos numa situação terrível: eles podem sempre piorar as coisas, mas nunca as conseguem melhorar ou vencer em definitivo!

É essa a tragédia da Europa, e de Portugal.

E ainda só vamos a meio do filme.  

publicado por Domingos Amaral às 12:09 | link do post | comentar | ver comentários (5)
 

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