Terça-feira, 24.09.13

Troika, 1 - Portas, 0

Depois das declarações de ontem de Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu, a guerra pela flexibilização do déficit está, para já, perdida.

Portas e Pires de Lima, bem como Cavaco, os parceiros sociais, muitos economistas e toda a oposição, queriam a subida do déficit para 4,5% ou mesmo mais.

Com isso, ganhavam margem, ou para descer o IRC e o IVA ligeiramente, ou para cortar menos nas pensões e nos salários.

A ideia, perfeitamente legítima e compreensível, era dar mais força à recuperação económica e tentar criar emprego, conseguindo subir o PIB, e assim fazer cair o rácio da dívida sobre o PIB.

Porém, pelo caminho agravava-se o déficit um pouco, o que podia dar uma ideia de fraqueza, e agravar a percepção negativa que os mercados têm de Portugal, fazendo subir as taxas de juro da dívida, e provavelmente arriscar um segundo resgate.

Foi assim que Draghi justificou a recusa do BCE em flexibilizar o déficit.

"Podia causar perturbação", ou "mesmo reacções brutais" nos mercados.

Ou seja, e também é importante que se perceba isso, Portugal não pode flexibilizar o déficit não apenas por razões domésticas, mas sobretudo por razões europeias.

Draghi, como muitos, sabe que a situação financeira na zona euro é instável, e qualquer faísca pode reacender o incêndio que ele conseguiu apagar a partir de Setembro do ano passado.

Com instabilidade na Grécia, em Chipre, em Itália, na Eslovénia, na Espanha, na Irlanda e em Portugal, o BCE não se pode dar ao luxo de mostrar "flexibilidade" com o nosso país.

Contudo, essa dureza, a continuação da austeridade, trará problemas adicionais, e a recuperação da economia do país será mais lenta.

Internamente, nesta primeira pequena batalha contra a "troika", Paulo Portas perdeu, pois as suas teses não vingaram.

Resta saber se isso nos conduz para uma melhor ou pior situação.

Mais austeridade é travagem no crescimento, menos emprego, e por isso também menos receitas fiscais.

Sendo o que os credores exigem, não é nada certo que seja a melhor solução para todos, devedores e credores.

Dois anos de austeridade não melhoraram a situação de Portugal, pelo contrário. Mais do mesmo, são mais problemas parecidos, não menos.

Não é assim que se consegue sair da armadilha da dívida em que muitos países europeus estão.

Mas esta é uma luta desigual. De um lado, Merkel, Draghi, os mercados. Do outro, pequenos países que têm pouca força para fazer vingar as suas ideias.

Não devia haver dúvidas sobre para que lado a balança pende... 

publicado por Domingos Amaral às 11:24 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Sexta-feira, 06.09.13

Será que vamos mesmo regressar aos mercados?

Uma das crenças sempre muito promovida nos últimos tempos, foi a ideia de que, se o Governo cortasse na despesa e mostrasse convicção reformista, os juros da dívida pública portuguesa iriam descer.

É evidente que existe uma ligação, mas não é assim tão forte, e não explica a maior parte das subidas ou descidas das taxas.

Veja-se por exemplo o que tem estado a acontecer nas últimas semanas.

Apesar dos resultados económicos portugueses terem melhorado, com algum crescimento no segundo trimestre; apesar da queda, embora ligeira ainda, do desemprego; apesar da melhoria constante das exportações; apesar do excelente ano do turismo; apesar disso tudo, as taxas de juro da dívida pública continuam a subir, e tocam já nos 7%.

Mesmo com um esforço do Governo em mostar "credibilidade", mesmo passados os efeitos da crise política de Julho, que apesar de tudo teve uma resolução de estabilidade e continuidade, os mercados financeiros continuam a exigir juros altos a Portugal.

E, o fenómeno não se dá só connosco.

Também outros paíes sentem essa subida, como a Irlanda ou a Grécia, e até um pouco a Alemanha.

Então o que faz subir as taxas, se não é comportamento dos Governos, o que é?

Os mercados financeiros sabem que, a partir do final do ano, e no próximo, vão ser retiradas as compras de obrigações americanas por parte do FED, e sabem que isso vai diminuir a liquidez geral.

Com menos dinheiro nos mercados financeiros, as taxas começam a subir, seja na América, seja em qualquer lado do mundo.

Sobem nos mercados emergentes, provocando crises cambiais na Índia ou no Brasil; e sobem também na Europa, seja em Portugal, seja na Alemanha.

Uma decisão americana importante, embora apenas anunciada e ainda não praticada, provoca logo estes efeitos todos.

E nem as palavras de Mario Draghi, que promete manter as taxas do BCE baixas o tempo que for preciso, tiveram um efeito calmante.

Na Europa, o BCE não compra dívida pública como o FED faz na América, e só pode mexer nas taxas.

No entanto, elas estão próximo de zero, e a eficácia de mais descidas é quase nula.

Assim, com receios de um futuro menos líquido, as taxas da dívida pública sobem, e Portugal fica na embaraçosa situação de não conseguir emitir mais dívida.

Culpa nossa?

Não, nunca foi só culpa nossa, desde 2009 que estes fenómenos sistémicos são mais fortes que os nacionais.

Mas, quem passou anos a dizer que era mérito de Passos o regresso aos mercados, como se fosse apenas o trabalho do Governo que explicasse a descida das taxas, terá dificuldades agora em explicar porque não podemos emitir.

Aqui, no pátio da nossa paróquia, temos a mania de achar que o que fazemos é que é importante.

Os cortes na despesa, os vetos do Tribunal Constitucional; a demissão de Portas; tudo serviu para se construir uma narrativa "nacional" da subida, ou descida, dos juros, colocando o mérito no Governo e o demérito nos juízes ou no imprevisível Portas.

Contudo, essa narrativa peca por defeituosa.

Os juros da nação sobem mais com as acções do FED do que com os amuos de Portas!

Um veto do TC, por mais impacto que tenha, não vale nada ao pé das palavras de um Bernbanke ou de um Draghi.

Os portugueses vivem numa moeda que não controlam e a sua capacidade para influenciar os juros é diminuta.

Mas, ninguém quer aceitar esta evidência.

Para Passos, se não conseguirmos voltar aos mercados, a culpa será sempre do TC ou de outro português qualquer.  

publicado por Domingos Amaral às 11:36 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Terça-feira, 14.05.13

Europa: vem aí a repressão financeira! (E ainda bem!)

Ao contrário de quase toda a gente, eu não sou contra a medida europeia de obrigar os depositantes com mais de 100 mil euros a participarem no resgate ao seu banco.

Sim, admito que no contexto actual, é uma medida difícil, pois pode abalar ainda mais a confiança no sistema bancário europeu...

O que é que eu acabei de escrever? "Abalar a confiança no sistema bancário europeu"? Peço desculpa por ter escrito tal expressão, é esta mania de repetirmos o que ouvimos, também me assalta a mim.

Na verdade, não há qualquer razão para qualquer pessoa com dois dedos de testa ter confiança no sistema bancário europeu, e não há qualquer razão há muitos anos.

O sistema bancário europeu é um casino de abutres, gananciosos e especuladores, que viveram na mais absoluta e dissoluta libertinagem financeira durante mais de duas décadas, e é por isso que estamos onde estamos.

Nos últimos vinte anos, pelo menos, não deve ter havido banco nenhum na Europa que não fez os mais inenarráveis disparates, que não arriscou tudo o que podia e mais o que não podia, e que não tenha vivido na maior e mais vergonhosa irresponsabilidade.

Os bancos, os americanos mas também os europeus, foram os grandes culpados pela grave crise financeira de 2008, que está na origem da grave crise económica que ainda devasta a Europa.

Foram eles, com as suas "alavancagens diabólicas" e as suas mirabolantes teorias de risco, que geraram um monstro descontrolado, chamado dívida, pública e privada.

E claro, quando a merda finalmente bateu na ventoínha (desculpem o palavrão, mas a expressão ajusta-se bem a esta situação), os bancos caíram todos num buraco negro e levaram governos e economias a reboque. 

Porque devem ser os contribuintes, através da dívida pública, a pagar as dívidas e as loucuras dos bancos? Se um banco privado é mal gerido, porque é que devem ser os meus impostos a salvar o banco da falência?

Só em Portugal, por exemplo, a dívida pública cresceu mais de 14 mil milhões de euros só em empréstimos para "salvar os bancos", seja lá o que isso significa, quando no meio da barafunda se salva tanto o BPN (um caso de polícia), como o BPI (um banco com dificuldades pontuais), o BCP (um banco que foi ambicioso demais) a CGD (um banco político do Bloco Central), ou o Banif (um banco sem qualquer peso real no sistema). 

Portanto, tudo o que se faça para obrigar os accionistas e os credores dos bancos (sim, os depositantes são credores dos bancos) a meterem juízo na cabecinha dos administradores dos bancos, é bem feito.

E tudo o que se faça para evitar que seja o contribuinte a pagar a orgia dos bancos, também é bem feito.

Claro que isto "abala a confiança", mas sinceramente ainda bem. Aquilo que todos hoje devemos ser é "desconfiados" dos bancos. É a principal sequela da crise de 2008, uma saudável e vibrante desconfiança sobre os bancos é muito bem vinda.

É por isso que eu defendo estas medidas de "repressão financeira". Tal como existiu a "Tolerância Zero" nas estradas, devia também existir uma "Tolerância Zero" para os mercados financeiros, com limites de excesso de velocidade do crédito, e coisas assim.

Devia, por exemplo, ser proibido conceder crédito à habitação que fosse mais do que 50% do valor da casa a comprar, devia ser estabelecido um limite máximo para o endividamento das empresas, deviam ser proibidas a maioria das operações de "alavancagem" sem capitais próprios, etc, etc.

E devíamos mesmo ir mais longe. No estado em que a Europa está, deviam ser limitados os movimentos de capitais entre países.

Qual liberdade, qual carapuça! A liberdade total de movimentos de capitais deu no que deu, uma balbúrdia financeira sem rei nem roque. Se houvesse mais limites, talvez os "hedge funds", e os outros sinistros "funds" que por aí existem, tomassem juízo em vez de fazerem disparates.

Liberdade a mais levou-nos à anarquia geral financeira, portanto que venha a "repressão financeira". Eu por mim, assino por baixo.  

publicado por Domingos Amaral às 16:04 | link do post | comentar | ver comentários (5)
Quarta-feira, 08.05.13

Voltar aos mercados é mesmo bom?

O regresso de Portugal aos "mercados", com uma emissão de dívida pública a 10 anos, foi ontem festejado com grande alegria e fanfarra, não só pelo Governo, mas também por vários financeiros da nossa praça. 

É um avanço "espectacular" disseram alguns, e prova que o país está no bom caminho, não só para se safar de vez da "troika", como para iniciar a recuperação financeira.

Mas, será que é mesmo assim? Há três perguntas a que devemos responder perante o que se passou ontem. 

A primeira pergunta é: a dívida pública portuguesa ontem aumentou, ou diminuiu? Resposta: ontem Portugal endividou-se em mais 3 mil milhões de euros.

Ou seja, a nossa divída pública, que rondava os 220 e tal mil milhões de euros, a partir de ontem aproximou-se dos 230 mil milhões de euros. E nem vale a pena falar no deprimente rácio da dívida sobre o PIB, que ontem deu mais um pulito.

É claro que me vão dizer que a nova dívida é para pagar dívida antiga, e é verdade, mas não deixa de ser mais dívida. Para quem quer baixar o endividamento do país...

A segunda pergunta é: e a taxa de juro que vamos pagar a estes credores é boa? Segundo informação oficial, a taxa de juro será de 5,669%, o que não sendo muito alto, também não é baixo. Comparando com o que conseguiríamos com um segundo resgate da "troika", é pior.

Ou seja, Portugal ontem endividou-se perante credores internacionais, e não perante os seus aliados europeus, a uma taxa superior àquela que pagaria por um segundo resgate!

Bem sei que pedir um segundo resgate à Europa seria uma humilhação, mas é um bocado desagradável esta sensação de que, para recuperarmos a nossa honra financeira nos mercados, temos de pagar uma pipa de massa adicional em juros!

Por fim, a terceira pergunta: será que o risco de futuras subidas de taxas de juro aumentou ou diminuiu, com este regresso aos mercados? Não é preciso pensar muito tempo para perceber que o risco aumentou.

Ao abrigo de um resgate da "troika", temos pelo menos a garantia que as taxas de juro não vão disparar até à estratoesfera só porque os mercados entram em pânico catatónico à primeira má notícia! Mas, ao voltar aos "mercados", esse risco volta a existir.

É certo que é menor, a cortesia do Banco Central Europeu fez baixar o risco na zona euro. Mas, quem nos garante que, daqui a uns tempos, as taxas não desatam a subir outra vez, com medo da Eslovénia ou da Itália, ou de outro qualquer problema?

Portanto, e em resumo: ao regressar aos mercados, Portugal aumentou a sua dívida pública em 3 mil milhões de euros, vai pagar uma taxa mais alta, e aumentou o risco de futuros dissabores.

É evidente que este é o preço a pagar por um certo regresso à "normalidade financeira", mas não é fácil de ver em que é que a nossa capacidade para pagar as dívidas aumentou. 

Portugal pode estar a recuperar a "confiança dos mercados", mas será que os mercados são de confiança para nos colocarmos de novo nas mãos deles? 

publicado por Domingos Amaral às 11:28 | link do post | comentar | ver comentários (2)
 

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