A onda e o McNamara

Odeio ondas grandes e ainda odeio mais ondas gigantes. Olho para a onda da Nazaré, que o maldito McNamara surfou, e fico com medo só de olhar. Aquilo parece um princípio de maremoto, um despertar de um tsunami. Sem saber bem porquê, odeio a ideia de que aquilo existe, aqui, tão próximo de nós, na Nazaré.   

Bem, na verdade eu sei porquê, qual a razão deste meu pânico. Tive um acidente aos 13 anos, ao mergulhar numa onda na praia do Guincho, que me provocou uma grave luxação no pescoço, e me obrigou a estar deitado dois meses, e a andar de colarinho durante outros dois, e nunca mais fiz as pazes com as ondas.

Foi um acidente um bocado estúpido, como a maior parte dos acidentes, mas a verdade é que mudou a minha relação com o mar. Até essa data, adorava ondas e ia com os meus amigos lá para fora de pé, e fazia carreirinhas dos diabos, no meio da espuma. Mas, a partir desse golpe na minha confiança, nunca mais fui o mesmo.

Passei a olhar para as ondas de uma maneira diferente, claramente hostil. Passei a achar que elas me podiam fazer mal, magoar, com a sua força imensa, e nunca consegui vencer essa relutância. Nunca fiz surf, nem quando tinha 16, nem aos 40, como muitos amigos meus que começaram a revelar paixões tardias, seja pelo surf seja pela maratona. (Qualquer dia tenho de escrever sobre isso...)

Maneira que, prefiro praia sem ondas, tipo Algarve, Caraíbas, do que praias com ondas. Nem entro na água se aquilo começa a subir demais à minha frente, e isso já me custou algumas humilhações. 

Contudo, e apesar desta inibição, gosto muito de ver surf, em Peniche ou no Amado, na televisão ou ao vivo. É um desporto saudável e barato, e acho que tem feito muito bem à saúde e à cabeça de muita gente, além de ser um desporto onde Portugal tem, claramente, uma vantagem comparativa.

Agora, uma coisa é surf, outra, completamente diferente, é "aquilo"! "Aquilo" não é uma onda, "aquilo" é uma brutalidade, um desequilíbrio perigoso da natureza. Porque é que alguém se lembrou de surfar "aquilo"?

Aliás, até há um ano, quem é que conhecia o canhão da Nazaré? Sim, quem é que já tinha ouvido falar que em Portugal havia ondas da dimensão daquelas? Qual foi a ideia do americano, porque é que ele cá veio para nos mostrar o que nós não queríamos saber que existia?

É evidente que os nossos surfistas são pessoas equilibradas, nunca se meteram com aquelas ondas. Para quê? Ao contrário do que se possa pensar, eu não acho que a "onda gigante" da Nazaré seja muito boa para nós. Quem vir "aquilo", se por acaso até lhe apetecia fazer surf em Portugal, vai pensar duas vezes. É pá, eu ali não me meto! "Aquilo" é para malucos, é melhor irmos ao Hawaii ou à Austrália, que as ondas lá são mais maneirinhas.

O canhão da Nazaré pode valer a capa do Times, mas é assim como o gajo que se atirou de 30 quilómetros em queda livre. Não faz sentido, é apenas um evento para o Guiness. Querem apostar comigo como ninguém mais se vai meter com aquela onda? Tenho a certeza absoluta que não sou só eu que tenho medo dela...

publicado por Domingos Amaral às 18:02 | link do post | comentar