Terça-feira, 14.05.13

Europa: vem aí a repressão financeira! (E ainda bem!)

Ao contrário de quase toda a gente, eu não sou contra a medida europeia de obrigar os depositantes com mais de 100 mil euros a participarem no resgate ao seu banco.

Sim, admito que no contexto actual, é uma medida difícil, pois pode abalar ainda mais a confiança no sistema bancário europeu...

O que é que eu acabei de escrever? "Abalar a confiança no sistema bancário europeu"? Peço desculpa por ter escrito tal expressão, é esta mania de repetirmos o que ouvimos, também me assalta a mim.

Na verdade, não há qualquer razão para qualquer pessoa com dois dedos de testa ter confiança no sistema bancário europeu, e não há qualquer razão há muitos anos.

O sistema bancário europeu é um casino de abutres, gananciosos e especuladores, que viveram na mais absoluta e dissoluta libertinagem financeira durante mais de duas décadas, e é por isso que estamos onde estamos.

Nos últimos vinte anos, pelo menos, não deve ter havido banco nenhum na Europa que não fez os mais inenarráveis disparates, que não arriscou tudo o que podia e mais o que não podia, e que não tenha vivido na maior e mais vergonhosa irresponsabilidade.

Os bancos, os americanos mas também os europeus, foram os grandes culpados pela grave crise financeira de 2008, que está na origem da grave crise económica que ainda devasta a Europa.

Foram eles, com as suas "alavancagens diabólicas" e as suas mirabolantes teorias de risco, que geraram um monstro descontrolado, chamado dívida, pública e privada.

E claro, quando a merda finalmente bateu na ventoínha (desculpem o palavrão, mas a expressão ajusta-se bem a esta situação), os bancos caíram todos num buraco negro e levaram governos e economias a reboque. 

Porque devem ser os contribuintes, através da dívida pública, a pagar as dívidas e as loucuras dos bancos? Se um banco privado é mal gerido, porque é que devem ser os meus impostos a salvar o banco da falência?

Só em Portugal, por exemplo, a dívida pública cresceu mais de 14 mil milhões de euros só em empréstimos para "salvar os bancos", seja lá o que isso significa, quando no meio da barafunda se salva tanto o BPN (um caso de polícia), como o BPI (um banco com dificuldades pontuais), o BCP (um banco que foi ambicioso demais) a CGD (um banco político do Bloco Central), ou o Banif (um banco sem qualquer peso real no sistema). 

Portanto, tudo o que se faça para obrigar os accionistas e os credores dos bancos (sim, os depositantes são credores dos bancos) a meterem juízo na cabecinha dos administradores dos bancos, é bem feito.

E tudo o que se faça para evitar que seja o contribuinte a pagar a orgia dos bancos, também é bem feito.

Claro que isto "abala a confiança", mas sinceramente ainda bem. Aquilo que todos hoje devemos ser é "desconfiados" dos bancos. É a principal sequela da crise de 2008, uma saudável e vibrante desconfiança sobre os bancos é muito bem vinda.

É por isso que eu defendo estas medidas de "repressão financeira". Tal como existiu a "Tolerância Zero" nas estradas, devia também existir uma "Tolerância Zero" para os mercados financeiros, com limites de excesso de velocidade do crédito, e coisas assim.

Devia, por exemplo, ser proibido conceder crédito à habitação que fosse mais do que 50% do valor da casa a comprar, devia ser estabelecido um limite máximo para o endividamento das empresas, deviam ser proibidas a maioria das operações de "alavancagem" sem capitais próprios, etc, etc.

E devíamos mesmo ir mais longe. No estado em que a Europa está, deviam ser limitados os movimentos de capitais entre países.

Qual liberdade, qual carapuça! A liberdade total de movimentos de capitais deu no que deu, uma balbúrdia financeira sem rei nem roque. Se houvesse mais limites, talvez os "hedge funds", e os outros sinistros "funds" que por aí existem, tomassem juízo em vez de fazerem disparates.

Liberdade a mais levou-nos à anarquia geral financeira, portanto que venha a "repressão financeira". Eu por mim, assino por baixo.  

publicado por Domingos Amaral às 16:04 | link do post | comentar | ver comentários (5)
Terça-feira, 19.02.13

Em Portugal, os fiscais das Finanças "tomam no c..." ou "levam no c..."?

Caro Francisco José Viegas

Escrevo-te não só para me solidarizar com a tua saudável revolta, contra os fiscais das finanças que andam à caça de quem não pede faturas, mas sobretudo para te colocar uma intrigante questão linguística!

Na tua já famosa missiva, dizias que se um fiscal te aparecesse à frente o mandarias "tomar no c..." Ora, foi essa expressão que me causou perplexidade. Porquê o uso de um brasileirismo? No Brasil é que se usa a expressão "tomar no c...".

Já em Portugal, ela não existe. Os portugueses tomam remédios e xaropes, tomam banhos em casa e no mar, mas que eu saiba não "tomam no c..." Em Portugal, a expressão que se usa é "levar no c..." e não "tomar no c..." 

É evidente que podes ter considerado que era demasiado abrutalhado usar a expressão portuguesa. Na verdade, quando se trata de expressões já de si vernáculas, os portugueses são bastante exagerados. Usam o "levar no c..." como se isso fosse equivalente a levar uma carga de porrada.

Há outros exemplos famosos em Portugal. Por exemplo, os portugueses usam muito as expressões "vai-te fod..." ou "vai para o car...lho" como se isso fossem coisas horríveis. Ora, é um pouco estranho, não é? Desde quando é que uma pessoa "ir fod..." é mau?

E mesmo no caso do "vai para o cara..." eu tenho bastantes dúvidas que seja mau. Quer dizer, eu por exemplo conheço imensas mulheres que "vão para o car..." com alegria, vivacidade e até uma certa gula feminina. "Ir para o cara..." não tem de ser mau, nem para quem vai, e muito menos para quem recebe...

Mas, voltemos ao "tomar no c..." Provavelmente, tu usaste a expressão brasileira porque assim, de certa forma, diminuias ligeiramente a agressividade do insulto. O brasileirismo foi uma espécie de vaselina verbal, para tornar a expressão mais suave e deslizante, e não tão agreste como a original dos lusitanos. É compreensível, embora soe um pouco estranho.

Contudo, aquilo que também me surpreendeu, foi a certeza, implícita no teu uso da expressão, de que o fiscal das Finanças que poderia aparecer à tua frente seria um macho heterossexual. Só assim se compreende o insulto.

"Tomar no c..." só é mau se o fiscal for macho, caso contrário pode não ser. Imagina por exemplo que o fiscal das Finanças era gay. Nesse caso, o potencial insultuoso e rebelde da tua expressão perde-se completamente.

Um fiscal heterossexual ficaria ofendido se o mandasses "tomar no c...", mas um fiscal gay poderia até desatar a bater as pestanas, todo animado com a ideia, e a tua fúria poderia até ser interpretada como um convite, o que não foi certamente a tua ideia original!

Mas, nem só esse caso levanta problemas. Imagina que o fiscal que te aparecia à frente era uma mulher. Bem, nesse caso é um bocado imprevisível a reação do fiscal. Como se sabe, a actividade de "tomar no c..." divide bastante as mulheres. Há as que não gostam nada, mas também há as que gostam, e nunca sabemos bem em qual dos grupos se coloca uma mulher antes de a conhecer mais intimamente. É pois um risco mandar uma mulher "tomar no c..."

Na tua carta aberta, foi basicamente isto que me causou perplexidade. Quanto ao resto, estou de acordo contigo, é um perfeito abuso e um enorme disparate os fiscais andarem a multar quem não pede faturas. 

Um abraço amigo

Domingos Amaral  

publicado por Domingos Amaral às 10:52 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Quarta-feira, 12.09.12

Os "modelos" do Gaspar

Ontem, o ministro das Finanças, durante a conferência de imprensa que deu, falou por várias vezes nos "modelos" que tinham sido usados e que previam bons resultados com as alterações na TSU e na contribuição para a segurança social dos trabalhadores. Segundo ele, os "modelos" apontavam para melhorias económicas significativas no próximo ano e ainda mais significativas no ano seguinte. Ao ouvi-lo, assaltou-me uma terrível dúvida. Será que estes "modelos" são os mesmos "modelos" que previam para este ano uma melhoria das receitas fiscais que nunca se verificou, bem pelo contrário; os mesmos "modelos" que previam para 2012 quebras no PNB muito menores do que aquelas que se verificaram; os mesmos "modelos" que nunca previram um agravamento tão forte do desemprego? É que são os mesmos "modelos" estamos bem tramados, e o ministro Vítor Gaspar também. 

publicado por Domingos Amaral às 17:48 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Terça-feira, 21.08.12

Os prioritários e os portugueses

A cena passou-se numa repartição das Finanças. Eu estava na fila, há quase duas horas, e via os números de chamada a aproximarem-se do meu. Porém, a numeração estava sempre a ser interrompida pela chegada de mais um atendimento "prioritário". Os "prioritários" são naturalmente os deficientes, os idosos, as grávidas, e também as pessoas acompanhadas por crianças. E foi uma dessas mães que teve azar. Ao ser chamada, eis que se levanta uma revolta nos outros portugueses, os "não prioritários". Um senhor, muito enervado, desata a protestar aos berros, dizendo que para a próxima ia "pedir uma crianchinha emprestada à vizinha, para vir para a bicha e passar à frente". Houve logo um número relevante de pessoas na mesma situação que concordaram, e um pequeno motim gerou-se. Indignadíssimos, os "não prioritários" soltaram gritos contra "os prioritários", queixando-se da injustiça de que estavam a ser alvo, vociferando contra o poder, o governo, a democracia, enfim tudo o que os irrita na vida. São assim os portugueses, não aceitam as regras, sobretudo quando elas implicam um ligeiro prejuízo próprio. Em Portugal, somos todos prioritários, o nosso problema é sempre o mais grave, e temos o direito de ser atendidos imediatamente! Que existam pessoas mais frágeis que nós que possam passar-nos à frente, é obviamente uma maçada inaceitável, que só existe devido a truques e manhas...

publicado por Domingos Amaral às 12:37 | link do post | comentar | ver comentários (2)
 

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