Terça-feira, 22.04.14

O 25 de Abril não é só da esquerda!

Bem sei que a história é sempre contada pelos vencedores, mas a ideia de que o 25 de Abril é um golpe de esquerda não é verdadeira.

Aliás, o 25 de Abril nem sequer é uma revolução, pois essa só começa mais tarde, a 11 de Março de 1975.

Na verdade, o 25 de Abril é apenas um golpe militar contra o poder político do Estado Novo, e nem sequer é a esquerda que fica a mandar no país depois desse golpe.

 

Quem é o primeiro presidente da República da nova democracia, gerada no dia 25 de Abril?

É o general Spínola! Sim, esse mesmo, que era o vice-chefe de Estado-Maior General do...Estado Novo!

Tinha-se demitido um mês antes, mas era um dos militares com mais prestígio no regime de Salazar.

Ou seja, o primeiro presidente da República que o golpe militar produz é um dos chefes, e símbolos, militares da ditadura!

Spínola, como todos sabem, não era um homem de esquerda, antes pelo contrário.

As suas ideias eram contrárias à descolonização, defendia um Estado Federal onde as colónias estavam ao mesmo nível da metrópole, e defendia uma democracia com limites.

Porém, é ele que todos escolhem para ser o primeiro presidente da nova República, nos dias seguintes ao golpe militar.

E digo todos porque foram mesmo todos.

No movimento dos capitães de Abril, havia muitos de "direita", como havia muitos outros que eram de "esquerda".

Na Junta de Salvação Nacional, um dos elementos escolhidos é Galvão de Melo, um general que nunca foi de esquerda.

E, quando o MFA se constitui originalmente, a ala dos militares de direita, apoiantes de Spínola, está lá representada em força.

 

Portanto, a conclusão que se deve retirar é que o golpe militar de 25 de Abril não é um golpe de esquerda.

É um golpe dos militares contra os políticos do Estado Novo, mas os militares são, nesse momento, de esquerda e de direita.

E podemos mesmo dizer que, nos primeiros meses a seguir ao golpe, quem domina a chefia do Estado é a direita, com Spínola, e não a esquerda.

É claro que, rapidamente, o processo político se descontrola e a direita militar de Spínola vai perder a liderança.

O general do monóculo virá a demitir-se depois de 28 de Setembro de 1974, e cairá em desgraça a 11 de Março de 1975, quando é obrigado a sair do país e vai exilado para Espanha.

É nesse momento que a direita militar se desliga da revolução, e que esta começa.

 

É só depois do 11 de Março que aparecem as nacionalizações, a ocupação do Alentejo com a "reforma agrária", e se intensificam as vagas de saneamentos e prisões. 

Aí sim, a revolução começa, liderada pela extrema-esquerda de Otelo, Rosa Coutinho e Fabião, e com o apoio atento de Cunhal.

O 11 de Março é que é a revolução de esquerda, o 25 de Abril não é.

Era bom que a esquerda percebesse que o golpe militar teve o apoio da direita, e não se julgasse a "dona exclusiva" da democracia.

Este regime é de todos, não é só de alguns.

publicado por Domingos Amaral às 10:58 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Quarta-feira, 26.02.14

Subir o IRS foi bom para a economia portuguesa

Os números da execução orçamental, que ontem foram revelados, são contundentes: a receita fiscal subiu bastante, e a despesa desceu pouco.

Ou seja, o deficit está claramente a diminuir porque as receitas dos impostos estão a subir, o que é muito bom sinal.

Ao contrário do que dizem a direita e a esquerda portuguesa, que nisso têm a mesma opinião, a subida de impostos foi boa para economia, e não má.

A economia portuguesa adaptou-se muito melhor à subida de impostos de 2013 e 2014, do que aos cortes profundas na despesa de 2012.

 

É evidente que esta realidade é impopular.

À direita, é muito mais popular dizer que se deve cortar na despesa e descer os impostos.

É o que dizem Passos Coelho e Portas, e os seus fiéis estão totalmente de acordo.

À esquerda comete-se erro semelhante.

Seguro ataca o Governo porque subiu os impostos, e ataca o Governo porque cortou na despesa.

Não quer nem uma coisa, nem outra, o que é absurdo.

Estão ambos errados.

 

A direita convenceu-se que é sempre melhor cortar na despesa e baixar os impostos, e não olha para a realidade dos números.

A verdade é que o corte profundo na despesa, realizado em 2012, com cortes dos subsídios e das despesas intermédias, provocou efeitos desastrosos em Portugal.

A recessão instalou-se, o desemprego cresceu muito, houve uma profunda quebra das receitas fiscais, e tudo parecia perdido.

Porém, com a forte subida do IRS em 2013, o que se verificou?

A economia voltou a crescer, o desemprego começou a baixar, as receitas fiscais subiram, e o deficit diminui muito mais!

A conclusão devia ser óbvia: a economia portuguesa absorveu muito bem a subida de impostos, e saiu da crise mais rapidamente.

 

É lamentável que ninguém aceite este facto, e que a direita passe os seus dias a dizer que vai descer os impostos e cortar mais na despesa, o que seria grave para a economia, e a esquerda passe os seus dias a dizer que quer aumentar a despesa e cortar os impostos, o que seria igualmente grave.

Ninguém parece perceber que os portugueses preferem pagar mais impostos e não executar tantos cortes nas despesas, nos salários ou nas pensões.

Ou seja, os portugueses estão dispostos a pagar mais impostos para manterem o Estado Social como está.

É essa a conclusão desta crise, e esquerda e direita deviam percebê-lo. 

Mas, é sempre mais popular dizer que se quer descer impostos ou aumentar despesa, e os políticos que temos caiem sempre nessa tentação da popularidade fácil e rápida. 

A verdade é que, se desde 2004 tivessemos todos pago mais impostos, o país não tinha acumulado os deficits que acumulou...

publicado por Domingos Amaral às 10:42 | link do post | comentar | ver comentários (5)
Sexta-feira, 30.08.13

O cisma Constitucional do país

Em 2010 e 2011, ainda antes de Passos Coelho chegar ao poder, já queria rever a Constituição, principalmente nas áreas da saúde e educação, que não deviam ser "gratuitas".

Para ele, Portugal vivia, e vive ainda, num país desequilibrado por uma Lei Fundamental que, no seu espírito e palavras, é um produto ideológico de esquerda, uma filha da revolução do 25 de Abril, legítima e por isso mesmo sem virtude aos olhos de um liberal.

Alguns dos princípios constitucionais eram, e são para Passos Coelho, errados, atrasados, injustos e socialistas.

Mas, como os mandamentos do regime devem obedecer a consensos, e ele não conseguiu nenhum apoio à sua esquerda, esqueceu rapidamente o desejo de rever a Constituição.

Ora, não podendo rescrever as Tábuas da Lei, Passos decidiu afrontá-las. 

Logo em 2011, qaundo se sentou em S. Bento, foram dadas as primeiras salvas de tiros. 

Muitos avisaram Passos que não era inteligente basear medidas essenciais para o corte da despesa em iniciativas legislativas de duvidosa constitucionalidade.

Porém, ele ignorou os sensatos e cortou os subsídios à função pública, coisa que entrava pelos olhos dentro que era inconstitucional, como o Tribunal Constitucional veio dizer em meados de 2012.

Não contente com essa primeira derrota, voltou a marrar contra a mesma parede, cortando de novo os subsídios em 2013.

Como se esperava, o TC lá veio repetir que a medida não estava conforme às tabuinhas.

Pelo caminho, espumando fúria, Passos inflamou os ódios políticos das suas hostes, instigando a populaça e as elites contra os juízes do TC.

A campanha foi feroz: os juízes eram cheios de previlégios, reformavam-se cedo, ganhavam demais e, cúmulo da irresponsabilidade, iam de férias quando havia decisões importantes a tomar!

Ao longo de meses, Passos diabolizou o TC, colando-lhe mesmo a imagem de um tribunal antipatriota, que punha em causa a gloriosa recuperação financeira do país.

A estratégia primou pela ineficácia, pois o Governo de Passos coleccionou derrotas atrás de derrotas.

Contudo, a consequência política destes humilhantes resultados, mas sobretudo da retórica incendiária, foi a geração de um verdadeiro cisma Constitucional. 

Portugal está hoje dividido entre os que são contra a Constituição e os que são a favor dela.

De um lado, o centro-direita, liderado por Passos, que acha a Constituição um estorvo.

Do outro, a esquerda em geral, que considera os mandamentos do regime um dogma imutável. 

Estes dois radicalismos, o primeiro ofensivo e iniciador, o segundo defensivo mas para já vencedor, reabriram um fosso no regime, semelhante ao de 75, mas de sentido inverso.

Embora ninguém saiba quem vai cair nesta Fossa das Marianas, ela é mais funda a cada dia que passa. 

publicado por Domingos Amaral às 11:24 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Quarta-feira, 20.02.13

O regresso de Grândola Vila Morena

Ao que parece, a moda está a pegar. Agora, de cada vez que um membro do Governo aparece em público para falar sobre algum assunto, levanta-se logo um grupo de pessoas que começa a cantar o "Grândola Vila Morena", a célebre música de Zeca Afonso, que serviu como senha para o início da revolução, em 25 de Abril de 1974. 

Passos Coelho foi a primeira vítima do Grândola, no parlamento, mas não lhe deu para cantar a acompanhar os protestos. Já Miguel Relvas, ontem, caiu na asneira de tentar trautear a música. O resultado foi um perfeito desastre. As imagens de Relvas a cantarolar a Grândola são patéticas, e aquele sorriso forçado que acompanha a cantoria roufenha vai ficar para a história dos momentos mais ridículos da nossa democracia. 

Mas, o que me importa hoje é o simbolismo destes protestos. Ao fim de quase dois anos de Governo, Passos Coelho e Gaspar castigaram de tal forma o país que estão a conseguir unir as esquerdas, e o traço dessa união começa com coisas tão simples como músicas, no caso a Grândola Vila Morena.

A austeridade brutal a que Passos e Gaspar têm submetido o país e os seus terríveis resultados, mas sobretudo a ideia de que esta austeridade é ideologicamente motivada, e que há uma intenção clara de destruição do Estado Social como o conhecíamos, tudo isso somado, está a gerar no país uma profunda revolta, e mais grave ainda, está a unir as esquerdas, num ódio e num propósito comum, contra o Governo.

É sempre assim: quando a direita vira demasiado à direita, a esquerda une-se. Contudo, em Portugal, isso nunca aconteceu desde o 25 de Abril. A direita portuguesa, e nela incluo o CDS e o PSD, nunca tinha virado tanto "à direita" como no presente. Nem a AD de Sá Carneiro, ou as de Marcelo ou Durão Barroso; nem o PSD de Cavaco, tinham sido tão "à direita" enquanto foram governos.

No passado e durante quase 40 anos de democracia, houve sempre nas direitas portuguesas, sobretudo quando estavam no Governo, importantes políticas sociais-democratas no PSD e democratas-cristãs no CDS, que impediam a governação de virar demasiado "à direita". E certamente por isso, a união das esquerdas nunca se deu. Com a excepção de acordos pontuais, por exemplo na Câmara de Lisboa, nunca o PS se uniu ao PCP e ao Bloco para governar o país.  

Agora, pela primeira vez em 40 anos, isso pode mudar. Pé ante pé, as esquerdas estão-se a unir. A canção Grândola Vila Morena será, daqui para a frente, uma espécie de guarda-chuva debaixo do qual se dará a união das esquerdas. Qualquer dia, veremos Seguro, Semedo, Jerónimo, Arménio Carlos, e muitos outros, também a cantarem a Grândola à primeira oportunidade, e isso terá um profundo significado simbólico.

Ou muito me engano, ou a grande consequência do desastre económico que Passos e Gaspar provocaram, será um governo de Esquerda, onde pela primeira vez veremos sentados o PS, o PCP e o Bloco. O desastre que a direita gerou vai provocar uma união à esquerda, e os mais fervorosos apoiantes de Passos, de Gaspar e da austeridade, terão de engolir pela boca a baixo uma frente de esquerda como nunca houve em Portugal.

É sempre assim, no mundo inteiro. Quando a direita vira demasiado à direita, a esquerda cresce a seguir, e muito.   

publicado por Domingos Amaral às 10:36 | link do post | comentar | ver comentários (1)
 

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