O amor é um estado de alarme

O amor alarma-nos, mesmo depois de acabar. Ficamos sempre aflitos quando vemos alguém que um dia amámos, nervosos, independentemente do tempo que já passou desde o fim desse amor.

Há quem comece a suar das mãos, ou debaixo dos braços, quem lhe trema os joelhos ou lhe doa a barriga, e quem finja que não sente nada, que é cool e não sofre disso, mas é mentira.

Aquela pessoa foi importante para nós, amámo-la um dia, demos as mãos, abrimos os braços à espera dela, e isso deixa marcas, não se apaga. Se mesmo quando o amor é correspondido as pessoas ficam aflitas, imagine-se quando já não é, e só existem memórias do passado, para nos perturbar.

Foi o que aconteceu com aqueles dois. Tinham passado talvez quatro anos desde o dia em que o amor deles tinha acabado e cruzaram-se por acaso, no Chiado. Ele tinha ido à FNAC, ela ao Santini, e encontraram-se na rua, no meio de uma azáfama permanente de gente que entrava e saía das lojas.

Ela começou a suar, e ele sentiu um nó na garganta. Deram um beijo à pressa, fizeram aquelas perguntas da praxe que se fazem nestas alturas, o "tudo bem?" e essas coisas, mas por dentro estavam perturbados.

O amor deles tinha sido intenso, aventureiro, cheio de cama e idas ao cinema, jantares à luz das velas e essas coisas românticas que ninguém esquece mas que não decidem nada de importante. Foi bom enquanto durou, mas não durou muito. 

Ele não sabe bem porquê, acha-a gira, gosta da conversa dela, do nariz arrebitado, da suavidade da voz, das pestanas e das sobrancelhas dela. Ela sabe porque é que aquilo acabou, mas isso não a faz sentir melhor. Sente-se triste por um segundo, como se tivesse perdido a melhor coisa do mundo, como se as outras é que tivessem tido sorte.

Vão falando, sem dizer nada de importante, e continuam incomodados. Depois despedem-se, e nesse dia à noite contam mentiras aos amigos e às amigas, dizem que se cruzaram no Chiado e que o outro é que estava nervossímo, e nunca irão reconhecer que ficaram alarmados por dentro, por uns minutos.

Já não amam, já não se podem amar, há outras pessoas mais importantes nas suas vidas, mas continuam alarmados quando se vêm, e assim continuarão para sempre, porque o amor alarma sempre, mesmo quando já passou muito tempo desde que acabou. 

Cruzarmo-nos com os amores do passado nem sempre é um perigo para os nossos amores do presente, mas é sempre um perigo para o nosso coração, e sobretudo para o nosso sistema nervoso. Porém, há quem finja que não. 

publicado por Domingos Amaral às 09:50 | link do post | comentar