Terça-feira, 06.05.14

O Benfica é o clube do Estado Novo, e do 25 de Abril também!

Por vezes, os adeptos do FC Porto gostam de atirar à cara dos benfiquistas que o Benfica é o clube do Estado Novo.

Nada mais falso. 

É verdade que o Benfica ganhou mais campeonatos que os outros durante o Estado Novo, mas também ganhou mais campeonatos que os outros durante as décadas de 70 e 80, já depois do 25 de Abril. 

Além disso, até à gloriosa década de 60, com Eusébio e Coluna, o Benfica tinha ganho os mesmos campeonatos que o Sporting, durante o Estado Novo, não era melhor ou pior que os leões.

Mas, para provar o meu ponto, apresento algumas estatísticas.

 

Os primeiros 6 campeonatos, durante a década de 30, e portanto já com Salazar como presidente do Conselho, são vencidos pelo Benfica (3) e pelo... FC Porto (3).

Na década de 40, é o Sporting o melhor. Vence 5 campeonatos, contra 4 do Benfica e 1 do Belenenses.

Na década seguinte, a de 50, é de novo o Sporting a dominar, com 5 campeonatos, contra 3 do Benfica e 2 do FC porto.

Portanto, no ano de 1960, com 26 campeonatos já disputados em pleno Estado Novo, a contabilidade era a seguinte: Benfica 10, Sporting 10, FC Porto 5 e Belenenses 1.

 

A partir daqui, o Benfica cresce muito, e o FC Porto desaparece.

Na década de 60, o Benfica vence 7 campeonatos, e o Sporting 3.

E nos quatro anos que irão até à revolução dos cravos, o Benfica vence 3 campeonatos, e o Sporting apenas 1.

Portanto, quando em Portugal se dá o 25 de Abril, existiam já 40 campeonatos disputados, e a contabilidade era a seguinte: Benfica 20, Sporting 14, FC Porto 5, e Belenenses 1.

Embora fosse o Benfica o que tinha mais vitórias, é um pouco absurdo dizer que dominou devido ao Estado Novo quando o Sporting venceu 14 títulos durante esse regime, e até aos anos 50 tinha tantas vitórias como o Benfica. 

 

E o que aconteceu depois do 25 de Abril?

Bem, o que aconteceu é que continuou o domínio do Benfica durante os vinte anos seguintes.

Entre 1974 e 1980, o Benfica vence 3 campeonatos, o FC Porto 2, e o Sporting 1.

E na década de 80, o Benfica vence 5 campeonatos, o FC Porto vence 4, e o Sporting vence 1.

Durante os primeiros 16 anos depois da revolução, o domínio do Benfica é claro, 8 campeonatos, contra 6 do FC Porto e 2 do Sporting.

 

É só nos anos 90 que se dá a grande viragem a favor do FC Porto.

Na década de 90, os azuis vencem 7 campeonatos, o Benfica 2 e o Sporting 1.

E na primeira década do novo século a tendência prossegue: 6 títulos para o FC Porto, 2 para o Benfica, 1 para o Sporting e outro para o Boavista.

Os últimos quatro anos também não alteram a equação: 3 campeonatos para o FC Porto e 1, o deste ano, para o Benfica.

Assim, a contabilidade da democracia, onde aconteceram 40 campeonatos, é muito forte para o lado azul: 22 campeonatos conquistados desde o 25 de Abril, contra 13 do Benfica, 4 do Sporting e 1 do Boavista. 

O FC Porto é sem dúvida o clube que mais venceu no regime democrático, e curiosamente o seu domínio é bem mais claro do que o do Benfica durante o Estado Novo.

Portanto, o que se pode dizer com toda a certeza é que o FC Porto era muito fraco durante a ditadura, e tornou-se muito forte com a democracia; e que os clubes de Lisboa enfraqueceram os dois, sobretudo depois dos anos 90.

 

Pela minha parte, acho que não foi por causa da democracia que o FC Porto cresceu, mas sim porque Pinto da Costa surgiu e percebe muito de futebol.

Para mais, é um pouco estranho que se tire mérito aos clubes, ou às seleções nacionais, por causa dos regimes políticos.

O Brasil, por exemplo, venceu 3 campeonatos do Mundo porque tinha Pelé, ou porque o seu regime era uma ditadura?

Nadia Comaneci era uma fantástica atleta de ginástica ou tudo se explica porque vivia debaixo da pata de Ceausescu?

A ligação desporto-política não é nada clara, nem óbvia, muito menos no futebol.

O Benfica, é sabido, sempre foi olhado com desconfiança por Salazar, que até considerava o clube de "esquerda"!

E, quem é que ganhou campeonatos durante o PREC e o Verão Quente, no auge da revolução de Abril? O Benfica (75,76 E 77)... 

 

 

publicado por Domingos Amaral às 16:26 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Terça-feira, 22.04.14

O 25 de Abril não é só da esquerda!

Bem sei que a história é sempre contada pelos vencedores, mas a ideia de que o 25 de Abril é um golpe de esquerda não é verdadeira.

Aliás, o 25 de Abril nem sequer é uma revolução, pois essa só começa mais tarde, a 11 de Março de 1975.

Na verdade, o 25 de Abril é apenas um golpe militar contra o poder político do Estado Novo, e nem sequer é a esquerda que fica a mandar no país depois desse golpe.

 

Quem é o primeiro presidente da República da nova democracia, gerada no dia 25 de Abril?

É o general Spínola! Sim, esse mesmo, que era o vice-chefe de Estado-Maior General do...Estado Novo!

Tinha-se demitido um mês antes, mas era um dos militares com mais prestígio no regime de Salazar.

Ou seja, o primeiro presidente da República que o golpe militar produz é um dos chefes, e símbolos, militares da ditadura!

Spínola, como todos sabem, não era um homem de esquerda, antes pelo contrário.

As suas ideias eram contrárias à descolonização, defendia um Estado Federal onde as colónias estavam ao mesmo nível da metrópole, e defendia uma democracia com limites.

Porém, é ele que todos escolhem para ser o primeiro presidente da nova República, nos dias seguintes ao golpe militar.

E digo todos porque foram mesmo todos.

No movimento dos capitães de Abril, havia muitos de "direita", como havia muitos outros que eram de "esquerda".

Na Junta de Salvação Nacional, um dos elementos escolhidos é Galvão de Melo, um general que nunca foi de esquerda.

E, quando o MFA se constitui originalmente, a ala dos militares de direita, apoiantes de Spínola, está lá representada em força.

 

Portanto, a conclusão que se deve retirar é que o golpe militar de 25 de Abril não é um golpe de esquerda.

É um golpe dos militares contra os políticos do Estado Novo, mas os militares são, nesse momento, de esquerda e de direita.

E podemos mesmo dizer que, nos primeiros meses a seguir ao golpe, quem domina a chefia do Estado é a direita, com Spínola, e não a esquerda.

É claro que, rapidamente, o processo político se descontrola e a direita militar de Spínola vai perder a liderança.

O general do monóculo virá a demitir-se depois de 28 de Setembro de 1974, e cairá em desgraça a 11 de Março de 1975, quando é obrigado a sair do país e vai exilado para Espanha.

É nesse momento que a direita militar se desliga da revolução, e que esta começa.

 

É só depois do 11 de Março que aparecem as nacionalizações, a ocupação do Alentejo com a "reforma agrária", e se intensificam as vagas de saneamentos e prisões. 

Aí sim, a revolução começa, liderada pela extrema-esquerda de Otelo, Rosa Coutinho e Fabião, e com o apoio atento de Cunhal.

O 11 de Março é que é a revolução de esquerda, o 25 de Abril não é.

Era bom que a esquerda percebesse que o golpe militar teve o apoio da direita, e não se julgasse a "dona exclusiva" da democracia.

Este regime é de todos, não é só de alguns.

publicado por Domingos Amaral às 10:58 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Quarta-feira, 20.02.13

O regresso de Grândola Vila Morena

Ao que parece, a moda está a pegar. Agora, de cada vez que um membro do Governo aparece em público para falar sobre algum assunto, levanta-se logo um grupo de pessoas que começa a cantar o "Grândola Vila Morena", a célebre música de Zeca Afonso, que serviu como senha para o início da revolução, em 25 de Abril de 1974. 

Passos Coelho foi a primeira vítima do Grândola, no parlamento, mas não lhe deu para cantar a acompanhar os protestos. Já Miguel Relvas, ontem, caiu na asneira de tentar trautear a música. O resultado foi um perfeito desastre. As imagens de Relvas a cantarolar a Grândola são patéticas, e aquele sorriso forçado que acompanha a cantoria roufenha vai ficar para a história dos momentos mais ridículos da nossa democracia. 

Mas, o que me importa hoje é o simbolismo destes protestos. Ao fim de quase dois anos de Governo, Passos Coelho e Gaspar castigaram de tal forma o país que estão a conseguir unir as esquerdas, e o traço dessa união começa com coisas tão simples como músicas, no caso a Grândola Vila Morena.

A austeridade brutal a que Passos e Gaspar têm submetido o país e os seus terríveis resultados, mas sobretudo a ideia de que esta austeridade é ideologicamente motivada, e que há uma intenção clara de destruição do Estado Social como o conhecíamos, tudo isso somado, está a gerar no país uma profunda revolta, e mais grave ainda, está a unir as esquerdas, num ódio e num propósito comum, contra o Governo.

É sempre assim: quando a direita vira demasiado à direita, a esquerda une-se. Contudo, em Portugal, isso nunca aconteceu desde o 25 de Abril. A direita portuguesa, e nela incluo o CDS e o PSD, nunca tinha virado tanto "à direita" como no presente. Nem a AD de Sá Carneiro, ou as de Marcelo ou Durão Barroso; nem o PSD de Cavaco, tinham sido tão "à direita" enquanto foram governos.

No passado e durante quase 40 anos de democracia, houve sempre nas direitas portuguesas, sobretudo quando estavam no Governo, importantes políticas sociais-democratas no PSD e democratas-cristãs no CDS, que impediam a governação de virar demasiado "à direita". E certamente por isso, a união das esquerdas nunca se deu. Com a excepção de acordos pontuais, por exemplo na Câmara de Lisboa, nunca o PS se uniu ao PCP e ao Bloco para governar o país.  

Agora, pela primeira vez em 40 anos, isso pode mudar. Pé ante pé, as esquerdas estão-se a unir. A canção Grândola Vila Morena será, daqui para a frente, uma espécie de guarda-chuva debaixo do qual se dará a união das esquerdas. Qualquer dia, veremos Seguro, Semedo, Jerónimo, Arménio Carlos, e muitos outros, também a cantarem a Grândola à primeira oportunidade, e isso terá um profundo significado simbólico.

Ou muito me engano, ou a grande consequência do desastre económico que Passos e Gaspar provocaram, será um governo de Esquerda, onde pela primeira vez veremos sentados o PS, o PCP e o Bloco. O desastre que a direita gerou vai provocar uma união à esquerda, e os mais fervorosos apoiantes de Passos, de Gaspar e da austeridade, terão de engolir pela boca a baixo uma frente de esquerda como nunca houve em Portugal.

É sempre assim, no mundo inteiro. Quando a direita vira demasiado à direita, a esquerda cresce a seguir, e muito.   

publicado por Domingos Amaral às 10:36 | link do post | comentar | ver comentários (1)
 

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