Segunda-feira, 23.09.13

Portugal, Merkel, e a nossa armadilha da dívida

Portugal está na típica "armadilha da dívida".

Se cortar na despesa para fechar o deficit, causa recessão e desemprego, e a dívida pode aumentar porque o PIB cai.

Se estimular a economia, com descidas de impostos, agrava o deficit e a dívida pode aumentar.

Ou seja, façamos o que fizermos, há sempre algum objectivo que falha.

Ou falha o deficit, ou falha o crescimento, ou falha a dívida.

É a "armadilha da dívida" em todo o seu esplendor. Quanto mais pagamos, mais devemos.

Como sair deste imbróglio?

A "austeridade", tão do agrado de Passos, Gaspar ou Merkel, causou muitos danos, com um desemprego altíssimo e várias crises políticas.

Com isso, ganhou-se alguma credibilidade, mas não se alterou a marcha imparável do crescimento da dívida.

Agora, veio um pouco de crescimento económico, com mais turismo e exportações, mas também isso não impede os juros de subirem.

Há um preconceito contra Portugal, como disse ontem Passos Coelho?

O problema é mais profundo do que esse, infelizmente.

Ao contrário do que muitos têm dito nos últimos anos, dentro do euro não há uma solução nacional para a questão das "dívidas soberanas".

Nem Portugal, nem a Grécia, nem o Chipre, nem a Irlanda, têm capacidade para pagar sozinhos a monumental dívida que contraíram.

Estão presos numa armadilha: emitiram dívida numa moeda que não controlam, e a desconfiança que sobre eles paira é permanente.

Sozinhos, jamais sairão desta prisão.

Desenganem-se os que pensam que a austeridade, as reformas estrurais, ou as exportações vão permitir o crescimento necessário para pagar estas dívidas. Não vão.

Um segundo resgate, ou um programa cautelar, podem ser diferentes do ponto de vista político, mas não são muito diferentes do financeiro.

É mais dinheiro emprestado, com muitas condições, seja pela "troika", seja pelo BCE.

E não nos tira da armadilha.

A única solução é europeia.

Só a Europa, com os seus recursos, e a sua força política, poderá solucionar definitivamente a questão.

Mutualizar a dívida é absorver a dívida dos prevaricadores; mas também é impedir que esses países, no futuro, se endividem mais.

Porém, não parece ser esse o caminho da Sra. Merkel.

A sua vitória de ontem foi retumbante, e histórica. Mas, não chega para governar sozinha.

Mudará Merkel, aliada ao SPD ou aos Verdes; tornando-se mais europeia e menos alemã?

Ou continuará a insistir numa receita que causa muitos danos e não resolve o problema da dívida?

Portugal está no topo da preocupações de Merkel, diz hoje o Wall Street Journal, e pode despoletar mais uma crise do euro.

É tudo verdade, mas Merkel, se quisesse, podia caminhar noutro sentido, menos duro e punitivo.

As soluções nacionais, de sacrifício e "troikas", estão esgotadas.

Não há soluções solitárias, só de conjunto. 

Talvez Passos tenha mesmo de ir lá falar com ela, pedir-lhe compreensão e ajuda. Mas só isso, é insuficiente.

Mais Europa, é o que é preciso.

Caso contrário, irá prolongar-se este ciclo de agonias, com pequenos interlúdios de alívio, como foi este Verão. 



 

publicado por Domingos Amaral às 10:03 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Segunda-feira, 16.09.13

Se eu fosse um jovem europeu gostava de ser universitário em Portugal

Portugal nunca virá a ser a maior praça financeira da Europa, nem nunca terá a indústria mais forte da União.

Nunca seremos os melhores em carros, medicamentos ou maquinaria pesada.

Mas, há duas faixas etárias em que o nosso país pode ser muito competitivo: na 3ª idade e nos jovens universitários.

Para os mais velhos, o que parece melhor: envelhecer em Portugal ou envelhecer na Alemanha?

Com o nosso clima e a nossa hospitalidade, sem problemas de crime, e com bons hospitais, é muito mais agradável envelhecer em Portugal, do Minho ao Algarve, do que envelhecer na Baviera, ou mesmo nas chuvosas Ardenas.

As pessoas, quando chegam a uma certa idade, querem é "papas e descanso".

E Portugal é um óptimo local para as "papas" (come-se melhor por cá do que na maior parte da Europa), e para os "descansos" (o clima é bom, e a serenidade total). 

Mas, também para os jovens Portugal é bastante atraente.

Preferem estudar em Varsóvia, Praga, Antuérpia ou Lisboa?

Meus amigos, se eu fosse jovem universitário europeu, não pensava duas vezes. 

Portugal é o único país da Europa onde se pode estudar de manhã, fazer surf à tarde e sair à noite para beber um copo. 

As praias são óptimas e não há outra capital europeia que tenha, à distância de uma pequena viagem de carro praias semelhantes ao Guincho, à Ericeira ou à Caparica. 

Além disso, a noite é boa. Sim, já foi melhor, mas o que há é bastante agradável, e as raparigas dançam muito bem.

É pois essencial que se faça uma aposta cada vez mais forte nas universidades, em muitos cursos, desde a engenharia à informática, desde a arquitectura à gestão.

Neste último caso, já estamos muito bem.

Tanto a Católica (onde dou aulas) como a Nova, estão muito bem colocadas nos rankings interncionais, tanto nos MBAs, como nos próprios cursos.

As aulas já são em inglês e muitos dos alunos são estrangeiros.

No meu caso, por exemplo, na cadeira de Sports Economics, do terceiro ano dos cursos de Economia e Gestão, de um total de 35 alunos, 15 ou 16 eram estrangeiros, provenientes de muitos países diferentes.

É uma tendência crescente, e Portugal tem de aproveitar essa vontade que os jovens sempre têm de estudar fora do seu país original. 

A Florida para os mais velhos, e uma Oxfam (Oxford e Cambridge) lusitana para os mais novos!

publicado por Domingos Amaral às 11:50 | link do post | comentar | ver comentários (5)
Segunda-feira, 09.09.13

O trambolhão de Portugal no ranking da felicidade mundial

Todos os anos, a Universidade de Columbia, em Nova Iorque, (onde tirei o meu mestrado, que saudades!), publica um Relatório Mundial sobre a Felicidade.

Examina items como a capacidade económica, a qualidade da educação, das família, da saúde pública e privada, das instituições públicas; a esperança de vida, a liberdade de escolha, ou as relações com a comunidade. 

Com base nestes indicadores, é avaliada a felicidade dos países, e atribuída uma média.

Em 2012, Portugal estava na 73ª posição, com um nível médio de feliciade de 5,4, numa escala de 0 a 10.

Mas, este ano caiu 12 lugares, para a 85ª posição entre 156 países, e para um nível médio de 5,1.

Segundo o estudo, a quebra deve-se ao "impacto da crise da zona euro", que obviamente também fez descer de posição outros países do Sul da Europa, como a Itália, a Espanha e a Grécia. 

O que é interessante é que no topo da lista estão a Dinamarca, a Noruega, a Suíça, a Holanda e a Suécia.

O Canadá é o 6º classificado, e os Estados Unidos só aparecem em 17º lugar, enquanto a Alemanha ainda aparece mais atrás, em 26º lugar. 

Mas, fiquemo-nos pelos primeiros seis.

Em cinco deles (Dinamarca, Noruega, Suíça, Suécia e Canadá) impera um modelo quase social-democrata, de muita despesa pública, muito Estado Social, e elevados impostos. 

Em certos casos, como a Suécia, a despesa do Estado chega a ultrapassar os 60 por cento do PIB.

O que nos diz isto sobre os princípios liberais que estão tão em voga em Portugal e em muitos países da Europa?

Será que a redução da despesa do Estado é a melhor via para chegar a uma sociedade feliz e equilibrada?

Será que um modelo de Estado mínimo e impostos baixos, como parece ser a ambição da direita liberal portuguesa, é o melhor e mais eficaz?

As pessoas preferem um Portugal mais parecido com Marrocos ou com a Suécia?

A Suécia também teve um grave crise de excesso de dívida, porém nunca pôs o seu modelo em causa.

E, pelos vistos, os nórdicos são os "top model" da Europa, felizes, ricos e com muita despesa do Estado e muitos impostos.

Será que cortar a despesa do Estado é a única via para a felicidade, ou o centro direita poderá ter de admitir, num futuro próximo, que é absolutamente inevitável vivermos numa sociedade com impostos elevados?

Eu sei que dizer isto, nos tempos que correm, é quase uma heresia que merece que me queimem na fogueira, mas será a redução drástica da despesa do Estado o único caminho para Portugal? 

Se fossemos todos menos dogmáticos e ideológicos, como no Canadá, não seríamos mais felizes como país?

publicado por Domingos Amaral às 12:48 | link do post | comentar | ver comentários (3)
Sexta-feira, 09.08.13

Viva Obama, alguém que está contra a austeridade na Europa!

Barack Obama falou sobre a Grécia e as suas palavras foram contundentes: a austeridade não vai resolver o problema grego.

Só cortes na despesa do Estado e impostos altos não irão ser capazes de tirar o país da profunda recessão em que está mergulhado.

Obama sabe do que fala.

Também na América, o partido republicano quis ser "austeritário", cortando o deficit e diminuindo a dívida.

Obama foi muito atacado pelos moralistas e pelos austeritários, que acham mais grave existirem dívidas do que desemprego.

Porém, não hesitou, e nunca praticou a austeridade que lhe pediam.

Pelo contrário, tentou estimular a economia com mais despesa do Estado. Subiu os impostos também, mas só para os mais ricos.

O resultado foi bom: enquanto a Europa inteira afocinhava numa recessão, a América começava a sair da crise.

Começava e continua a sair da crise.

Com a ajuda dos estímulos do FED, que injecta mais fundos na economia, o desemprego já desce há muitos meses.

Nada disto foi possível na Europa.

Os alemães, sempre aterrados com o trauma de uma inflação que ninguém vê, impedem o BCE de lançar estímulos semelhantes aos do FED.

E Merkel e seus lugares-tenentes massacraram os pequenos países do Sul com doses cavalares de austeridade.

O resultado é o que se vê.

Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, Chipre e até a França, não conseguem crescimento decente.

Os pequenos sinais positivos que aparecem são sobretudo isso, pequenos.

A Europa do Sul foi aprisionada na "armadilha da dívida". Faz-se austeridade para baixar a despesa do Estado, mas isso gera mais recessão, e a dívida continua sempre a crescer.

Não há saída desta armadilha assim. Nem as exportações, nem as reformas do Estado, pagam estas dívidas.

As únicas soluções são outras: reestruturação individual ou mutualização europeia das dívidas.

Até a revista "The Economist", paladina do liberalismo económico, não tem dúvidas.

Hoje, o editorial é lapidar: Portugal, Irlanda e Grécia não vão pagar as suas dívidas, os programas de ajustamento, de tão draconianos na sua austeridade, falharam.

Mas, na Europa não há um Obama, e ele aqui não manda quase nada.

É pena.

Com líderes com ideias erradas, a Europa é incompetente, e por isso fica para tráz. 

publicado por Domingos Amaral às 12:57 | link do post | comentar | ver comentários (7)
Sexta-feira, 19.07.13

Detroit pode, mas Portugal não

A cidade de Detroit, nos Estados Unidos da América, foi à falência.

Com menos população, com menos receitas fiscais, com muita despesa extra e desnecessária e muita corrupção, teve um fim desagradável, o estoiro das contas.

Mas, e essa é a novidade, quando na América uma cidade ou um estado, ou uma grande empresa, vão à falência, há leis especiais que entram de imediato em funcionamento.

Para as empresas, é o famoso capítulo 11. Para as cidades, como Detroit, é o capítulo 9.

Ambos protegem as instituições contra a voracidade dos credores, permitindo-lhes executarem planos de recuperação financeira que passam, eis a palavra mágica, pela "reestruturação da dívida".

Eis como, em países civilizados, se resolvem problemas difíceis.

Porém, na Europa não há disto.

Não há um capítulo 11 ou um capítulo 9 para países que estão aflitos.

Ninguém aceita o princípio da "reestruturação das dívidas", ninguém aceita que os credores percam dinheiro.

Sobretudo porque esses credores são alemães.

É uma infelicidade para a Europa. Enquanto na América as coisas se resolvem depressa e com soluções inteligentes, por cá andamos aos solavancos, afundados numa austeridade estúpida que nada resolve.

A Europa continua mergulhada na armadilha da dívida.

Já a América avança.

publicado por Domingos Amaral às 11:41 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Quarta-feira, 03.07.13

2ª Carta a Paulo Portas, a louvar a sua coragem

Caro Paulo Portas

Ao contrário de muitos, que te chamam garoto, eu quero aqui escrever publicamente que ontem tiveste uma atitude de grande coragem.

Há pouco mais de 9 meses, escrevi-te a minha primeira carta, a defender que te devias demitir depois da célebre TSU, que Passos e Gaspar queriam aprovar contra a tua vontade.

Na altura, não o fizeste, e deste mais uma oportunidade aos dois. Não estive de acordo mas compreendi. Para ti, ainda era cedo, embora para mim já fosse tarde demais.

E o que se passou nesses 9 meses, entre Setembro de 2012 e Julho de 2013? Muita coisa.

Em vez de Portugal melhorar, a situação económica afundou-se ainda mais. Tivemos o célebre "enorme aumento de impostos", e o que se vê é "um enorme aumento do deficit no primeiro trimestre". A dívida também aumentou e só os cegos acham que estamos melhor agora.

Além disso, a Europa caiu ainda mais na recessão, como muitos avisaram que ia acontecer. Os "austeritários" começaram a perder todos os argumentos, e de Paris a Berlim, passando por Bruxelas ou Roma, já ninguém acredita que a revolução "austeritária" é uma solução viável.

Em apenas 9 meses, a Europa mudou. Não muito, mas já mudou o suficiente para se perceber que esta receita austeritária fracassou rotundamente, e que há que encontrar outra saída para a crise.

Porém, por cá, continua a haver uma cabeça teimosa e cega, que nada ouve, nada aprende e nada muda.

Mesmo depois da confissão de derrota de Vítor Gaspar, a quem chamaram e bem o "arquitecto" da austeridade, Passos Coelho mantém-se obstinado e teimoso, como se nada tivesse acontecido.

Há muitos meses que o CDS vem chamando a atenção para a necessidade de mudança. Fê-lo mantendo até ao limite do possível a solidariedade com Passos.

Contudo, Passos é tão pouco inteligente, que não sabe ler qualquer sinal. Não percebe que a Europa já mudou, não percebe que já perdeu o país há muito, não percebe que a sua estratégia falhou colossalmente.

Como um cego e surdo, Passos caminha em direcção ao abismo sem ouvir ninguém.

Mas, há limites para tudo. 

Há anos que Passos humilha o CDS e te subalterniza ostensivamente. Isso, já de si desagradável, seria suportável se a direcção escolhida fosse a certa. Mas não é. Portanto, nada te obriga a ir agarrado a ele para o abismo.

As pessoas que hoje te chamam garoto têm de perceber que o que se passa, e o que te separa de Passos é uma profunda divergência política. Não é uma birra, nem um amuo. É muito mais do que isso.

Passos continua a acreditar na receita "austeritária" com a limitação intelectual de um fanático, e por isso nomeou a senhora que se seguia. Ora, é precisamente isso que está em causa. Esta política falhou, continuar no mesmo rumo é um puro suicídio.

Talvez tenhas contudo de explicar isso melhor. Talvez não baste um comunicado.

Portugal inteiro precisa de perceber que tu não acreditas mais neste rumo, nesta austeridade que só trouxe miséria e desgraça a Portugal. Tens de explicar a todos que é isso que divide hoje o CDS e o PSD de Passos.

Tal como os patrões, os sindicatos, a oposição ou a Igreja, ninguém acredita neste rumo e só estão nele por puro medo.

Sim, medo. É o medo terrível de ser castigado, o medo do futuro, a chantagem da alta finança, que leva as pessoas a aceitarem este rumo.

Ora, o medo não pode ser o dia a dia de um país. Portugal não pode continuar a viver nesse terror paralisante que leva muitos a quererem aceitar tudo, não vá alguém chatear-se connosco.

É preciso vencer esse medo, superar essa aflição. Sim, vai ser difícil, mas não podemos continuar a viver nesta chantagem.

A receita da Europa falhou, a receita da "troika" falhou, a receita de Passos falhou.

É isso que tem de ser dito, é isso que tem de ser praticado, e nós temos de o saber explicar à Europa.

Portanto, acredita nas tuas convicções, acredita que estás certo, porque estás. 

É evidente que provocar instabilidade tem custos, isso todos o sabemos. Porém, e ao contrário do que muitos para aí dizem, eu acho que neste momento a instabilidade é uma aliada de Portugal.

Quanto mais instabilidade existir agora, mais a Europa muda, e mais depressa muda.

Se, durante este Verão, como prevejo, Portugal, Grécia e talvez até a Irlanda, entrarem em turbilhão, a Europa da Sra Merkel vai ter de perceber que ou muda ou morre.

Há três anos não era assim, mas hoje as coisas mudaram. Merkel tem eleições em Setembro, tudo o que ela não quer é crises em Portugal ou na Grécia.

E é precisamente por isso que esta crise vem no momento certo. Agora, que a Europa já perdeu a fé na revolução "austeritária" e Merkel está em época eleitoral, é que é tempo de provocar uma mudança geral na Europa.

Portugal, com a tua decisão corajosa, será o motor dessa mudança. Através da instabilidade, aterrados com o pânico do colapso geral do euro, todos terão de mudar de política, para que a crise acabe.

Pela minha parte, cresceu mais uma vez a minha admiração por ti.

Não te deixaste vencer pela chantagem do medo, e agora é tempo de falares e dares uma nova esperança ao país. Fala, e explica a todos que não vais mais por esse caminho sinistro da "austeridade" das troikas, dos Passos e dos Gaspares.

Esse tempo acabou e ainda bem que foste tu a provocar uma morte mais do que anunciada.

E, caro Paulo, não tenhas medo que os juros subam. Quanto mais subirem, mais Portugal se torna essencial na Europa, e mais força tem para impor uma mudança geral de políticas.

Coragem é o que te peço, e esperança é o que em ti deposito.

"May the force be with you".

 

publicado por Domingos Amaral às 12:13 | link do post | comentar | ver comentários (29)
Terça-feira, 25.06.13

Zangam-se as comadres (FMI e Comissão Europeia) e descobrem-se as verdades...

As "troikas" têm os dias contados. O FMI e a Comissão Europeia já andam pegados, e há acusações mútuas e ressentimentos de parte a parte.

Embora não seja fácil o divórcio imediato, há pelo menos uma separação clara, e a "troika" já vive, por assim dizer, em casas separadas.

O que levou a zanga tão profunda? O reconhecimento da verdade, pela parte do FMI, e a continuação em "estado de negação", por parte da Comissão Europeia. Uns já admitem os erros, outros continuam cegos pelo seu próprio fanatismo.

Na semana passada, o FMI tornou público um documento onde diz, preto no branco, que a acção das "troikas" na Grécia, Portugal, Irlanda e Chipre foi um terrível falhanço!

E quais são as causas desse humilhante falhanço? Em primeiro lugar, os países credores nunca reconheceram a evidência de que a dívida dos países do Sul não era pagável, e tinha de se proceder a um imediato perdão geral, com renegociação da nova dívida.

Ou seja, o FMI vem reconhecer em meados de 2013 aquilo que muitos economistas, entre os quais me incluo, tinham defendido desde pelo menos 2010!

Era evidente, para quem estivesse de boa fé e percebesse um mínimo de economia, que jamais as dívidas públicas da Grécia e da Irlanda, mas também de Portugal e Chipre, poderiam ser pagas na totalidade. Não o aceitar, logo em 2010, foi uma perda de tempo e um sacrifício inútil para essas economias.

Mas, o FMI diz mais. Diz que foi sobretudo a teimosia de certos países (leia-se Alemanha) mas também da Comissão Europeia e do BCE, dominados ambos pela linha dura dos falcões da austeridade, que impôs o princípio de que só os devedores é que ajustavam, nunca os credores!

Esse princípio é totalmente errado, pois a irresponsabilidade foi mútua. Tanto foram irresponsáveis os devedores, que pediram demasiado dinheiro emprestado; como os credores, cegos pela ganância de ganhar dinheiro fácil e que fizeram péssimas avaliações de risco.

Porém, os falcões de Merkel e do Bundesbank, bem como o BCE e o patético Oli Rehn da Comissão, não aceitaram nenhum "perdão"! Era preciso fazer sofrer os "irresponsáveis" devedores do Sul da Europa.

Nasceu aí o segundo grave erro, que o FMI agora reconhece: os programas de "ajustamento" impostos pelas "troikas" foram demasiado rápidos, demasiado bruscos, e substimaram os efeitos recessivos de tanta austeridade!

Durante três anos, muitos economistas, entre os quais me incluo, pregaram no deserto, dizendo precisamente isso. A "austeridade" à bruta que foi imposta à Grécia, à Irlanda, a Portugal, mas também um pouco por todo o resto da Europa, não traria bons resultados. 

Como está à vista de todos, foram os críticos que tiveram razão. A Europa está numa crise geral, o desemprego cresceu para valores tremendos, e nenhum dos países do Sul está hoje em melhores condições para pagar a sua dívida pública, pelo contrário, as dívidas cresceram imenso!

Infelizmente para todos nós, a lucidez e auto-crítica do FMI é tardia, e além disso parece-me que não mudará nada de essencial. A Europa continua cega e não quer admitir que errou e que é fundamental mudar de caminho.

A Europa toda? Não. Curiosamente, a Sra Merkel revelou há dias os seus planos de governo para os próximos anos. A Alemanha prepara-se para gastar 20 mil milhões de euros em "auto-estradas" e aumentar a despesa do Estado em muitos outros "subsídios"!

Viva Merkel, a dona da Europa, que obriga os outros a poderosos sacrifícios para depois poder gastar à tripa forra no seu país. Grande senhora, sem dúvida!

 

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Quinta-feira, 06.06.13

A minha profunda desilusão pessoal com Passos Coelho

Fez esta semana dois anos que Passos Coelho venceu as eleições, e dois anos chegaram para o considerar uma das maiores desilusões da minha vida política.

Conheci Passos Coelho em meados da década de 90. Eu era jornalista, n´O Independente, e a minha tarefa era dedicar-me ao Parlamento. Conversava com deputados de todos os partidos, e guardo boas recordações de muitos deles, entre os quais Passos Coelho.

À data, Marcelo liderava o PSD, Marques Mendes era presidente do Grupo Parlamentar, e tinha em Passos Coelho um fiel e dedicado vice-presidente. Na Assembleia da República, Mendes e Passos formavam uma boa dupla. Eram empenhados, lúcidos, e eram também bem dispostos.

Por várias vezes, almocei e jantei com os dois, e dava-me bem com eles. Reservando a necessária distância, imposta pelos cargos deles e pelo meu trabalho, conseguimos desenvolver uma boa relação, de respeito e estima.

No caso de Passos Coelho, formei desses tempos uma boa opinião. Era preparado, atento, e era também simpático, cordial. Além disso era, tal como Mendes, divertido, e parecia bem com a vida.

Embora os tempos nos tenham afastado, quando Passos Coelho se tornou líder do PSD, acreditei que tinha todas as características para convencer o país das suas ideias, e para chegar a primeiro-ministro de Portugal.

Para mais, o seu discurso até vencer as eleições era acutilante, verdadeiro e parecia confiável. Com o país já farto da arrogância de Sócrates, e com a situação europeia a degradar-se a olhos vistos, Passos emergia como uma solução, e pelo que conhecia dele, era fiável.

Embora me pareça que o PSD foi precipitado a rejeitar o famoso PEC IV, pois trocava um ganho de curto prazo (a derrota de Sócrates) por um sarilho de médio prazo (governar Portugal sujeito a uma resgate da troika), acreditei que Passos Coelho o fazia pelas razões que à época explicou ao país.

É fundamental relembrar isto, pois é essa a fonte da minha desilusão. Passos, até vencer as eleições, sempre defendeu que a "austeridade" era o caminho errado. Mais: prometeu não subir impostos, nem cortar salários, subsídios ou pensões!

A sua posição fundamental era a defesa intransigente de um corte na "despesa do Estado"! O seu discurso era a "reforma do Estado", o "corte nas gorduras", as "reformas estruturais", o ataque aos interesses e ao desperdício do Estado!

Inocente e iludido, como muitos, acreditei nele. Apesar de Portugal já ter vistos dois filmes semelhantes, pois tanto Barroso como Sócrates tinham prometido não subir os impostos e depois fizeram-no; apesar disso, eu acreditei que Passos Coelho seria diferente, que se ia manter fiel às suas promessas e às suas prioridades. 

Quando tomou posse como primeiro-ministro, interpretei o "ir para além da troika" como ambição reformista, e desejo de alterar mais regras e comportamentos no Estado, para além do que já estava combinado com a "troika". Nunca me passou pela cabeça que esse "ir além da troika" fosse o que veio a ser.

Nos meses seguintes, já sentado em São Bento, Passos Coelho deu a maior cambalhota política a que Portugal assistiu e fez tudo ao contrário do que prometera.

Prometera não subir impostos e subiu! Prometera não cortar subsídios e cortou! Prometara não cortar salários e cortou! E prometera cortar a sério na despesa do Estado, reformando-o, e...não cortou, nem o reformou em quase nada.

Ou seja, fez o que prometera não fazer e não fez o que prometera fazer!

Para além disso, e para minha grande surpresa, alinhou a 100 por cento pelas teorias da Sra Merkel, impondo alegremente uma "austeridade violenta", e acreditando com a fé de um fanático que isso ia dar bom resultado.

Para quem o conhecia pessoalmente, como eu conhecia, e para quem criara boas expectativas sobre ele, como eu criara, esta conjugação de faltar à palavra, executar piruetas políticas, revelar fezadas infantis e mostrar puras incompetências, danificaram de forma absoluta a ideia que tinha dele.

Hoje, posso dizer que Passos Coelho me enganou, me desiludiu e considero-o mais um político em que não confio, porque não tem palavra, não tem lucidez e não tem competência para o lugar que ocupa.

Mas, o mais grave não é isso, nem a minha desilusão pessoal é muito relevante para Portugal. O mais grave é que Portugal julgou que, ao livrar-se de Sócrates ia para melhor, e foi para pior.

Passos Coelho colocou Portugal num buraco negro bem mais fundo do que aquele que já existia. A recessão é profundíssima, o desemprego assustador, a dívida colossal.

É verdade que a culpa não é só dele. Merkel, Schauble, Rehn e Gaspar são igualmente responsáveis pela desgraça que assola a Europa e Portugal.

Mas, desses eu nunca esperei grande coisa. Nunca me iludiram e, portanto, nunca me desiludiram.  

publicado por Domingos Amaral às 10:18 | link do post | comentar | ver comentários (20)
Terça-feira, 28.05.13

Os falsos mitos económicos da Europa

A Europa está infestada de mitos económicos, histórias falaciosas e fantasias grosseiras, que nos foram vendidas ao longo de duas décadas, e que a deixaram como está, em agonia e com um sombrio futuro pela frente.

E quais são esses mitos que ensombram a Europa? Aqui deixo uma pequena lista:

 

MITO 1 - As dividas dos países do Sul têm de ser pagas, custe o que custar. 

É o mais grave mito que atinge a Europa no presente, onde se mistura uma moralidade de merceeiros com a cegueira dos fanáticos.

Há uma coisa que os europeus deviam meter de vez na cabeça: os países do Sul não têm qualquer hipótese de pagar as dívidas.

Veja-se por exemplo Portugal: a dívida pública atinge 127% do PIB, e a dívida privada, de que se fala menos porque não dá jeito, atinge 340% do PIB.

Sim, leu bem, no total a dívida de Portugal quase chega aos 470% do PIB nacional! E, parecidos connosco, estão a Grécia, a Irlanda, Chipre, a Espanha, a Itália.

Estas dívidas nunca serão pagas.

Enquanto os europeus não perceberem isso, e não reestruturarem as dívidas, e mutualizarem uma grande parte delas, as economias europeias continuarão afocinhadas no desespero e no desemprego.

 

MITO 2 - As exportações vão salvar o crescimento dos países.

É outro mito fantástico, a que os países em crise se agarram, como os náufragos se agarram às bóias de salvação.

Com o consumo e o investimento privados retraídos, e com os gastos dos Estados impedidos de aumentarem, todos olham para as exportações como a salvação das pátrias!

Vã esperança, e patética fantasia. As exportações ajudam, mas não salvam. Não existem praticamente casos de países que tenham saído de recessões profundas só à custa de exportações. 

Para mais, quando quase todos os países europeus querem exportar, para onde vão eles exportar se ninguém quer importar?

 

MITO 3 -  A austeridade orçamental vai resolver o problema das dívidas.

Mais um mito muito promovido pela Europa, em especial pela Alemanha, que durante anos impôs aos outros este caminho.

Como se tem visto, a Europa inteira está em recessão, com um desemprego a crescer para níveis perigosos em muitos países, e não houve qualquer melhoria verdadeiramente significativa, nem nos déficits públicos, nem no crescimento económico, nem na capacidade de pagar dívidas.

Cinco anos depois de 2008, a Europa está cada vez mais pobre e mais paralisada.

 

MITO 4 - A inflação faz mal às economias.

Este é um mito repetido como se fosse um dogma, uma profissão de fé. Contudo, e ao contrário do que dizem os papagaios de poder, para os europeus era precisamente um pouco de inflação que dava jeito agora.

Principalmente no Norte da Europa, pois assim os salários no Norte subiriam mais do que os salários no Sul, permitindo a países como Portugal, Espanha, Grécia, Itália, Irlanda, recuperarem a "competitividade" relativa que perderam.

Mas, quem falar em inflação é queimado em auto-de-fé pela inquisição económica da Alemanha!

 

 

MITO 5 - A liberdade de movimentos de capitais é essencial para a Europa.

Outro terrível mito, que está na origem da maior parte das desgraças financeiras que assolam a Europa.

Infelizmente, foi devido à sagrada liberdade de movimentos de capitais que as economias do Sul se endividaram sem restrições.

Com os capitais a circularem pelos mercados financeiros à velocidade da luz, é impossível controlar as dívidas dos países. 

O que é necessário agora é alguma repressão financeira, que obrigue os bancos e os Estados a uma moderação, e que volte a impor restrições aos seus delírios financeiros.

Se os mercados financeiros não fossem tão livres, e tão gananciosos, talvez não estivéssemos onde estamos hoje. 

 

MITO 6 - A União Europeia não pode ser uma união de transferências dos países ricos para os países pobres

Eis a mitologia europeia em todo o seu esplendor! O mito diz que os povos do Norte não têm de "pagar", e que os povos do Sul não podem viver "à conta" dos do Norte. Pois...

Basta olhar para os Estados Unidos da América para perceber que uma união monetária não significa que vamos ser todos iguais.

Pelo contrário, haverá sempre Estados ricos e Estados pobres; tal como na Europa existirão sempre países ricos e países pobres.

E nos Estados Unidos são os Estados ricos que financiam os pobres, transferindo para lá dinheiros federais.

Se a Europa quiser sobreviver enquanto união monetária, é isso que terá de acontecer. Os países do Norte terão de transferir fundos para os do Sul, gostem ou não. Caso contrário, a união monetária não funciona.

Quem pensar o contrário continua a viver num mundo de fantasia.

 



 

publicado por Domingos Amaral às 12:15 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Terça-feira, 26.03.13

Chipre: como rebentar com um pequeno país

Se, há coisa de cinco anos, algum europeu tivesse dito que um dia se iriam lançar confiscos sobre os depósitos bancários de outros europeus, todos lhe teríamos chamado maluco! Mas, a verdade é que o impensável acontece todos os meses nesta Europa.

A forma como a Europa está a dar cabo de um pequeno país como Chipre é um manual cínico da brutalidade. Depois de ter deixado o país nove meses na expectativa (sim, o pedido de resgate de Chipre foi feito há nove meses!), eis que a Europa inteira se lança numa fúria castigadora contra uma pequena ilhota do Mediterrânio.

Ora tomem lá com confisco de depósitos e os accionistas e depositantes que salvem os bancos, que a Europa não vos vai salvar porque vocês são um paraíso fiscal cheio de russos mafiosos! Sim senhor, e viva a solidariedade europeia. Com amigos destes, quem é que precisa de inimigos?

Havia várias maneiras diferentes de salvar os bancos cipriotas, basta ler qualquer Financial Times ou The Economist para saber que há muitas maneiras de esfolar um coelho, mas a Europa, sempre liderada pela Alemanha, quer dar um "castigo exemplar" ao Chipre.

É este o grave problema europeu. Em vez de admitirem que estamos todos no mesmo barco (o euro), e que foi esse barco que estava mal construído e a meter água desde o primeiro dia, e que por isso era necessário remodelar o barco todo, de cima a baixo; em vez disso, certos europeus preferem o castigo para aqueles que eles elegem como prevaricadores!

A mensagem da Alemanha é sempre a mesma: vocês portaram-se mal e agora têm de pagar por isso! Foi assim com a Grécia, com a Irlanda, com Portugal, com a Espanha, com a Itália e agora também com Chipre.

Para os alemães, todos estes países e povos viveram "acima das suas possibilidades", atolaram-se em "dívidas" e agora têm de fazer "sacrifícios" para se reabilitarem! Há que penar, sofrer o castigo, para depois ressuscitar, já puro e bom!

Esta mensagem moral é de um cinismo atroz. É como se fosse o traficante de droga a dizer ao consumidor que ele agora tem de se sacrificar e muito para ficar saudável. Quem é que nos emprestou o dinheiro para nos endividarmos? Foi a Alemanha! Mas, quem oiça os alemães falar decerto pensará que eles não tiveram nada a ver com isso! 

Veja-se o caso de Chipre. A Alemanha, há um ano, decidiu que os credores privados da Grécia deviam perder dinheiro. Com isso, afundou os bancos cipriotas, que tinham imensa dívida grega. Mas, agora que é preciso ajudar os bancos de Chipre, a Alemanha faz de conta que não teve nada a ver com o assunto, e que nem foi ela que causou a falência dos bancos cipriotas. É tudo culpa do off-shore e dos russos! 

Assim se destrói a Europa, passo a passo. Aquilo que irá acontecer em Chipre nos próximos meses não vai ser bonito de se ver, mas os ricos alemães não querem saber do sofrimento dos outros povos. Desde que eles continuem ricos...

Os pequenos países da Europa que se preparem, pois o futuro vai ser muito difícil. O egoísmo alemão, a fúria moralista cega da senhora Merkel e dos seus ajudantes locais, vai destruir um a um os pequenos países.

Um dia, daqui a uns anos, a Alemanha vai olhar à sua volta e descobrir um círculo de países na miséria, carregados de ódios e ressentimentos contra os alemães. Depois queixem-se...

publicado por Domingos Amaral às 11:43 | link do post | comentar | ver comentários (8)
 

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