Terça-feira, 05.11.13

Última opinião do ministro Crato: Portugal um ano sem comer!

Este Governo, quase todos os dias, dá-nos razões para nos divertir. 

Pode ser um Governo muito duro, muito austero, muito dado a chatear a população com os seus cortes, mas ao mesmo tempo é um Governo com uma capacidade criativa inesgotável, e com um sentido de humor apuradíssimo.

Nas últimas semanas, tivemos por exemplo o "milagre económico" do Dr. Pires de Lima, e o "1640 financeiro do Dr. Portas".

Agora, temos mais uma pérola produzida pelo ministro da Educação, o Dr. Crato.

O que disse ele? Algo muito simples: "só é possível Portugal pagar a sua dívida se ficássemos todos um ano sem comer!" 

É uma frase brilhante, digna de um manual de ciência política, ou mesmo de macroeconomia.

Que digo eu? Que mania que as pessoas têm de levar estas coisas à séria. Eu próprio, às vezes deixo-me contaminar pelos vírus da seriedade!

É evidente que o Dr. Crato estava a dizer uma graçola! 

Dizer que, só ficando um ano sem comer é que se paga a dívida só pode ser piada, pois o Dr. Crato sabe muito bem que ninguém sobrevive um ano sem comer!

O Dr. Crato não quer matar ninguém à fome, como é evidente. E também não quer que ninguém deixe de comer, ou coma menos, para pagar as dívidas.

O que o Dr. Crato quer é ter graça, ser divertido! Quer aliviar a crise com piadas, para que as pessoas se riam, e se sintam um pouco melhor a rir.

Na verdade, o que o Dr. Crato quis dizer foi que é impossível pagar a nossa dívida!

Ao explicar que, só ficando um ano sem comer, (uma impossibilidade biológica que conduziria à morte), é que pagamos a dívida, o Dr. Crato está a dizer que é impossível pagá-la, e portanto temos de procurar outras soluções.

Ou terei sido eu a perceber mal?

Bom, na verdade o que me encanta nisto tudo é que até nas piadas o Governo é mal coordenado.

Então numa semana o Dr. Pires de Lima diz que está a acontecer em Portugal um "milagre económico" e na semana seguinte o Dr. Crato diz que, para pagar a dívida, só ficando sem comer um ano?

Não haverá aqui, por assim dizer, uma certa incoerência nas graçolas? 

Se está a acontecer um "milagre económico" para quê ficarmos todos um ano sem comer?

Ou será esse o "milagre económico", salvar o país conseguindo que ele não coma um ano inteiro?

Vou telefonar ao Ricardo Araújo Pereira, para o avisar para ele se pôr a pau, que este Governo é concorrência forte para ele...

 

publicado por Domingos Amaral às 12:36 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Quinta-feira, 31.10.13

Portas e Passos: alguém percebe alguma coisa do que eles querem?

Nos últimos dias, temos assistido a um verdadeiro espectáculo de comunicação política!

Num dia, Paulo Portas declara, com pompa, que o Estado deve ser reformado!

Os impostos, o IRS, por exemplo, deverá descer, e para isso será nomeada uma comissão, para propor medidas para 2015, se isso for possível, é claro.

A segurança social, deverá ter plafonds, coisas fofinhas onde todos teremos a reforma garantida, e menos contribuições para pagar.

Os funcionários públicos, esses deverão ou ser despedidos, ou então ser aumentados, quando forem génios de qualidade.

A despesa geral do Estado, onde for possível, deverá diminuir, mas a qualidade dos serviços deverá aumentar, com mais investimento.

Por fim, escolas e hospitais e muitos serviços que tenham qualidade, poderão ser privatizados, ou dados em concessão.

Atenção, tudo isto se passará no futuro, num local mítico e fantástico, onde o "milagre económico" que já existe na cabeça do Dr. Pires de Lima nos conduzirá em breve.

Em que ano será esse futuro, perguntam os portugueses?

Bem, ninguém sabe. O Dr. Paulo Portas acredita que será no ano 2%, um ano qualquer daqui para a frente, em que a economia cresça 2%.

Ou seja, o nosso maravilhoso futuro colectivo depende do crescimento económico.

E o crescimento económico depende de quê? Isso o Dr. Paulo Portas não sabe, ou não diz.

Porém, no dia seguinte, o Dr. Passos Coelho apresenta o orçamento, e diz que, no presente, as coisas são diferentes do futuro do Dr. Paulo Portas.

No presente, haverá o oposto do que haverá no El Dorado do futuro.

No presente, alguns impostos sobem, o IRS não mexe, as pensões descem, os salários dos funcionários públicos levam fortes cortes, e não há qualquer plafond fofinho onde assentar as nossas reformas. 

Ah, e no presente, já me esquecia, é possível que muitos dos funcionários públicos que no futuro seriam considerados génios e aumentados pelo Dr. Portas, sejam no presente, ou no próximo ano, despedidos ou convidados a sair pelo Dr. Passos.

É este o país que nós temos, um país onde os economistas que têm dúvidas são "masoquistas", nas palavras do Dr. Cavaco; onde há um "milagre económico" a acontecer à frente dos nossos olhos, nas palavras do Dr. Pires de Lima, e onde o Dr. Portas vive num futuro radioso, e o Dr. Passos obriga milhões a apertar ainda mais o cinto, para que ele não falhe, o que como se sabe, é o mesmo que o país falhar.

A mim, estas coisas lembram-me o que o Obelix sempre comentava: "estes romanos são doidos!"

E depois ainda dizem que era o Eng. Sócrates que andava sempre a confabular e a tentar iludir-nos com as suas verdades...

publicado por Domingos Amaral às 15:18 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Quarta-feira, 16.10.13

Desta vez, Portas e Passos estão nisto juntos, e enterrados até ao pescoço!

Desta vez, com o Orçamento para 2014, não há divisões na coligação.

Não há PSD para um lado, e CDS para o outro.

Desta vez, não há linhas "vermelhas", ou "se me perguntarem se eu concordei eu digo que não concordei".

Desta vez, não há Vítor Gaspar acima de Portas, como número 2 do Governo, uma coisa humilhante que causava mal estar.

Desta vez, não há nada disso.

Com a remodelação, Portas passou a número 2 e a todo poderoso da economia, e até negoceia com a troika.

E Pires de Lima, que fora do Governo era um crítico, dentro é apenas mais um dos seguidores.

Desta vez, Portas e Passos são uma entidade única, há um Governo unido, para o bem e para o mal. 

A margem de liberdade, ambígua mas inteligente, que Portas adquirira ao longo de dois anos, esfumou-se.

Portanto, o que devemos concluir é que este orçamento de 2014 é o primeiro em que há uma genuína união entre PSD e CDS, e que ambos o apoiam sem qualquer reserva.

E isso é que é estranho, pois este pode vir a ser o mais duro orçamento deste Governo.

Além disso, é um orçamento que demonstra, mais do que qualquer outro até agora, que o Governo não só não aprendeu com os erros, como entre a crença e a eficácia, escolhe sempre a crença.

Em primeiro lugar, o Governo devia aprender com os erros, económicos e constitucionais.

Em 2012, houve cortes profundos na despesa, quebra de salários e retirada de subsídios aos funcionários públicos.

Qual foi o resultado? Uma recessão muito profunda, muito desemprego, e muita perda de receita fiscal.

Além disso, o Tribunal Constitucional vetou a repetição dessas medidas em 2013.

Assim, o Governo mudou a estratégia, e para 2013 aumentou os impostos, sobretudo o IRS.

O que se verificou? A recessão foi bem menos grave que em 2012, e há claros "sinais positivos" de recuperação.

O que é que as pessoas inteligentes deviam deduzir destes resultados? Que a economia se adapta melhor à subida de impostos do que ao corte na despesa!

É essa a lição dos últimos 2 anos: cortar na despesa causa mais recessão do que subir os impostos!

E, ainda por cima, subir os impostos tem a vantagem de não ser uma estratégia inconstitucional!

Mas, aprendeu o Governo essa lição?

Nada disso. Para 2014 o Governo vai voltar a apostar num violentíssimo corte de despesa, repetindo o erro de 2012.

E, também no plano constitucional, faz novo braço de ferro com o TC, que já no passado por várias vezes avisou que os cortes salariais deviam ser transitórios...

Porque é que o Governo faz isto? Porque é que não aprende com os erros?

A única explicação para a persistência nesta estratégia de "corte brutal na despesa" não pode ser a "troika", pois a "troika" já permitiu várias soluções diferentes, desde 2011 até agora.

O que a "troika" impõe são as metas, não os caminhos para lá se chegar, esses foram variando, ano após ano.

A explicação é outra: é uma questão de crença fortíssima, quase de fé.

Há uma crença profunda entranhada no centro-direita português, tanto no PSD como no CDS.

Para a maioria das pessoas de direita, há uma trindade dogmática de crenças:

1- O peso do Estado tem de ser diminuído

2- Cortar na despesa é essencial

3- Qualquer subida de impostos é terrível.

Quando se acredita nisto como quem acredita na Santíssima Trindade, em Deus Pai, Filho e Espírito Santo, as pessoas perdem alguma lucidez para ver a realidade que está à frente dos seus olhos.

O centro direita português quer transformar essa crença em realidade, sem ter percebido uma coisa essencial, que há muitas décadas muitos economistas perceberam: quando se está numa recessão, o comportamento das pessoas é diferente, e as soluções não funcionam da mesma maneira.

A "economia da recessão" é diferente da "economia da expansão" ou da "economia da estabilidade".

Soluções que funcionam num momento, são desastrosas noutro momento.

Por isso, as pessoas deviam deixar as suas crenças de lado, e tentar a melhor solução.

A economia não é uma questão de fé, mas sim de eficácia.

Portanto, se tudo falhar, como pode falhar, Portas e Passos desta vez vão morrer juntos, atrelados à sua crença quase religiosa que este é o único caminho.

Não é, mas tal como na religião, também na economia o fanatismo das crenças costuma cegar as pessoas.

publicado por Domingos Amaral às 12:37 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Sexta-feira, 04.10.13

A economia está melhor, mas ninguém vai sentir muito...

Ontem, a "troika" aprovou as suas avaliações a Portugal, e o Governo confirmou que as medidas austeras são para manter em 2014.

No entanto, Passos, Portas e a "troika", todos nos dizem que a economia "está melhor", e que 2014 será "melhor" que 2013.

É provável que assim seja, mas no seu quotidiano a maior parte dos portugueses não irá sentir muito essas melhorias.

O desemprego pode descer umas décimas, mas os impostos continuarão altos, as pensões sofrerão cortes, bem como os salários dos funcionários públicos.

O crédito também não aliviará muito, nem para as empresas, nem para os particulares.

Tal como durante tantos anos no passado, parece haver uma disfunção clara entre uma entidade abstrata chamada Portugal, e a vida real dos portugueses.

Durante quase uma década, entre 2002 e o presente, os números económicos e financeiros de "Portugal" nunca foram brilhantes.

O crescimento foi fraco, com poucas excepções; o déficit esteve sempre alto, fora dos limites de Maastricht; o déficit comercial foi-se agravando sempre, porque havia muito mais importações do que exportações; os impostos foram sempre subindo; etc, etc.

No entanto, como havia crédito fácil e todos se endividavam (Estado, empresas e pessoas), havia sempre muito dinheiro disponível, e este "efeito riqueza" dava a ilusão a todos que se vivia cada vez melhor.

E, de facto, era verdade. Os portugueses viveram bem, mesmo que os números de Portugal fossem medíocres.

Agora, no presente, e depois de uma violentíssima crise financeira e económica, o que ouvimos é o oposto.

Os números de Portugal começam a melhorar. Há mais crescimento, menos déficit, ligeiramente menos desemprego.

Porém, os portugueses sentem-se muito pior, e todos se habituaram a viver com muito menos dinheiro do que antes.

É estranho, mas os portugueses não parecem ser os habitantes dessa entidade mítica chamada Portugal.

Há entre eles e Portugal um desfasamento permanente, como se não conseguissem acertar com o passo um do outro numa dança.

Quando Portugal parecia anémico, os portugueses dançavam vertiginosamente.

Quando Portugal parece arrebitar, os portugueses estão macambúzios e deprimidos...

Será que algum dia o passo desta valsa acerta? 

publicado por Domingos Amaral às 11:31 | link do post | comentar | ver comentários (3)
Segunda-feira, 30.09.13

A vitória das esquerdas e a armadilha de Passos Coelho

Ontem, aconteceu o que muitos esperavam. As esquerdas voltaram a crescer, o PSD foi derrotado fortemente, e o CDS aguentou-se bem.

As esquerdas, do PS e da CDU, são quem pode cantar vitória, e pelos vistos a Grândola que se foi ouvindo no último ano, um pouco por todo o país, era um indicador que a CDU estava a renascer.

Se há alguém que pode cantar vitória, são os comunistas, ganharam muitas câmaras e ganharam bem, embora em Lisboa tenham descido.

Também o PS e Seguro são vencedores, muitas câmaras ganhas, maior partido autárquico, essas coisas.

O CDS aguentou-se, fez o "penta" de câmaras, e quem esperava ver Portas como um derrotado, enganou-se redondamente.

A tal crise "Portas", que tanta gente dizia que o iria penalizar, não passou de um mito.

Portas resiste, e até vence no Porto. 

Quanto ao PSD, só não foi uma hecatombe pior porque o PS perdeu câmaras para a CDU, caso contrário teria sido uma catástrofe para Passos.

No entanto, ele é cada vez mais um líder preso nas próprias armadilhas que criou, para si e para o país. 

Há pouco mais de dois anos, Passos vencera as eleições, derrotando Sócrates, e vinha cheio de confiança que ia construir um país novo, liberal e eficiente.

Disse, com convição, que iria para além da "troika", no seu programa de Governo.

Pelos vistos, a cegueira era total.

Passos nunca chegou a perceber o sarilho em se meteu, pois governar nestas condições seria sempre terrível, uma vez que o país iria ser obrigado a brutais sacrifícios por uma Europa de fanáticos da austeridade.

Dois anos e alguns meses depois, o resultado está à vista.

Passos gerou uma brutal crise económica, com um desemprego altíssimo e uma recessão fortísissima, os alimentos para o crescimento das esquerdas e sobretudo da CDU.

Além disso, alienou durante dois anos o PS, ignorando-o e hostilizando-o.

Pelos vistos, quem ganhou com isso foi Seguro, que todos subestimavam, mas está cada vez mais líder do PS.

No meio desta trapalhada toda, Passos desprezou também o CDS de Portas, não o ouvindo, não o amansando, o que levou Portas a deitar a toalha ao chão em Julho.

Os bem pensantes quiseram dar cabo dele, mas o que diz o povo? Portas cresce, é o que diz o povo, ouviram?

Portanto, temos hoje um primeiro-ministro cada vez mais pequenino e frágil.

Passos está na armadilha que criou a si próprio. 

A sua estratégia política, de afrontamento permanente, falhou; e a sua estratégia financeira de austeridade, também falhou.

Resta apenas saber se o falhanço será brutal, com a necessidade de um segundo resgate, ou será menos mau, com o tal programa cautelar.

Isto tinha se ser assim, não havia outro caminho a não ser a austeridade e o afrontamento?

Claro que havia, mas Passos quis ser "liberal" e "firme", e acabou assim, cada vez mais frágil, cada vez mais pequeno, cada vez mais solitário.

E o país, como se safa desta?

Ninguém tem certezas. Ainda há uma pequena margem para evitar o segundo resgate, mas ontem ficou ainda mais estreita.

Como sempre aqui escrevi, a brutal austeridade iria colocar o país numa terrível armadilha, a armadilha da dívida, donde não se consegue sair, e onde há crises e ranger de dentes permanentes.

Esta crise é mais uma, e mais haverão nos próximos tempos...

publicado por Domingos Amaral às 10:32 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Terça-feira, 24.09.13

Troika, 1 - Portas, 0

Depois das declarações de ontem de Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu, a guerra pela flexibilização do déficit está, para já, perdida.

Portas e Pires de Lima, bem como Cavaco, os parceiros sociais, muitos economistas e toda a oposição, queriam a subida do déficit para 4,5% ou mesmo mais.

Com isso, ganhavam margem, ou para descer o IRC e o IVA ligeiramente, ou para cortar menos nas pensões e nos salários.

A ideia, perfeitamente legítima e compreensível, era dar mais força à recuperação económica e tentar criar emprego, conseguindo subir o PIB, e assim fazer cair o rácio da dívida sobre o PIB.

Porém, pelo caminho agravava-se o déficit um pouco, o que podia dar uma ideia de fraqueza, e agravar a percepção negativa que os mercados têm de Portugal, fazendo subir as taxas de juro da dívida, e provavelmente arriscar um segundo resgate.

Foi assim que Draghi justificou a recusa do BCE em flexibilizar o déficit.

"Podia causar perturbação", ou "mesmo reacções brutais" nos mercados.

Ou seja, e também é importante que se perceba isso, Portugal não pode flexibilizar o déficit não apenas por razões domésticas, mas sobretudo por razões europeias.

Draghi, como muitos, sabe que a situação financeira na zona euro é instável, e qualquer faísca pode reacender o incêndio que ele conseguiu apagar a partir de Setembro do ano passado.

Com instabilidade na Grécia, em Chipre, em Itália, na Eslovénia, na Espanha, na Irlanda e em Portugal, o BCE não se pode dar ao luxo de mostrar "flexibilidade" com o nosso país.

Contudo, essa dureza, a continuação da austeridade, trará problemas adicionais, e a recuperação da economia do país será mais lenta.

Internamente, nesta primeira pequena batalha contra a "troika", Paulo Portas perdeu, pois as suas teses não vingaram.

Resta saber se isso nos conduz para uma melhor ou pior situação.

Mais austeridade é travagem no crescimento, menos emprego, e por isso também menos receitas fiscais.

Sendo o que os credores exigem, não é nada certo que seja a melhor solução para todos, devedores e credores.

Dois anos de austeridade não melhoraram a situação de Portugal, pelo contrário. Mais do mesmo, são mais problemas parecidos, não menos.

Não é assim que se consegue sair da armadilha da dívida em que muitos países europeus estão.

Mas esta é uma luta desigual. De um lado, Merkel, Draghi, os mercados. Do outro, pequenos países que têm pouca força para fazer vingar as suas ideias.

Não devia haver dúvidas sobre para que lado a balança pende... 

publicado por Domingos Amaral às 11:24 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Terça-feira, 17.09.13

Portas é muito mais hábil do que Passos Coelho

Ontem, e pela primeira vez em mais de dois anos, a reunião do Governo com os parceiros sociais correu bem.

No final, com a excepção da CGTP, todos os parceiros sociais alhinharam a uma só voz com o Governo.

UGT, patrões, confederações, num consenso raro, pediram o mesmo que o Governo: a troika deve aceitar um deficit maior para 2014.

A isto chama-se "consenso nacional", e foi isto que muita gente criticou o Governo por não fazer.

Nem Passos, nem Gaspar, nem o pobre Santos Pereira, conseguiram gerar esses consensos, e foram criticados por isso.

Ora, logo na primeira reunião a que presidiu, já com as suas novas funções depois da remodelação de Julho, Paulo Portas conseguiu "o consenso" de forma natural.

E conseguiu-o porque trabalhou para isso acontecer.

Para chegar a um "consenso" é preciso trabalho, cedências, paciência. 

O "consenso nacional" não nasce de geração espontânea, como as ervas ou o sol todos os dias. Dá muito trabalho chegar a um consenso, e é por isso que ele é sempre tão raro e valioso.

Mas, há uma coisa que eu sei: é que para chegar a um consenso não se pode ficar na nossa trincheira ideológica, não se pode ser radical nas posições.

Infelizmente, foi isso que o Governo de Passos e Gaspar sempre foi, radical e inflexível. O resultado foi péssimo, para todos.

Paulo Portas, está visto, tem uma habilidade diferente. 

Não está tão preocupado com ideologia radical liberal, nem com princípios vagos e modelos de Excel. Sabe que, para uma política ser aceite pelas populações, é necessária a participação dos parceiros sociais, o seu envolvimento nas decisões.

E, para isso, contrói unidade, em vez de semear discórdia. 

Como eu sempre aqui disse, Portas pagou um preço alto por ter dado um murro na mesa, mas no fim ganhou, e tem hoje mais poder para influenciar a governação do país.

Pelo que já podemos ver, Portugal só ficou a ganhar com isso.

Pelo menos consenso económico e social já voltámos a ter, e isso a Portas se deve.

publicado por Domingos Amaral às 11:19 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Sexta-feira, 06.09.13

Será que vamos mesmo regressar aos mercados?

Uma das crenças sempre muito promovida nos últimos tempos, foi a ideia de que, se o Governo cortasse na despesa e mostrasse convicção reformista, os juros da dívida pública portuguesa iriam descer.

É evidente que existe uma ligação, mas não é assim tão forte, e não explica a maior parte das subidas ou descidas das taxas.

Veja-se por exemplo o que tem estado a acontecer nas últimas semanas.

Apesar dos resultados económicos portugueses terem melhorado, com algum crescimento no segundo trimestre; apesar da queda, embora ligeira ainda, do desemprego; apesar da melhoria constante das exportações; apesar do excelente ano do turismo; apesar disso tudo, as taxas de juro da dívida pública continuam a subir, e tocam já nos 7%.

Mesmo com um esforço do Governo em mostar "credibilidade", mesmo passados os efeitos da crise política de Julho, que apesar de tudo teve uma resolução de estabilidade e continuidade, os mercados financeiros continuam a exigir juros altos a Portugal.

E, o fenómeno não se dá só connosco.

Também outros paíes sentem essa subida, como a Irlanda ou a Grécia, e até um pouco a Alemanha.

Então o que faz subir as taxas, se não é comportamento dos Governos, o que é?

Os mercados financeiros sabem que, a partir do final do ano, e no próximo, vão ser retiradas as compras de obrigações americanas por parte do FED, e sabem que isso vai diminuir a liquidez geral.

Com menos dinheiro nos mercados financeiros, as taxas começam a subir, seja na América, seja em qualquer lado do mundo.

Sobem nos mercados emergentes, provocando crises cambiais na Índia ou no Brasil; e sobem também na Europa, seja em Portugal, seja na Alemanha.

Uma decisão americana importante, embora apenas anunciada e ainda não praticada, provoca logo estes efeitos todos.

E nem as palavras de Mario Draghi, que promete manter as taxas do BCE baixas o tempo que for preciso, tiveram um efeito calmante.

Na Europa, o BCE não compra dívida pública como o FED faz na América, e só pode mexer nas taxas.

No entanto, elas estão próximo de zero, e a eficácia de mais descidas é quase nula.

Assim, com receios de um futuro menos líquido, as taxas da dívida pública sobem, e Portugal fica na embaraçosa situação de não conseguir emitir mais dívida.

Culpa nossa?

Não, nunca foi só culpa nossa, desde 2009 que estes fenómenos sistémicos são mais fortes que os nacionais.

Mas, quem passou anos a dizer que era mérito de Passos o regresso aos mercados, como se fosse apenas o trabalho do Governo que explicasse a descida das taxas, terá dificuldades agora em explicar porque não podemos emitir.

Aqui, no pátio da nossa paróquia, temos a mania de achar que o que fazemos é que é importante.

Os cortes na despesa, os vetos do Tribunal Constitucional; a demissão de Portas; tudo serviu para se construir uma narrativa "nacional" da subida, ou descida, dos juros, colocando o mérito no Governo e o demérito nos juízes ou no imprevisível Portas.

Contudo, essa narrativa peca por defeituosa.

Os juros da nação sobem mais com as acções do FED do que com os amuos de Portas!

Um veto do TC, por mais impacto que tenha, não vale nada ao pé das palavras de um Bernbanke ou de um Draghi.

Os portugueses vivem numa moeda que não controlam e a sua capacidade para influenciar os juros é diminuta.

Mas, ninguém quer aceitar esta evidência.

Para Passos, se não conseguirmos voltar aos mercados, a culpa será sempre do TC ou de outro português qualquer.  

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Quinta-feira, 11.07.13

O Presidente Cavaco e a "armadilha da dívida"

Cavaco, ontem à noite, tentou acabar com o recreio.

O que ele vem dizer é que as lideranças partidárias de Passos, Seguro e Portas, andam a perder tempo em irredutibilidades que não contribuem para a estabilidade do país nesta hora difícil.

Colocou a parada alta, mas não demais. 

O que Cavaco pede, na fase 1, é que os partidos partilhem a responsabilidade do estado do país e partilhem também o poder. 

Não será nada fácil de conseguir o "compromisso de salvação nacional" exigido pelo Presidente.

Mas, ninguém pode dizer que é impossível.

Se cada parte ceder um pouco, é possível encontrar uma zona de consenso comum.

Não é impossível manter a credibilidade e ao mesmo tempo aliviar um pouco a austeridade.

Não é impossível cumprir o memorando e ao mesmo tempo promover o crescimento económico.

Não é impossível ser rigoroso e ao mesmo tempo lutar na Europa por soluções mais inteligentes e solidárias.

Nada disto é impossível, embora seja muito difícil de transformar estes princípios gerais numa solução governativa estável e duradoura.

Na verdade, existem apenas duas lideranças que podem sabotar o compromisso pedido pelo Presidente: Passos e Seguro.

Paulo Portas, chefe de um partido menor, será sempre menos importante numa solução a três, e provavelmente não fará ondas.

Mas Passos e Seguro podem torpedear qualquer acordo.

Passos porque, a haver compromisso, o mais certo é ele passar pela sua saída de primeiro-ministro. 

Teoricamente, ele até pode aceitar apoiar um governo no qual não esteja sentado, mas será sempre visto como um derrotado, pois a sua linha de afrontamento geral ao PS, aos parceiros sociais e ao Tribunal Constitucional será abandonada de vez, bem como a maior parte das suas ideias "neo-liberais", que tão fracos resultados deram.

Já quanto a Seguro, o que se lhe pede é uma inversão de rota brusca, pelo menos durante um ano. Até ontem, Seguro sempre pediu eleições, e extremou tanto a exigência que tem pouco espaço para recuar. Não sendo impossível, é-lhe doloroso. 

Só que, se Passos e Seguro não fizerem um esforço de compromisso, pelo menos até Junho de 2014, podem acabar mais cedo do que previam as suas carreiras políticas.

Se os três partidos não se entenderem, o mais certo é Cavaco passar à fase 2, e lançar um governo de iniciativa presidencial.

Nesse caso, nem Passos nem Seguro ganhariam nada. Ficariam com muita responsabilidade pela crise e sem nenhum poder para a aliviar. 

E ficariam anulados, pois qualquer solavanco que criassem levaria Cavaco a apontar-lhes o dedo, responzabilizando-os pelo caos.

Passariam para uma espécie de limbo político, onde não eram poder nem eram oposição, sendo sempre eternamente responsabilizados, o PS porque é o "pai da dívida", o PSD porque é o pai da "austeridade e do desemprego".

Por muito que custe a todos, a solução mais inteligente e serena seria PSD, PS e CDS apoiarem um novo de governo, liderado por alguém em quem Cavaco confie, e que durante um ano faria o possível para diminuir a austeridade interna sem perder a credibilidade externa. 

A política partidária ficaria mais ou menos suspensa durante doze meses, e depois tudo poderia recomeçar a partir de Junho de 2014. 

Embora a questão de fundo não se resolvesse, haveria uma transitória acalmia da hostilidade e da crispação geral em que estamos.

E, entretanto, a Europa podia evoluir. 

O que mais esta crise prova é que a "armadilha da dívida", em que alguns países europeus se encontram, não consegue ser resolvida por eles, individualmente.

Como já se viu na Grécia e em Itália, os sistemas políticos, impedidos de desvalorizar a moeda, não têm solução para a "armadilha da dívida" e por isso as crises se repetem. 

Enquanto a Europa não perceber isso, e não usar o seu tremendo poder para resolver a "armadilha da dívida", países como Portugal, Grécia, Chipre, Itália, Espanha e até a Irlanda, irão viver em sucessivas crises, com o sistema político aos solavancos.

A "armadilha da dívida" colocou estas democracias e os seus políticos numa situação terrível: eles podem sempre piorar as coisas, mas nunca as conseguem melhorar ou vencer em definitivo!

É essa a tragédia da Europa, e de Portugal.

E ainda só vamos a meio do filme.  

publicado por Domingos Amaral às 12:09 | link do post | comentar | ver comentários (5)
Terça-feira, 09.07.13

Portas devia gritar bem alto: "é a economia, estúpidos!"

Em Portugal há uma célebre frase popular que diz: "quem não percebe a bem, percebe a mal".

Assim foi durante quase dois anos com Paulo Portas, não o entenderam "a bem".

Sempre que Portas tentou usar o seu poder positivo, foi ignorado por Passos e Gaspar.

Foi assim na TSU, nos afrontamentos ao Tribunal Constitucional, na taxa dos pensionistas, no "aumento enorme de impostos".

"A bem", dentro do Governo, Portas tentava persuadir Passos e Gaspar que esse não era o caminho certo. E "a bem", ninguém lhe ligava.

O poder de persuasão de Portas revelara-se pois ineficaz. O PSD de Passos ignorava-o, humilhava-o, e pior do que tudo, não reconhecia o erro. 

Quando a carta de Gaspar é conhecida, na segunda-feira, gera-se um novo momento de possibilidade de mudança, mas Passos rapidamente mostra que nada quer mudar. Ou seja, que nada percebera, e nada mudaria "a bem".

Ora, "quem não percebe a bem, percebe a mal", e por isso Portas passou do poder positivo ao poder negativo, demitiu-se e lançou um início de caos em Portugal.

Com isso, arriscou tudo: a sua permanência no Governo, a sua popularidade crescente, a sua carreira política.

Foi um jogo de alto risco, mas no final talvez tenha valido a pena.

Confrontado com a sua eminente queda, que lhe seria fatal, Passos Coelho percebeu a linguagem do poder negativo de Portas de uma forma límpida.

Ele, que sempre o ignorara, acabou a pedir-lhe para ficar, pois sabia que a saída de Portas seria o fim da linha.

Não entendeu "a bem", mas entendeu "a mal".

E o que fica depois disto?

Bom, pelo menos a esperança que Portas consiga convencer a "troika" que muita coisa tem de mudar para Portugal sair deste buraco. 

Não se trata tanto de "bater o pé à troika", com trejeitos de toureiro, mas sim de persuadir a Europa a mudar linhas essenciais do programa do ajustamento.

A "troika" não admite já baixar o IVA da restauração na Grécia? Porque não também por cá? 

Mudar de uma estratégia de "austeridade dura" para uma "amiga do crescimento económico" não será simples, nem fácil, mas vale a pena tentar.

Pela minha parte, já aqui escrevi que a única forma da Europa resolver o problema das "dívidas soberanas excessivas" é através da "mutualização das dívidas", num fundo Europeu comum.

Não haverá infelizmente crescimento antes de se arrumar a questão do peso brutal das dívidas. 

Mas, mesmo que isso não seja possível no curto prazo, é imperioso largar a "austeridade dura" e relançar a economia, pois não é com um milhão de desempregados que se pagam as dívidas do país.

Aos críticos de Portas apetece relembrar a frase de James Carville, o estratega eleitoral de Bill Clinton: "é a economia, estúpidos"! 

publicado por Domingos Amaral às 11:00 | link do post | comentar | ver comentários (6)
 

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