Quinta-feira, 13.12.12

Os alemães deviam lembrar-se melhor da sua História!

Sempre que vejo na televisão o ministro das Finanças alemão, o Sr. Schauble, penso que se calhar ele já não se lembra bem da História do seu próprio país, a Alemanha.

Quando fala na dívida pública dos países como Grécia, Portugal e Irlanda, ele nunca quer ouvir falar em "perdão de dívida", nem sequer em "renegociação" ou "reestruturação" da dívida. Para ele, esses países têm de pagar o que devem, e mais nada! Quanta falta de memória...

A História da Alemanha no século XX é uma lição sobre o que se deve e o que não se deve fazer quando a dívida pública atinge valores astronómicos, e o Sr. Schauble, e outros que tais, deviam meditar sobre os ensinamentos que se podem, e devem, retirar do passado.

Logo após o fim da I Guerra Mundial, o tristemente célebre Tratado de Versailles obrigava a Alemanha, que perdera a guerra, a pagar elevadíssimas "reparações". Com sede de vingança, vontade de castigar e muita cegueira, americanos, franceses e ingleses, obrigaram a Alemanha a enormes sacrifícios, fazendo a dívida pública do país crescer para valores astronómicos.

O resultado não foi bonito de se ver. Atrofiada num mar de dívidas, a Alemanha sofreu horrores. Dois surtos de hiperinflação brutais, nos anos 20, e duríssima austeridade, em especial entre 1930 e 1933, aplicada pelo chanceler Bruning, que viria a ficar conhecido como "o chanceler da fome". A recessão, o desemprego e a fome foram de tal ordem, que geraram um caos de onde emergiu uma calamidade maior ainda: Hitler. A austeridade fanática gerou um monstro.

Contudo, europeus e americanos não aprenderam à primeira. Depois da Segunda Guerra Mundial, em 1945, também foram impostas fortíssimas obrigações à Alemanha, uma enorme austeridade que fez crescer brutalmente a sua dívida pública, provocou uma recessão e impediu a recuperação económica.

Só oito anos depois do fim da guerra (!), em 1953, é que o mundo percebeu que esse caminho não funcionava, e decidiu finalmente perdoar a dívida pública alemã. 63 por cento da dívida da Alemanha foi perdoada, naquela que foi uma decisão histórica e que permitiu ao país sair do buraco em que se encontrava, ao mesmo tempo que aplicava o Plano Marshall.

Para quem pense que a história acabou aqui, não é assim. Nos anos 90, depois da reunificação das Alemanhas, o novo país ficou com uma enorme dívida pública, e foi com a ajuda dos europeus que a conseguiu reestruturar, absorvendo assim a Alemanha de Leste.

Há lições a retirar destes casos, em especial para a Alemanha, e a principal é esta: a partir de certo limite, não vale a pena forçar os países a enormes sacrifícios para pagar as suas dívidas, porque isso não resulta. O melhor é perdoar, e recomeçar do zero.

Se há país que sofreu na pele com a teimosia e a estupidez dos credores, esse país é a Alemanha, e por isso mesmo devia saber o que funcionou e o que não resultou. Quem tanto sofreu, não devia ser tão duro com os outros.   

 

publicado por Domingos Amaral às 11:20 | link do post | comentar
Quarta-feira, 05.12.12

Uma Alemanha fortíssima numa Europa fraquíssima

Angela Merkel é adorada na Alemanha, mas poucos gostam dela no resto da Europa. Não admira. Enquanto a Alemanha se encontra forte e em grande forma, à sua volta espalha-se uma crise gravíssima. Merkel foi ontem reeleita líder pela sua CDU, que a aplaudiu de pé durante oito minutos, mas fora das suas fronteiras a apreciação é diferente.

É o que acontece a quem se especializou em dizer "Não" a tudo. Desde 2009, ano em que foi reeleita para chanceler da Alemanha, Merkel esteve sempre contra as mudanças necessárias para a Europa sair da crise. Não, não e não, foi a sua resposta inicial a qualquer ideia que pudesse ajudar a Europa. Foi essa a política da Alemanha: dizer Não, mesmo que uns meses depois fosse quase sempre obrigada a aceitar mudanças.

É importante recordar o seu primeiro Não. Foi em 2009, quando disse que a Alemanha não garantia a dívida dos outros países. Esta declaração, talvez a mais grave de todas, gerou uma crise de confiança nos mercados da dívida soberana. Se a Alemanha, o país mais rico e mais poderoso do euro, não ajudava, então quem ajudava? As taxas de juro de países como Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha, Chipre, Itália, e mesmo França e Bélgica, desataram a subir. A crise rebentou.

No início de 2010, Merkel disse o seu segundo Não: não queria um resgate europeu à Grécia. A Grécia afundou cada vez mais, e em meados desse ano, a Europa inteira e o FMI lá acabaram por reconhecer que não havia outra solução, e a Grécia foi mesmo resgatada, embora em condições terríveis e com juros altíssimos, o preço imposto pela Alemanha para aceitar esta contrariedade.

Com a Irlanda e com Portugal, o mesmo filme: primeiro Não, depois lá teve de ser o Sim, com imensa relutância e ferozes cláusulas. E o mesmo se passou com os mecanismos europeus de financiamento aos países, o FEEF e o MEE. Primeiro, a Alemanha disse Não, mas lá acabou por dizer que sim, sempre contrariada.

Situação semelhante se aplicou ao Banco Central Europeu. Quando Mario Monti falou na possibilidade do BCE comprar dívida soberana nos mercados secundários, logo a Alemanha disse Não! Meses mais tarde, aceitaria o sim. Para a união bancária, a mesma reação. Primeiro um rotundo Não, depois um lento e complexo sim, sempre cheio de travões e condicionantes.

Ao longo de três penosos anos, a Alemanha nunca teve uma visão política para a Europa, que pudesse corrigir as deficiências da união monetária e ultrapassar a crise. Manteve-se obstinada nos seus Nãos, limitando-se depois a fazer o mínimo necessário para que o euro não implodisse. Com isso, perdeu-se tempo, e a crise assentou arraiais na Europa do Sul, ameaçando agora a chegar à França e à Alemanha.

Esta postura de Merkel teve naturalmente o aplauso dos alemães. Na verdade, ela colocou sempre o interesse da Alemanha à frente de tudo e de todos. E o seu interesse pessoal também, pois como todos os políticos ela quer ser reeleita em Setembro de 2013. O único problema é que, para ser amada na Alemanha, ela irá pagar um alto preço, pois a crise na Europa não tem fim à vista.

É pena que Merkel não seja, como Kohl ou Adenauer, seus heróis da CDU, uma chanceler alemã que olhe para a Europa não como um bando de países irresponsáveis que a Alemanha tem de meter na ordem, e de aturar a contragosto, mas como uma união essencial para o mundo e, sobretudo, para todos os europeus.

publicado por Domingos Amaral às 12:02 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Terça-feira, 04.12.12

Um Governo subserviente aos alemães e desorientado com os portugueses

Se há coisa que incomoda neste Governo é a subserviência à Alemanha, que é todos os dias evidente. Na semana passada, depois do Eurogrupo ter tomado importantes decisões sobre a Grécia, muitas delas contra a vontade da Alemanha, vieram logo Passos e Gaspar dizer, com alegria e entusiasmo, que Portugal ia beneficiar dessas decisões, talvez com descidas de juros e mais tempo.

Mas, logo nos dias seguintes, e apesar da fanfarra dos jornais em Portugal, começaram a ouvir-se vozes europeias e dizer que não eram bem assim. Ontem, foi a vez do ministro alemão Schauble "desaconselhar" Portugal a ir por esse caminho. A Alemanha falou, e o que se viu logo? Passos Coelho e Vítor Gaspar corrigiram de imediato o discurso, dizendo que afinal não queriam nada as condições da Grécia!

A Alemanha manda, Portugal diz amen, é a estratégia do Governo em todo o seu esplendor, mesmo que isso implique que Passos e Gaspar se tenham de contradizer a si próprios, apenas sete dias depois. Esta impressão de subserviência é fatal para a credibilidade interna do governo, embora possa ser muito importante para ficarmos "bem vistos" aos olhos do alemães, o que parece ser o principal e único objectivo do Governo.

Mas, os sinais deste tipo de desorientação são cada vez mais evidentes, e não só na questão internacional. Veja-se por exemplo na Educação. Na entrevista à TVI, Passos disse que as famílias iriam ter de partilhar o financiamento da educação pública. No dia seguinte, o ministro Crato negou tal ideia, e uns dias depois, o mesmo Passos proclamou que nunca falara em tal coisa, os chamados co-pagamentos. Em que é que ficamos?

E nem vale a pena referir a RTP, sobre a qual há mais ideias do que canais. Primeiro era a privatização total, depois era só a de um canal (a RTP 2), depois ouvimos o magnífico António Borges lançar a ideia mirabolante da concessão; e agora já vamos na privatização parcial (só 49%) mas entregando a gestão a privados! Enfim, para a semana ou coisa assim deve haver uma ideia nova, não vale a pena preocuparmo-nos de mais.

Mais valia perguntar ao Sr. Schauble o que ele pensa da educação pública paga e da privatização da RTP! Assim sempre sabíamos o que pensa quem realmente manda em Portugal, e acabava-se esta cacofonia permanente de palavras ocas!

publicado por Domingos Amaral às 12:28 | link do post | comentar
Terça-feira, 27.11.12

A falência da Grécia salvou a Grécia!

A Grécia faliu, mas felizmente nada de muito grave aconteceu, pelo contrário, a falência da Grécia salvou o país. Ontem à noite, a Europa decidiu finalmente reconhecer o óbvio, e ajudar a Grécia a sair do caos onde se encontra. A dívida grega, insustentável, vai agora poder ser paga em muito mais tempo, e as taxas de juro exigidas vão baixar. Além disso, é muito provável que seja necessário que a "troika" perdoe cerca de 50 por cento do dinheiro que emprestou à Grécia, libertando o país desse fardo.

Era a única hipótese, a Grécia falir dentro do euro, a Europa ser solidária, os credores públicos e europeus aceitarem as perdas, e todos perceberem finalmente que a austeridade exagerada que se exigiu à economia grega não resolveu nada, pelo contrário, só piorou a situação.

Os grandes derrotados de ontem são a Alemanha da Sra Merkel e do Sr. Schauble, que tudo fizeram em três anos para impor a austeridade, e que agora foram obrigados a engolir a derrota da sua estratégia e das suas políticas. Com a austeridade, perderam todos, devedores e credores. Os devedores ficaram com a economia de rastos, e os credores nunca viram o seu dinheiro devolvido. A falta de solidariedade alemã, a austeridade fanática que impuseram aos gregos, levou ao caos e à quase destruição da Grécia, mas três anos depois os restantes europeus obrigaram a Alemanha a tomar juízo. 

Agora, chegou o tempo da solidariedade, da partilha de perdas entre credores e devedores. Finalmente, reconheceu-se que existe muita responsabilidade também dos credores, e que não se resolve nada atirando com os devedores para uma crise económica, pois isso ainda os impossibilita mais de pagar as suas dívidas. Finalmente, a Europa tomou juízo, e deu passos importantes para resolver esta armadilha que criou a si própria.

Infelizmente para Portugal, os efeitos positivos das decisões de ontem chegaram tarde demais. Em 2013, à conta das ideias do ministro Gaspar, a recessão vai continuar por cá, com cada vez mais desemprego e cada vez mais deficits. Será infelizmente uma austeridade totalmente inútil, pois se Portugal em vez de esmagar a economia começasse já amanhã a renegociar a dívida, sairia muito mais depressa deste inferno em que está.

Assim, o ministro Gaspar é adorado pelos alemães, e nós lixamo-nos, e daqui a um ano o país estará a fazer o mesmo que a Grécia, e a "troika" vai dizer que os credores serão obrigados a perdoar-nos as dívidas, e a pergunta que fica é: para quê perder um ano? O melhor economista europeu, Paul de Grauwe, esteve ontem em Portugal, e aconselhou o seu amigo Vítor Gaspar a "não exagerar na austeridade". Infelizmente, Vítor Gaspar não ouve ninguém, nem os seus amigos, e com ele a situação do país não vai melhorar.

 

 

publicado por Domingos Amaral às 12:34 | link do post | comentar
Segunda-feira, 05.11.12

Merkel e as economias "zombies"

Eis o famoso "Plano Merkel" para salvar a Europa: mais cinco anos de austeridade! Qual apoio aos investimentos, qual alívio, qual carapuça! Angela Merkel disse este sábado o que tem de ser feito: toma lá mais cinco anos de austeridade, que é a única maneira de melhorarmos todos! Eis a Bruxa Má da Europa (como já aqui lhe chamei) em todo o seu esplendor! O que ela quer é transformar-nos em "zombies"!

Julgo que partiu de Fernando Ulrich a sugestão de que ela apresentasse, na sua visita próxima a Lisboa, um "plano Merkel" para salvar a Europa. Mas, pelos vistos, a senhora não o ouviu, nem quer saber de ideias diferentes para resolver a grande crise que a Europa atravessa. Para a majestosa chanceler germânica, que interessa que a crise desgaste a Grécia, a Irlanda, Portugal, Espanha, Chipre ou Itália?

Que interessa que os juros tenham voltado a subir para estes países, que o desemprego não pare de crescer, que as economias afocinhem numa recessão cruel, sem qualquer sinal de esperança? Isso são pormenores insignificantes. O fundamental é que a Alemanha está pujante e confiante, e é certamente por isso que Merkel acabou de ser aumentada e bem! É verdade: enquanto em toda a Europa se diminuem os salários por imposição alemã, a Bruxa Má da Europa é aumentada e já ganha mais de 20 mil euros por mês!

E diz Ulrich que os gregos não têm de se queixar, pois estão vivos! Talvez "mortos-vivos" seja uma definição melhor. A austeridade que a Sra Merkel tem imposto à Grécia transformou os gregos numa espécie nova de seres humanos: os "zombies" económicos. A economia grega é hoje uma "economia zombie". As empresas gregas estão mortas-vivas, os bancos gregos são mortos-vivos, o Estado grego é um morto-vivo. Andam devagar e abanam-se lentamente, como os desgraçados da série "Walking Dead", da Fox. Ninguém sabe o que fazer à Grécia, ninguém sabe como a ressuscitar, e lá sofrem eles sem cura, "zombies" trágicos desta Europa que, em vez de os tentar salvar, os afunda ainda mais num lamaçal podre. 

Nós não estamos muito melhor. Portugal, ao contrário do que diz a propaganda do Governo, está no mau caminho. Os juros da dívida voltaram a subir, já estamos em 6º lugar no índice dos países mais próximos da bancarrota, as agências de rating falam na possibilidade cada vez mais forte de um segundo resgate, e até a imprensa económica internacional (o Financial Times ou o The Economist) já diz que Portugal não vai conseguir sair da armadilha da dívida e da deflação onde o Governo, a troika e a Sra Merkel o enfiaram.

Também nós, tal como a Irlanda, Chipre, a Espanha e a Itália, estamos em plena metamorfose económica,  cada vez mais "zombies". Não serão precisos cinco anos, bastam um ou dois de mais austeridade para passarmos a "mortos-vivos" económicos. Talvez seja essa a ideia da Sra Merkel, transformar os países do Sul e da periferia em economias "zombies", para então a Alemanha poder reinar à vontade, sem ninguém que enfrente a sua hegemonia. É um destino maravilhoso não é? Uma Alemanha forte, cercada por economias "zombies". 

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Terça-feira, 30.10.12

Quanto mais Portugal paga, mais deve!

Já reparam que tanto Portugal, como a Grécia e a Irlanda, quando mais dívida pagam, mais devem? Eis, em todo o seu esplendor, a terrível ratoeira em que a Europa colocou os países com dívidas.

Em 2009, o peso da dívida no PIB da Grécia chegava aos 120%. Três anos depois, já ultrapassou os 150%. E quanto mais os gregos pagam, mais devem. O mesmo se passa com a Irlanda, que já pediu ontem para renegociar a dívida, pois assim não consegue pagá-la.

Portugal é caso idêntico, quanto mais paga, mais deve. Em 2011, o peso da dívida no PIB era de 109%, este ano vai acabar perigosamente perto dos 120%, informação oficial dada pelo Ministro das Finanças. Quanto mais pagamos em juro, e mais amortizamos a dívida, mais devemos. 

Chama-se a isto o "paradoxo da desalavancagem", e acontece quando os esforços feitos por um país endividado para reduzir a sua dívida criam um ambiente que agrava ainda mais o seu endividamento. O que acontece é que todos - pessoas, empresas, bancos, Estado - estão tão endividados que têm de cortar as despesas ao mesmo tempo, e isso provoca uma enorme contração económica, gera uma recessão e no final o peso do endividamento é cada vez maior. Quanto mais os devedores pagam, mais devem.

É terrível, mas é assim que está a Europa do Sul. A austeridade selvagem que nos foi imposta pela Sra. Merkel e pela "troika" revelou uma situação complexa: os devedores não podem gastar, e os credores não querem gastar. E como ninguém gasta, caímos todos numa espiral destrutiva de efeitos dantescos.

Mas, não é só este o único paradoxo em acção. Há mais dois de idêntico sentido. O segundo é o "paradoxo da poupança". Supostamente, é boa ideia poupar, ainda por cima em tempos difíceis como os que atravessamos. Contudo, se toda a gente poupar ao mesmo tempo, consome-se menos e a economia encolhe. Mais uma armadilha em que caímos todos, incluindo o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, que declarou há tempos que, para sua surpresa, os "portugueses tinham poupado mais do que se previa, e por isso a recessão aumentara". Como se a culpa agora fosse nossa...

Por fim, existe o terceiro, o "paradoxo da flexibilidade". Para este Governo e para a "troika", parece ser necessária uma baixa geral de salários dos portugueses, para recuperarmos "competitividade" e baixar o desemprego, pois as pessoas assim trabalham por salários menores. Pois, mas se toda a gente baixa os salários, ficamos todos mais pobres e gastamos menos, contudo o endividamento continua exactamente o mesmo, e por isso é bem mais difícil pagar as dívidas, sejam as nossas, sejam as do país!

É por causa destes três paradoxos - o da desalavancagem, o da poupança e o da flexibilidade - que a austeridade não funciona nos países do Sul da Europa. Quando já se está dentro de um buraco, é um bocado estúpido continuar a cavar esse mesmo buraco cada vez mais fundo, mas há gente que não quer perceber isto...

Como dizia  Scolari: "e o burro sou eu?"

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Segunda-feira, 29.10.12

A Grécia é um buraco negro!

Na Grécia, correu tudo mal. E ninguém parece ter aprendido a lição. Este fim de semana, a "troika" propôs que os países europeus "perdoassem" cerca de 50% do dinheiro que emprestaram à Grécia. Sim, leu bem, metade do dinheiro que os europeus emprestaram para "salvar" a Grécia está praticamente perdido. E reparem que isto não é nenhum partido de esquerda a falar, mas sim a própria "troika", que vem finalmente reconhecer o que muitos dizem há muito tempo, que as soluções europeias falharam rotundamente, e a "austeridade" só agravou a situação.

Três anos depois, é por demais evidente que todos perderam. Perderam os gregos, cuja economia está de pantanas, e em recessão económica profunda há vários anos. Perderam os credores privados, que há uns meses suportaram perdas de 80 por cento nos seus empréstimos, e agora vão perder os países europeus, que serão obrigados a encaixar perdas de metade dos empréstimos oferecidos. Se isto não é um desastre económico, não sei o que é um desastre económico. Se isto não é um absoluto falhanço, não sei o que é um absoluto falhanço. 

Com o desemprego altíssimo, o sistema político à beira do colapso, a extrema esquerda quase a chegar ao poder e a extrema direita a crescer todos os dias, a Grécia transformou-se num país miserável e perigoso, e toda a Europa devia aceitar que tem muitas culpas no cartório. A solução da "austeridade", imposta pela Alemanha da Sra Merkel, e implementada pela "troika", foi o mais incompetente falhanço económico das últimas décadas, e chega a ser aterrador que a Europa persista em impôr este caminho errado.

E para quem defende que nós somos diferentes dos gregos, é importante lembrar que não somos assim tanto, e por cá as coisas aproximam-se assustadoramente dos mesmos resultados. A recessão impera, o desemprego cresce, o sistema político sofre convulsões sucessivas, o rácio da dívida pública sobre o PIB não pára de crescer, e muito em breve chegaremos à situação grega, e seremos forçados a reconhecer que não vamos conseguir pagar as nossas dívidas.

A austeridade brutal que se anuncia para 2013, tão do agrado desde PSD e deste ministro das Finanças, vai empurrar Portugal cada vez mais para uma situação semelhante à da Grécia. O próprio FMI já avisou que Portugal vai ter uma recessão prolongada. Só os cegos, os fanáticos e os teimosos persistem em não ver que o abismo se aproxima...  

publicado por Domingos Amaral às 11:10 | link do post | comentar
Terça-feira, 09.10.12

Teatro e crises económicas

As crises da dívida externa, ou "soberana", como agora se diz, têm uma estrutura em 3 actos, muito semelhante às peças de teatro, às óperas, aos filmes, ou mesmo aos livros. Há o 1º Acto, com os incidentes iniciais, que lançam a história, depois o 2º Acto, onde se desenvolve a intriga, e por fim tudo acaba num climax espantoso, positivo ou negativo, no final do 3º Acto. Em muitos países, as coisas quase sempre aconteceram assim:


1º Acto - "Descobre-se" uma grande dívida ("externa" ou "soberana"). Seguem-se as primeiras medidas de austeridade, aplicadas pelo governo local. Rebenta uma crise política nacional, ao mesmo tempo que, sem capacidades para pagar a dívida, o país pede ajuda internacional, e entra em cena o FMI, ou a "troika" dos europeus.

Na Argentina, foi isso que aconteceu em 1998. Na Grécia, em 2009, também: descobriu-se a "megadívida", começou a austeridade,  aterrou em Atenas a "troika", e deu-se uma crise política, com a eleição de Papandreou. Na Irlanda, o guião foi semelhante, com uma crise política local e o pedido de resgate à "troika". Em Portugal, o primeiro acto ainda tinha Sócrates no Governo, que foi obrigado a pedir a ajuda da "troika". Depois, explodiu uma crise política nacional, e o 1º Acto terminou com a vitória de Passos Coelho, a meio de 2011.

A Itália e a Espanha são ligeiramente diferentes. Em Itália, o 1º Acto terminou com a saída de Berlusconi e a ascensão de Mário Monti, mas não chegou a entrar a "troika", talvez porque o país é grande demais para um resgate. Já em Espanha, o 1º Acto findou com Rajoy a aterrar na Moncloa, e com um pedido de resgate parcial, apenas para a banca.

 

2º Acto - Tudo se complica. Os governos impõem mais austeridade, causam uma forte recessão económica, falham os objectivos, e portanto têm de aplicar ainda mais austeridade. Os credores aguentam com paciência, mas a população do país, fustigada pelo desemprego e pela descrença, começa a revoltar-se. Tudo termina com uma nova, e mais grave, crise política.

Na Argentina, entre 98 e 2001, as crises sucederam-se. E na Grécia, o segundo acto viveu-se com mais fúria popular e mais incapacidade política. O fim do 2º Acto grego foi o "referendo" de Papandreou, que provocou a sua queda prematura, e a derrota colossal do PASOK nas eleições. Quanto à Irlanda, o segundo acto tem sido mais calmo, e não há ainda sinais de uma crise política, embora o desemprego continue a crescer. A Espanha e a Itália estão mais ou menos a meio do 2º Acto, há perigos de desagregação do Estado espanhol e já se sabe que Monti não vai ficar para sempre. E em Portugal, há evidências de que o 2º Acto se acelerou, a caminho do fim. A enorme austeridade fiscal anunciada para 2013, as dificuldades na coligação PSD-CDS, a instabilidade social e a revolta popular crescente, são tudo prenúncios de que se aproxima uma forte crise política. O Governo anda com medo, protegido pela polícia, e Passos Coelho disse ontem, qual treinador de futebol, que no dia em que não tiver "condições para governar", sairá.  

 

3ª Acto - A bem ou a mal, é aqui que a crise se resolve. Normalmente a mal, pois sobe muito a tensão com os credores, a recessão atinge o limite do insuportável, provoca nova e gravíssima crise política e há um "bang" final, que pode ser a bancarrota, ou então alguma decisão drástica que termina com a crise. Por vezes, são raras as situações mas existem, as tensões diminuem e os países conseguem resolver a bem a crise. 

A Argentina, em 2001, foi o falhanço mais drástico. O país revoltou-se, elegeu o "peronista" Kirshner, cortou com o FMI e não pagou a dívida externa. Depois, melhorou um pouco, mas permanece numa situação complexa. É o "mau exemplo", que muitos gostam de citar. No pólo oposto, como "bom exemplo", temos a Islândia, que apesar de ter deixado de pagar as dívidas, conseguiu recuperar-se e está de regresso aos "mercados". 

E na Europa, o que se passa? A Irlanda parece estar a safar-se, mas infelizmente a Grécia está perto do final do 3º Acto. Há enorme tensão com a "troika", no Verão explodiu uma grave crise política, a esquerda radical do Syrisa ficou a 1 por cento de vencer as eleições, e não há forma de pagar as suas dívidas. À Grécia, já só restam duas hipóteses: falir dentro do euro (o que seria terrível mas suportável), ou falir fora do euro (o que seria uma catástrofe europeia).

Quanto a Portugal, Espanha ou Itália, é prematuro dar palpites, mas as coisas não vão no caminho certo. Tudo visto e ponderado, talvez fosse melhor a Europa reconhecer que o "guião da austeridade" criou problemas novos e gigantescos (económicos, sociais e políticos) e não resolveu o problema financeiro da dívida. Em vez de mudar de povos, talvez fosse melhor mudar o guião do combate à crise...  

 

publicado por Domingos Amaral às 10:58 | link do post | comentar
Quarta-feira, 03.10.12

A moral da História

São sempre os mais fortes que escrevem a moral da História, e a crise das "dívidas soberanas" não é diferente. Desde 2009 a narrativa é poderosa, um conto moral: existem povos que "viveram acima das suas possibilidades", Estados "despesistas", países que "gastaram o que não tinham". A Grécia "aldrabou os números", Portugal e Espanha "viveram a crédito", a Irlanda "arriscou em demasia na banca", e a Itália é "uma desorganização permanente".

Subtilmente, a narrativa da "crise da dívida" criou dois grupos na Europa: os devedores e os credores. De um lado, os vilões, os feios, porcos e maus; os mal comportados e irresponsáveis (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália). Do outro lado, os bons, os puros, os responsáveis, os bem comportados (a Alemanha à cabeça, mas também a Holanda e a Finlândia).

Este conto moral tornou-se imensamente popular. Não só no Norte da Europa, não só em grande parte da imprensa mundial, em especial a económica, mas também e surpreendentemente na maioria da população dos países do Sul. Confrontados com a crise, e com a sua narrativa moral, grande parte dos gregos, irlandeses, portugueses, espanhóis e italianos, interiorizaram estas ideias e sentiram-se "culpados" dos "males" que tinham cometido. Claro que "os políticos" desses países eram os mais fustigados e os dedos acusadores viraram-se para eles, mas dentro de muitos de nós, habitantes do Sul, a fábula moral da culpa e do erro assentou arraiais. O terreno estava adubado para o que viria a seguir.

Evidentemente, se há "culpados", é preciso que eles expiem as suas culpas, é preciso que eles sejam castigados em conformidade. Mais fortes, mais ricos, mais poderosos, os países do Norte, liderados pela Alemanha, decidiram que a redenção do Sul só viria através do sofrimento. Primeiro, era preciso castigá-los, e castigá-los bem, para que eles aprendessem a lição. Só através da punição se purificariam os "pecadores" do Sul.

Nasceram então as "políticas de austeridade", a receita a aplicar aos prevaricadores. Desenhadas pelos técnicos da economia moral, as políticas de austeridade mais não são que um "castigo", mas um "castigo" libertador e evidentemente irrecusável, pois traz dentro dele a promessa de um futuro melhor, cenoura com que nos convenceram. Supostamente, a aplicação do castigo, da austeridade redentora, lavaria as nossas almas mas sobretudo deixar-nos-ia revigorados, "competitivos". A moral da história foi, até agora, sempre esta: és culpado, portanto terás de sofrer, mas se sofreres chegarás à redenção, e no fim serás mais puro e mais forte.

Contudo, há um pequeno problema com este conto moral europeu. É que, cinco anos depois do início da crise, não há forma da redenção chegar. A economia, esse poço profundo onde só nadam problemas humanos, não se compadece com histórias da Carochinha e do João Ratão. A economia, ao contrário do que muitos pensam, não é uma fábula moral, é muito mais complexa do que isso.

De repente, os "supostos" culpados começam a revoltar-se. De repente, o sofrimento não traz purificação nem ressurreição, mas apenas mais sofrimento e degradação. De repente, nascem narrativas alternativas e conspirativas, contra a "hegemonia alemã", contra os "credores", contra o pensamento dominante. Aquilo que parecia uma fábula límpida e eficaz, começa a estilhaçar-se à nossa frente. De repente, os povos do Sul suspeitam que o sofrimento pode ter sido uma estratégia intencional para impôr até à eternidade o domínio dos povos germânicos sobre todos os outros.

Como irá esta história acabar, ninguém o sabe ainda, mas já temos pelo menos uma certeza: o guião da fábula moral que nos contaram estava incompleto, e provavelmente terá de ser revisto e alterado. Aquilo que parecia um conto simples, curto e com um final feliz, tornou-se numa telenovela prolongada e deprimente, todos os dias mais imprevisível. É isto que costuma acontecer quando se mistura a moral com a economia. Se juntarmos um decilítro de água de esgoto com noventa decílitros de leite, o resultado não é um litro de leite, mas sim um litro de água de esgoto...Será que ninguém vê como se está a espalhar a recessão pela Europa, ninguém vê como a água de esgoto está a estragar o leite?      

publicado por Domingos Amaral às 11:07 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Terça-feira, 31.07.12

O descalabro do euro

Espanha entrou em espiral depressiva, Itália está em perigo, o desemprego continua a subir para níveis assustadores em Portugal e na Irlanda, e a Grécia está de novo à beira do precipício. Neste início de Agosto de 2012, há cada vez menos europeus a acreditarem no futuro da Europa, e a crise em vez de aliviar está-se a agravar de dia para dia. Como é que vamos sair deste enorme sarilho onde todos nos metemos? O euro, em vez de ser um grande promotor do crescimento económico e da prosperidade, transformou-se num cemitério de empregos, de empresas, de bancos, de governos e de Estados. Se compararmos por exemplo o Portugal de 1998 com o Portugal de 2012, o cenário é aterrador. Em 2012 está tudo pior. Há mais desemprego, menos crescimento económico, mais pobreza, impostos mais altos, mais dívidas, mais emigração, salários mais baixos e menos benefícios fiscais. E isto passa-se não só em Portugal, mas também na Grécia, na Irlanda, em Espanha, em Itália e um pouco em França. Era isto que nós queríamos quando entrámos para o euro? Catorze anos depois está tudo pior, não se aproveita nada...   

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