Quarta-feira, 06.11.13

A Alemanha anda a lixar o euro?

Nas últimas semanas, a Alemanha tem sido muito criticada, seja pelos americanos, seja pelo FMI, seja até subtilmente pela Comissão Europeia.

A causa das críticas é simples: a Alemanha tem um enorme excedente comercial, exporta muito mais do que importa, e isso tem desequilibrado muito a situação na zona euro.

Os outros países, sobretudo os países do Sul, têm grandes déficits comerciais e de capitais com a Alemanha, e apesar de os estarem a tentar corrigir, com tremendos esforços e profundas recessões, o equilíbrio não volta, pois a Alemanha não faz nenhum esforço para corrigir o seu excedente.

A economia é assim, cada moeda tem sempre duas faces.

Se nós temos um déficit na balança comercial ou de transações correntes, alguém tem de ter um excedente. Para que este desequilíbrio se consiga corrigir, ambas as partes têm de alterar as suas políticas.

Contudo, os alemães não aceitam este princípio.

Eles acham que os déficits dos países do Sul existem porque eles são pouco produtivos, pouco competitivos, e consomem demais, importanto mais do que deviam.

Mas, acham que o seu excedente é virtuoso, sinónimo de competitividade alemã e de vitalidade económica, e não querem deixar de o ter.

Portanto, não querem saber nem de conselhos nem de críticas.

Não querem subir salários na Alemanha, não querem mais inflação, nem querem ter de importar mais.

Ou seja, querem continuar como são, porque se julgam melhores que os outros.

Porém, assim não há equilíbrio.

Por mais que os países do Sul tentem corrigir, gastando e importando menos, se a Alemanha não puxar pela sua economia, os países do Sul não conseguem exportar para lá, e por isso não conseguem crescer.

É pois, ou devia ser, evidente para todos que o euro não está a funcionar bem.

Não é possível aceitar que só a Alemanha ganhe com o euro, como tem ganho.

Foram 10 anos de grandes excedentes para a Alemanha, e grandes déficits para os países do Sul!

Para muitos países, começa a não fazer sentido estar numa união monetária em que só a Alemanha ganha, e quase todos os outros perdem.

Se os alemães não perceberem isto depressa, e continuarem cegos, o que é o mais provável porque eles se acham superiores a todos os outros, em breve será impossível sustentar um euro que provoca estes graves desequilíbrios.

Antes do euro, a única forma que os outros países tinham de impedir esta supremacia da Alemanha, era desvalorizarem as suas moedas.

Agora, não têm essa arma, e por isso estão reféns da Alemanha, que os despreza e humilha constantemente.

Ou isto muda depressa e a Europa se transforma nuns Estados Unidos da Europa, ou a coisa, mais cedo ou mais tarde, fica insustentável.

Que sentido faz termos uma moeda que nos prejudica e empobrece?

 

publicado por Domingos Amaral às 13:06 | link do post | comentar
Segunda-feira, 04.11.13

O 1640 do Dr. Portas é um divertido delírio!

Na semana passada, Paulo Portas teve um dos seus momentos de delírio, e comparou a saída da "troika" à libertação de Portugal do jugo dos Felipes de Espanha.

2014 seria assim um 1640 financeiro, um momento épico da história do país, onde voltaríamos a ser gloriosamente independentes! 

Estas comparações históricas não deixam de ser divertidas, mas são normalmente um bocado superficiais, e não resistem a um confronto mais pormenorizado com a realidade.

Convém lembrar ao Dr. Portas que, em 1640, Portugal era um reino cujo rei era espanhol.

Depois de umas escaramuças, e de um vazio de liderança por cá, os reis espanhóis tomaram conta disto, e mandavam em nós.

A "ocupação" durou 60 longos anos, e só quando se encontrou um candidato à altura de ser rei de Portugal, é a que a coisa se resolveu, com mais uma guerra pelo caminho.

1640 foi pois um momento de libertação de uma ocupação política, militar e económica.

Ora, que eu saiba, não é isso que se passa em 2013.

Que eu saiba, Portugal não foi invadido pela "troika", contra a sua vontade.

Pelo contrário, foi o país que pediu ajuda, candidatando-se a uma resgate internacional.

E quem é que nos ajudou? 

Bem, que eu saiba, foram países que, como Portugal, fazem parte de uma entidade política comum, a União Europeia.

Que eu saiba, ninguém nos obrigou, pelas armas, a pertencer à União Europeia e ao euro.

Foi uma coisa voluntária, e bastante consensual, por cá.

Não fomos invadidos, nem ocupados, cedemos a soberania porque quisemos, e porque achámos que isso era bom para nós.

Portanto, que eu saiba, a "troika" não representa potências ocupantes, pelo contrário, representa-nos a nós mesmos, e aos nossos aliados e amigos, que responderam ao nosso pedido de ajuda.

É claro que podemos dizer que esses nossos amigos não são muito generosos, e nos obrigam a fazer coisas que nós não gostamos.

Mas dizer que isso é uma "ocupação" semelhante à dos espanhóis, é capaz de ser um pouco exagerado, não é verdade?

Acrescente-se ainda que não tenho notado que este Governo seja contra a "troika".

Bem pelo contrário, desde o primeiro dia disse que queria ir além da "troika"!

O que nos deixa um pouco perplexos, pois se a troika é uma potência ocupante, e queremos libertar-nos dela, talvez seja um pouco complicado de perceber porque é o Governo cumpre rigoramente o que a "troika" manda, e até faz mais do que o mandam.

O estranho é que, se admitirmos o raciocínio de Portas, de que estamos ocupados, então a conclusão lógica é de que Passos e Portas não passam dos meros executores da política de ocupação, e portanto são umas "marionetas espanholas", como foram muitos durante os 60 anos da ocupação dos Felipes...

Mas, a coisa é ainda mais estranha, se pensarmos que, depois de 2014, da famosa "hora da libertação", do Dia da Independência do Dr. Portas, nós vamos continuar exactamente na mesma, a pertencer à União Europeia, no euro, e a ter de fazer tudo o que eles nos mandam!

Não se consegue perceber bem onde é que estará a independência nesse dia, mas se calhar o burro sou eu!

Portanto, o 1640 do Dr. Portas vai ser o dia em que vamos...continuar exactamente na mesma, a receber ordens de Bruxelas!

Os Filipes, caro Dr. Portas, foram-se embora, corridos daqui numa guerra.

Os europeus vão continuar por cá, e a mandar cada vez mais.

Não se iluda, Dr. Portas, o dia da Independência é uma fantasia da sua cabeça.

Os senhores da "troika" podem deixar de cá vir ter reuniões, mas o senhor continuará a andar às ordens da Sra Merkel...  

publicado por Domingos Amaral às 11:30 | link do post | comentar | ver comentários (11)
Sexta-feira, 01.11.13

Tem toda a razão, Dr. Álvaro Santos Pereira, é pena é que...

Álvaro Santos Pereira, ex-ministro da Economia de Passos Coelho, abriu ontem a alma.

Liberto das amarras do poder, disse finalmente o que pensa sobre o que se passa em Portugal e na Europa.

Para ele, não há qualquer hipótese de assim se pagar a dívida pública nacional. A única forma de o fazer é reescalonar a dívida, pagando a 40 ou 50 anos.

Para ele, a austeridade cega está a destruir as economias, as sociedades e até as democracias, e se continuar, pode gerar ditaduras em certos países.

Para ele, é terrível quando os ministros das Finanças mandam na Europa, sem dar espaço aos outros.

Para ele, Portugal não voltará ao crescimento económico se não for feita uma enorme descida da carga fiscal.

Devo dizer que sempre gostei de Álvaro Santos Pereira, e ainda gosto mais de o ouvir dizer isto tudo, quase tudo coisas que aqui venho defendendo, ou pelo menos soluções semelhantes, no mesmo sentido das dele.

Nem sempre estive de acordo com certas soluções do Ministro, como por exemplo no corte nos feriados, que como hoje se vê não altera rigorosamente nada à produtividade dos portugueses. 

No entanto, sempre senti em Santos Pereira um enorme desconforto, nem sempre verbalizado, com a solução que a Europa impôs à bruta, e que Passos Coelho quis cumprir na íntegra, ou até mais além.

É pois reconfortante ouvir Santos Pereira reconhecer a realidade e as suas convicções.

De facto, a dívida pública nacional não se paga com autoridade e exportações, só se paga se for reestruturada, reescalonada ou mutualizada pela Europa.

Não há outra solução, e só os teimosos, os estúpidos e os mal intencionados não o admitem.

E é evidente para todos que a austeridade está a destruir certas economias, e está a levar ao crescimento dos populismos de direita ou de esquerda, pondo em risco as democracias. Só não vê quem não quer ver.

Também estou de acordo com ele quando diz que, se os ministros das Finanças mandam na Europa, a coisa fica feia.

Schauble e os seus acólitos são demasiado obtusos e tortos para perceberem o que está em causa, e tem sido trágico que só eles comandem o destino da Europa, ajudados por uns metecos sem ideias, como Barroso, Merkel e outros.

A minha grande pena é que pessoas inteligentes, como Santos Pereira, não sejam capazes de mudar o poder por dentro, e só falem quando já não estão em posições de poder.

Antes de Santos Pereira, tinha sido Juncker, o luxemburguês, a dizer coisas semelhantes.

Mas, a verdade é que o poder está na mão do Império do Mal, dos Darth Vader da austeridade.

São eles que mandam, e enquanto isso acontecer, a Europa não vai mudar. 

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Quinta-feira, 24.10.13

Portugal e a recessão em W

Os economistas gostam muito de usar as letras do abecedário para classificar as recessões.

Há a recessão em V, com uma queda que é muito profunda, uma estadia curta no fundo, e uma recuperação tão rápida como a queda.

Há a recessão em L, onde há uma queda inicial muito profunda, e depois não há qualquer tipo de recuperação, apenas um prolongamento do fundo.

E depois há a recessão em W, que são duas recessões, dois V seguidos, onde por vezes a zona central do W é menos cavada.

Nesse caso, há uma primeira queda violenta, descendo pelo primeiro V, depois chegamos a uma zona de recuperação, que é mais pequena que a descida.

De seguida, a meio do W, há uma segunda descida para o fundo, que pode ser menos forte que a primeira

Só depois se volta a recuperar fortemente, subindo pelo segundo V acima.

Será isso que irá acontecer em Portugal, uma recessão em W?

Olhando para o que foram os dois últimos anos, podemos admitir que em 2012, com um corte na despesa pública, os efeitos recessivos foram fortes, e caímos pelo primeiro V abaixo.

Depois, em 2013, houve o aumento enorme de impostos, mas a recessão foi bem menos forte.

Não sendo ainda uma subida, foi uma melhoria ligeira, uma subidinha a meio do W.

Contudo, para 2014, o orçamento prevê brutais cortes na despesa e por isso arriscamo-nos a nova recessão.

É muito possível uma nova queda, embora menos grave que a primeira, e que vamos parar a um ponto recessivo semelhante ao acontecido em 2012.

Segue-se depois um crescimento rápido, subindo o segundo V depressa?

É cedo para fazer esse tipo de previsões.

Como diz toda a gente, incluindo Passos Coelho, há muitos "riscos".

Mais do que riscos, ou além deles, há um evidente dilema português.

O que é melhor: tentar corrigir o déficit do Estado, aumentando a recessão?

Ou tentar evitar a recessão, deixando o déficit ser maior do que a troika pede?

Eu pela minha parte, prefiro a segunda opção; mas a Europa e o Governo, é evidente, preferem a primeira.

publicado por Domingos Amaral às 16:34 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Terça-feira, 22.10.13

Europa: União ou Morte?

Há cada vez mais gente, por essa Europa fora, a lutar e a defender que o euro e a Europa são as causas de todos os nossos males.

Em França, cresce a extrema-direita, que abomina o euro. Na Grécia, a mesma coisa, bem como na Áustria.

Na Alemanha, o partido anti-euro não entrou no parlamento, mas a corrente é forte, em especial à direita.

Em Portugal é ao contrário: como é a esquerda que está fora do poder, é à esquerda que se ouvem as vozes mais hostis ao euro e à Europa.

Jerónimo de Sousa disse há dias que temos de abandonar o euro.

Daniel Oliveira também culpa a Europa pela resposta à crise financeira de 2008, que está a destruir as democracias nacionais.

O ataque ao euro é muitas vezes também um ataque à Alemanha, país mais forte e poderoso, e que liderou a Europa nos últimos anos.

Sem uma visão europeia clara, sempre relutante, a Sra Merkel não foi a líder de que a Europa precisava, e decidiu quase sempre tarde demais. 

Mas, será que o fim do euro e da Europa é a melhor solução para as democracias europeias?

Eu nunca fui um grande entusiasta do euro, desde há mais de 15 anos que acho que está mal pensado, e que dificilmente ia funcionar bem.

Para que o euro fosse uma união monetária completa, era necessário uma união política a suportá-lo.

Eram necessários, desde o início, uns Estados Unidos da Europa, que elegessem um presidente de todos os europeus, por voto directo e universal.

Era necessário um governo europeu, um Orçamento europeu, um Tesouro europeu.

Era necessária uma dívida europeia, a mutualização; bem como uma segurança social europeia.

Era necessária uma união bancária, com supervisão europeia, e um Banco Central Europeu capaz de intervir sempre que fosse necessário, como fazem o inglês, o japonês e o americano.

Nada disso foi feito quando devia ter sido feito, há vinte ou quinze anos.

O euro fez-se sem esses poderes, e resultou mal.

Não havendo um sólido poder político e económico europeu que sustentasse o euro, os erros multiplicaram-se.

Cada um fez o que lhe apeteceu, e quando o conjunto ficou em risco, só se procuraram soluções nacionais, e não europeias.

Na realidade, há um drama europeu complicado.

Os 17 países do euro já não são bem países soberanos, mas também ainda não são Estados de uma União.

São seres híbridos, a meio caminho entre uma coisa e outra, e por isso confundidos.

Sempre me pareceu, e escrevi-o muitas vezes, que Portugal teria feito melhor em ficar de fora.

Porém, isso não aconteceu, e perante a realidade atual a melhor solução não é a desintegração ou saída unilateral do euro.

O melhor, para todos, da Grécia à Alemanha passando por Portugal, era uma União verdadeira, cada vez mais sólida e forte.

A Europa precisa de se unir cada vez mais, pois só assim estabiliza.

Ou há união, ou há morte.

Ficar no limbo em que estamos não é nada. 

A senhora Merkel disse ontem que temos de avançar para uma união mais sólida, e todos têm de perder soberania.

Pena que só o diga agora, e que seja tão lenta a dar cada passo.

A andar tão depressa como um caracol, a Europa corre o risco de ser odiada e culpada por tudo e por todos, e de morrer aos bocados...

publicado por Domingos Amaral às 09:50 | link do post | comentar | ver comentários (7)
Terça-feira, 01.10.13

Sócrates, Passos Coelho, Rui Rio e os dramas da paróquia

Há coisa de dois anos e meio, antes das eleições de 2011, surpreendi muita gente quando defendi que era um bocado indiferente que quem mandasse no país fosse Sócrates ou Passos Coelho.

Com o país sob resgate, obrigado a adoptar um duro programa de austeridade, qualquer que fosse o primeiro-ministro, iria acabar odiado por toda a gente.

Nessa altura, escrevi que Passos Coelho não sabia onde se estava a meter, e que em dois anos seria tão ou mais odiado do que Sócrates já era.

E, como todos sabemos, Sócrates era muito odiado em 2011, e grande parte dos portugueses, à direita ou à esquerda, já não o podia ver à frente.

Apenas dois anos e meio passados sobre as eleições, o que se passa com Passos Coelho?

Pois, infelizmente para ele, é odiado por meio mundo, ou três quartos do mundo, melhor dizendo.

É odiado pela extrema-esquerda, pelos comunistas, pelos socialistas, e por uma parte importante do eleitorado de centro direita.

É odiado pelos jovens, porque não gera emprego; pelos pensionistas, porque lhes corta as pensões; pelos funcionários públicos, porque lhe tira salários, subsídios e ainda lhes aumenta as horas de trabalho; e por muitos trabalhadores privados, que foram parar ao desemprego.

Até já uma parte do seu PSD, começa a rosnar mais alto contra ele, porque conduziu o partido para uma amarga derrota, e não há grandes perspectivas de vitórias num futuro próximo.

Portanto, dois anos e meio depois, os ódios a Passos são tão ou mais fortes que os ódios a Sócrates, e já há quem, no PSD e não só, veja em Rui Rio o "senhor que se segue". 

Mais uma vez, as pessoas cometem o mesmo erro, e julgam que mudando de primeiro-ministro, ou de líder do PSD, tudo será diferente e voltarão os dias gloriosos do passado.

Infelizmente, não é assim. O problema não está na paróquia, nem a paróquia tem qualquer capacidade para resolver o problema.

Desde que entrámos no euro, deixámos de ter nas nossas mãos muito poder económico, e passámos a estar integrados num "ecossistema" económico que é muito mais vasto do que nós, e onde não mandamos nada.

A capacidade que o Governo português tem para resolver os problemas económicos do país é muito pequena, e ainda por cima extremamente vulnerável ao que se passa no resto do "ecossistema".

A Alemanha, o BCE, a França, a Itália, a Espanha, ainda podem pensar que mandam um pouco, embora cada uma delas tenha cada vez menos força.

Mas, Portugal, e os outros países pequenos, quase nada podem fazer para mudar o seu destino.

A crise, ao contrário do que sempre nos tem sido dito, não é nacional mas sim europeia.

Como Vítor Gaspar teve a coragem de dizer, agora que já não é ministro, o euro tem falhas graves de construção, e se elas não forem remendadas de nada nos valem os sacrifícios.

Por isso, a capacidade de um governo português para determinar o nosso futuro é para aí 10 por cento.

Os restantes 90 por cento não dependem de Portugal, mas sim da Europa.

É claro que, mesmo nesses 10 por cento, há coisas que podiam ser melhores, tanto Sócrates como Passos cometeram erros graves, e podiam ter evitado tanto mal estar.

Mas, a verdade é que, decidindo a Europa este tipo de ajustamento brutal para os países, qualquer um que lá esteja iria ser odiado.

Rui Rio que se mantenha calmo, e deixe passar esta fase.

Pode ser que um dia a Europa tome juízo e alivie a pressão.

Nesse dia, talvez valha a pena ele pensar em liderar o PSD, mas antes disso não.

Seria apenas mais um cordeiro imolado pela Europa, como foi Sócrates, é Passos, e em breve será Seguro.

Tal como António Costa, Rui Rio tem de saber esperar.

Melhores dias virão... 

publicado por Domingos Amaral às 16:00 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Segunda-feira, 30.09.13

A vitória das esquerdas e a armadilha de Passos Coelho

Ontem, aconteceu o que muitos esperavam. As esquerdas voltaram a crescer, o PSD foi derrotado fortemente, e o CDS aguentou-se bem.

As esquerdas, do PS e da CDU, são quem pode cantar vitória, e pelos vistos a Grândola que se foi ouvindo no último ano, um pouco por todo o país, era um indicador que a CDU estava a renascer.

Se há alguém que pode cantar vitória, são os comunistas, ganharam muitas câmaras e ganharam bem, embora em Lisboa tenham descido.

Também o PS e Seguro são vencedores, muitas câmaras ganhas, maior partido autárquico, essas coisas.

O CDS aguentou-se, fez o "penta" de câmaras, e quem esperava ver Portas como um derrotado, enganou-se redondamente.

A tal crise "Portas", que tanta gente dizia que o iria penalizar, não passou de um mito.

Portas resiste, e até vence no Porto. 

Quanto ao PSD, só não foi uma hecatombe pior porque o PS perdeu câmaras para a CDU, caso contrário teria sido uma catástrofe para Passos.

No entanto, ele é cada vez mais um líder preso nas próprias armadilhas que criou, para si e para o país. 

Há pouco mais de dois anos, Passos vencera as eleições, derrotando Sócrates, e vinha cheio de confiança que ia construir um país novo, liberal e eficiente.

Disse, com convição, que iria para além da "troika", no seu programa de Governo.

Pelos vistos, a cegueira era total.

Passos nunca chegou a perceber o sarilho em se meteu, pois governar nestas condições seria sempre terrível, uma vez que o país iria ser obrigado a brutais sacrifícios por uma Europa de fanáticos da austeridade.

Dois anos e alguns meses depois, o resultado está à vista.

Passos gerou uma brutal crise económica, com um desemprego altíssimo e uma recessão fortísissima, os alimentos para o crescimento das esquerdas e sobretudo da CDU.

Além disso, alienou durante dois anos o PS, ignorando-o e hostilizando-o.

Pelos vistos, quem ganhou com isso foi Seguro, que todos subestimavam, mas está cada vez mais líder do PS.

No meio desta trapalhada toda, Passos desprezou também o CDS de Portas, não o ouvindo, não o amansando, o que levou Portas a deitar a toalha ao chão em Julho.

Os bem pensantes quiseram dar cabo dele, mas o que diz o povo? Portas cresce, é o que diz o povo, ouviram?

Portanto, temos hoje um primeiro-ministro cada vez mais pequenino e frágil.

Passos está na armadilha que criou a si próprio. 

A sua estratégia política, de afrontamento permanente, falhou; e a sua estratégia financeira de austeridade, também falhou.

Resta apenas saber se o falhanço será brutal, com a necessidade de um segundo resgate, ou será menos mau, com o tal programa cautelar.

Isto tinha se ser assim, não havia outro caminho a não ser a austeridade e o afrontamento?

Claro que havia, mas Passos quis ser "liberal" e "firme", e acabou assim, cada vez mais frágil, cada vez mais pequeno, cada vez mais solitário.

E o país, como se safa desta?

Ninguém tem certezas. Ainda há uma pequena margem para evitar o segundo resgate, mas ontem ficou ainda mais estreita.

Como sempre aqui escrevi, a brutal austeridade iria colocar o país numa terrível armadilha, a armadilha da dívida, donde não se consegue sair, e onde há crises e ranger de dentes permanentes.

Esta crise é mais uma, e mais haverão nos próximos tempos...

publicado por Domingos Amaral às 10:32 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Segunda-feira, 23.09.13

Portugal, Merkel, e a nossa armadilha da dívida

Portugal está na típica "armadilha da dívida".

Se cortar na despesa para fechar o deficit, causa recessão e desemprego, e a dívida pode aumentar porque o PIB cai.

Se estimular a economia, com descidas de impostos, agrava o deficit e a dívida pode aumentar.

Ou seja, façamos o que fizermos, há sempre algum objectivo que falha.

Ou falha o deficit, ou falha o crescimento, ou falha a dívida.

É a "armadilha da dívida" em todo o seu esplendor. Quanto mais pagamos, mais devemos.

Como sair deste imbróglio?

A "austeridade", tão do agrado de Passos, Gaspar ou Merkel, causou muitos danos, com um desemprego altíssimo e várias crises políticas.

Com isso, ganhou-se alguma credibilidade, mas não se alterou a marcha imparável do crescimento da dívida.

Agora, veio um pouco de crescimento económico, com mais turismo e exportações, mas também isso não impede os juros de subirem.

Há um preconceito contra Portugal, como disse ontem Passos Coelho?

O problema é mais profundo do que esse, infelizmente.

Ao contrário do que muitos têm dito nos últimos anos, dentro do euro não há uma solução nacional para a questão das "dívidas soberanas".

Nem Portugal, nem a Grécia, nem o Chipre, nem a Irlanda, têm capacidade para pagar sozinhos a monumental dívida que contraíram.

Estão presos numa armadilha: emitiram dívida numa moeda que não controlam, e a desconfiança que sobre eles paira é permanente.

Sozinhos, jamais sairão desta prisão.

Desenganem-se os que pensam que a austeridade, as reformas estrurais, ou as exportações vão permitir o crescimento necessário para pagar estas dívidas. Não vão.

Um segundo resgate, ou um programa cautelar, podem ser diferentes do ponto de vista político, mas não são muito diferentes do financeiro.

É mais dinheiro emprestado, com muitas condições, seja pela "troika", seja pelo BCE.

E não nos tira da armadilha.

A única solução é europeia.

Só a Europa, com os seus recursos, e a sua força política, poderá solucionar definitivamente a questão.

Mutualizar a dívida é absorver a dívida dos prevaricadores; mas também é impedir que esses países, no futuro, se endividem mais.

Porém, não parece ser esse o caminho da Sra. Merkel.

A sua vitória de ontem foi retumbante, e histórica. Mas, não chega para governar sozinha.

Mudará Merkel, aliada ao SPD ou aos Verdes; tornando-se mais europeia e menos alemã?

Ou continuará a insistir numa receita que causa muitos danos e não resolve o problema da dívida?

Portugal está no topo da preocupações de Merkel, diz hoje o Wall Street Journal, e pode despoletar mais uma crise do euro.

É tudo verdade, mas Merkel, se quisesse, podia caminhar noutro sentido, menos duro e punitivo.

As soluções nacionais, de sacrifício e "troikas", estão esgotadas.

Não há soluções solitárias, só de conjunto. 

Talvez Passos tenha mesmo de ir lá falar com ela, pedir-lhe compreensão e ajuda. Mas só isso, é insuficiente.

Mais Europa, é o que é preciso.

Caso contrário, irá prolongar-se este ciclo de agonias, com pequenos interlúdios de alívio, como foi este Verão. 



 

publicado por Domingos Amaral às 10:03 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Quinta-feira, 19.09.13

Viva o banco central Americano, o FED!

Ontem, para surpresa de muitos, o banco central americano, o FED, decidiu manter o seu programa de compras de obrigações, injectando mais dinheiro na economia.

Há uns tempos, aquando da sua última reunião, o FED tinha dito que ia reduzir o seu programa de compras, até o terminar totalmente em 2014.

Contudo, os resultados foram muito maus. 

Não só as bolsas começaram a cair a pique, com receio de menos liquidez; como as taxas de juro dos mercados de obrigações começaram também todas a subir.

Até a alemã subiu, e mesmo tendo o BCE (Banco Central Europeu) decidido que ia manter as taxas de juro, por toda a Europa subiram as taxas das obrigações da dívida pública de todos os países.

Além disso, houve crises graves nos mercados emergentes, como a India, e até o Brasil e a China sofreram com a decisão do FED.

Ao contrário do que muitos esperavam, a economia mundial e também a europeia, ainda não conseguem avançar sozinhas, e precisam de estar apoiadas pela política expansionista do FED.

Por isso, e muito bem, o FED voltou atrás na decisão e continua a estimular a economia.

No entanto, na Europa a conversa da "austeridade" mantém-se.

Merkel promete mais do mesmo, Durão Barroso também, e todos concordam que a única saída para a crise são os cortes na despesa do Estado, e uma muito limitada ajuda do BCE, que não compra obrigações como o FED.

A visão europeia para a saída da crise continua desesperadamente agarrada à crença que a redenção dos pecados se obtém com o sacrifício dos devedores.

Se cortamos a despesa, se fizermos "reformas estruturais", a crise vai passar e vamos sair mais fortes, é esse o mantra europeu.

É óbvio que não vamos. Não se vence a "armadilha da dívida" com mais cortes, mais austeridade, nem tão pouco com as exportações.

Ainda bem que, do lado de lá do Atlântico, há quem perceba mesmo de economia, como o FED e Obama.

Em vez de austeridade, ajuda do Estado e do banco central, para recuperar o crescimento e proteger o emprego.

Em vez de abruptos cortes na despesa, apenas uma subida de impostos para os mais ricos, e cortes mais leves, para não criar tanta recessão.

Só os europeus parecem ainda não ter percebido que Estado e economia privada são gémeos siameses.

Cortar num é cortar no outro, diminuir o Estado é diminuir a economia privada.

Assim, só mantendo a ajuda do Estado é que a economia privada pode recuperar.

A América tem feito o oposto da Europa, e a verdade é que está bem melhor! 

publicado por Domingos Amaral às 14:48 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Terça-feira, 13.08.13

A Espanha está um gaspacho azedo

A Espanha parece um gaspacho que não pára de azedar. 

O tomate usado é velho: a monarquia não tem crédito, com um rei idoso, adúltero e sem tino, que esbanja dinheiro a caçar elefantes.

A cebola é demasiado verde: os príncipes não encantam e choramingam em público, e os maridos das princesas foram apanhados em crimes de vários tipos.

O azeite vem sempre ao de cima: a Catalunha rosna, quase todos os meses, exigindo a independência.

O pepino sabe mal: os bancos, até há cinco anos imperiais e globais, estão a ser resgatados pela Europa, falidos e sem reputação.

A salsa está curta: as autonomias, fórmula mágica para manter o reino unido, endividaram-se até acima das orelhas, e nem piam.

Para mais, o cozinheiro Rajoy não tem habilidade. No poder para cumprir as diretizes austeritárias da Europa, afundou a economia na recessão.

E, pior do que isso, já o chamam de mentiroso, por causa de um tesoureiro corrupto do PP.

É um "chef" sem brilho, limita-se a manter o restaurante aberto.

Para ajudar à festa, renasce o problema de Gibraltar, a pedra de gelo que faltava na sopa, e que só agudiza o mau sabor.

Por causa do rochedo, eternamente mal resolvido, há chispas sérias com o Reino Unido.

E o desemprego, a pimenta amarga da economia, embora tenha descido um pouco no Verão, está como nunca se tinha visto, principalmente entre os jovens e os imigrantes vindos do sul.

Mas nós, portugueses, temos de provar esta sopa.

Espanha é e será sempre o principal parceiro de Portugal, e qualquer salmonela que lá assente arraiais pode contaminar-nos.

Se este gaspacho se estraga mesmo, a Europa bem que pode começar a rezar.

publicado por Domingos Amaral às 13:06 | link do post | comentar | ver comentários (2)
 

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