Terça-feira, 26.02.13

Itália: as festas Bunga-Bunga vencem a terrível austeridade

Embora os resultados das eleições italianas sejam bastante complexos e confusos, por causa do sistema eleitoral local, há pelo menos quatro lições que se devem retirar:


Primeira Lição - "A austeridade não fez a Itália sair da crise, pelo contrário".

A economia italiana continua anémica, há muito desemprego, a dívida pública é gigantesca, e não há sinais positivos de crescimento económico. O mix de "austeridade estruturalista", uma mistura de austeridade com reformas estruturais, não melhorou nada a situação, até a piorou. E note-se que Itália foi, de todos os país do Sul da Europa, aquele que praticou menos austeridade! 


Segunda Lição - "A austeridade não é de direita, nem de esquerda". 

Ao contrário do que se tem passado na maior parte dos casos, em que as políticas de "austeridade estruturalista" têm sido conduzidas por partidos de centro-direita - Portugal, Grécia, Espanha - em Itália passou-se o oposto. O país estava a ser governando por Monti, que é de centro-esquerda, mas foi Berlusconi que atacou mais as "políticas de austeridade". Ou seja, neste caso a direita está contra a austeridade, e ganhou votos com isso. 


Terceira Lição - "Ser contra a austeridade dá votos, mesmo que se goste de festas Bunga-Bunga".

Em Itália, o discurso contra a austeridade foi muito popular, seja à esquerda, com a subida do comediante Beppe Grilo e o do seu movimento "Cinco Estrelas"; seja à direita, permitindo a surpreendente ressureição de Berlusconi, um político duvidoso, envolvidos em escândalos sexuais, e que organizava as célebres festas "Bunga-Bunga", uma espécie de orgias porno soft. A incomodidade dos italianos com a austeridade é tal, que até se permitem a votar em políticos como Berlusconi!


Quarta Lição - "A austeridade provoca crises políticas".

É talvez a mais importante lição a retirar destas eleições. A austeridade provoca instabilidade social e política, e leva as pessoas a votarem contra o sistema, e contra o poder instalado, qualquer que ele seja, e normalmente isso provoca instabilidade forte. Foi assim na Grécia, e foi assim agora em Itália. Veremos o que se passará noutros países, mas a crise do euro pelos vistos não tem fim à vista, e tem sido um cemitério de governos. 

 

PS: Eu bem sei que Passos Coelho se está a "lixar" para as eleições, mas por este caminho vai deixar Portugal não só economicamente mais fraco, como politicamente mais instável. É o que dão as políticas de austeridade...

publicado por Domingos Amaral às 10:14 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Quinta-feira, 24.01.13

Será que os alemães também não gostam dela?

Pouco se falou em Portugal esta semana da estrondosa e inesperada derrota de Angela Merkel e da CDU, este domingo, no estado da Baixa Saxónia. Os admiradores de Merkel estão calados, talvez perplexos, sem perceberem que pelos vistos não é só fora da Alemanha que não gostam da Sra Merkel. 

Infelizmente para todos nós, a sra Merkel esteve três anos a cometer graves erros, e isso prejudicou fortemente a Europa, o euro, e também os pequenos países, como Portugal.

Durante três longos anos, entre 2009 e 2012, a Sra Merkel boicotou sistematicamente, e obrigou a adiar, as soluções da crise do Euro. Não queria um resgate à Grécia, e só o aceitou com condições severas.

Três anos mais tarde, foi obrigada a reconhecer que a Grécia só podia aguentar-se no euro se a sua dívida fosse perdoada. E ainda dizem que ela é inteligente...

E só perante um ultimato dos dois Mários italianos, Draghi e Monti, é que foi obrigada a ceder, e aceitou a possibilidade do Banco Central Europeu comprar dívida dos estados diretamente. Foram precisos três anos para a senhora ver o óbvio. Mal o BCE teve esse poder, a crise do euro acabou.

Por último, Merkel obrigou a que os programas de resgate das "troikas" fossem duríssimos e profundos, e o resultado foi o óbvio: recessões cavadas nos países da periferia, que depois se expandiram a toda a zona euro. Só quando viu a recessão a chegar à Alemanha é que Merkel começou a compreender o mal que tinha feito à Europa. 

Pelos vistos, na Alemanha já há muita gente a perceber que Merkel não resolveu nada, e só piorou a crise. Quem sabe em Setembro os eleitores alemães façam à Europa o grande serviço de a despacharem definitivamente...

Mas, por cá ainda há quem a adore e ache que Merkel foi boa para Portugal e para a Europa. Não se percebe como. Não fossem os Mários italianos, o Monti e o Draghi, e talvez o euro já não existisse. 

publicado por Domingos Amaral às 17:28 | link do post | comentar | ver comentários (6)
Quarta-feira, 05.12.12

Uma Alemanha fortíssima numa Europa fraquíssima

Angela Merkel é adorada na Alemanha, mas poucos gostam dela no resto da Europa. Não admira. Enquanto a Alemanha se encontra forte e em grande forma, à sua volta espalha-se uma crise gravíssima. Merkel foi ontem reeleita líder pela sua CDU, que a aplaudiu de pé durante oito minutos, mas fora das suas fronteiras a apreciação é diferente.

É o que acontece a quem se especializou em dizer "Não" a tudo. Desde 2009, ano em que foi reeleita para chanceler da Alemanha, Merkel esteve sempre contra as mudanças necessárias para a Europa sair da crise. Não, não e não, foi a sua resposta inicial a qualquer ideia que pudesse ajudar a Europa. Foi essa a política da Alemanha: dizer Não, mesmo que uns meses depois fosse quase sempre obrigada a aceitar mudanças.

É importante recordar o seu primeiro Não. Foi em 2009, quando disse que a Alemanha não garantia a dívida dos outros países. Esta declaração, talvez a mais grave de todas, gerou uma crise de confiança nos mercados da dívida soberana. Se a Alemanha, o país mais rico e mais poderoso do euro, não ajudava, então quem ajudava? As taxas de juro de países como Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha, Chipre, Itália, e mesmo França e Bélgica, desataram a subir. A crise rebentou.

No início de 2010, Merkel disse o seu segundo Não: não queria um resgate europeu à Grécia. A Grécia afundou cada vez mais, e em meados desse ano, a Europa inteira e o FMI lá acabaram por reconhecer que não havia outra solução, e a Grécia foi mesmo resgatada, embora em condições terríveis e com juros altíssimos, o preço imposto pela Alemanha para aceitar esta contrariedade.

Com a Irlanda e com Portugal, o mesmo filme: primeiro Não, depois lá teve de ser o Sim, com imensa relutância e ferozes cláusulas. E o mesmo se passou com os mecanismos europeus de financiamento aos países, o FEEF e o MEE. Primeiro, a Alemanha disse Não, mas lá acabou por dizer que sim, sempre contrariada.

Situação semelhante se aplicou ao Banco Central Europeu. Quando Mario Monti falou na possibilidade do BCE comprar dívida soberana nos mercados secundários, logo a Alemanha disse Não! Meses mais tarde, aceitaria o sim. Para a união bancária, a mesma reação. Primeiro um rotundo Não, depois um lento e complexo sim, sempre cheio de travões e condicionantes.

Ao longo de três penosos anos, a Alemanha nunca teve uma visão política para a Europa, que pudesse corrigir as deficiências da união monetária e ultrapassar a crise. Manteve-se obstinada nos seus Nãos, limitando-se depois a fazer o mínimo necessário para que o euro não implodisse. Com isso, perdeu-se tempo, e a crise assentou arraiais na Europa do Sul, ameaçando agora a chegar à França e à Alemanha.

Esta postura de Merkel teve naturalmente o aplauso dos alemães. Na verdade, ela colocou sempre o interesse da Alemanha à frente de tudo e de todos. E o seu interesse pessoal também, pois como todos os políticos ela quer ser reeleita em Setembro de 2013. O único problema é que, para ser amada na Alemanha, ela irá pagar um alto preço, pois a crise na Europa não tem fim à vista.

É pena que Merkel não seja, como Kohl ou Adenauer, seus heróis da CDU, uma chanceler alemã que olhe para a Europa não como um bando de países irresponsáveis que a Alemanha tem de meter na ordem, e de aturar a contragosto, mas como uma união essencial para o mundo e, sobretudo, para todos os europeus.

publicado por Domingos Amaral às 12:02 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Quarta-feira, 28.11.12

O euro e a reputação de Portugal

Daqui a cinquenta anos, quando os historiadores olharem para as estatísticas do início do século XXI, vão ser difíceis de perceber os benefícios da entrada de Portugal no euro. À medida que o tempo for passando, e os efeitos da ilusão monetária em que o país viveu se dissiparem, a imagem nítida que vai aparecer é a de que a adesão à moeda única prejudicou muito Portugal.

Em 2012 e comparando com 1998, último ano do escudo, quase tudo está pior. O desemprego em 2012 é muito superior, a carga fiscal em 2012 é muito superior, o endividamento privado é muito superior, o deficit orçamental do Estado é mais alto, a dívida pública é muito mais alta, o desequilíbrio da balança comercial ou da de capitais são muito superiores ao que eram em 1998. E, claro, o crescimento económico de Portugal desde que entrou no euro é bem menor do que o das décadas anteriores, quando ainda tínhamos escudo. 

Quinze anos depois, Portugal só desceram a inflação e as taxas de juro, ambas menores do que antes. O euro desinflacionou a nossa economia, mas o preço que pagámos foi altíssimo. Nem as finanças públicas se equilibraram, nem as privadas melhoraram, nem a moeda única trouxe crescimento económico para novos sectores, enquanto os tradicionais sofriam e alguns quase desapareciam, como a agricultura e muita indústria.

Mais grave do que isso, é que o euro colocou em causa a reputação de Portugal nos mercados internacionais. Durante todo o século XX, Portugal não entrou em bancarrota nem uma única vez! Nem a confusão da República, nem Salazar, nem o 25 de Abril causaram tantos transtornos ao país como o euro. 

No século XIX, tínhamos sofrido crises dessas por seis vezes, mas a última fora em 1890, e não mais o país sofrera um problema grave de dívida externa, ao contrário por exemplo da Grécia, que teve uma bancarrota em 1932, ou mesmo da Alemanha, que teve duas bancarrotas, em 1932 e 1939.

As crises de inflação em Portugal também foram poucas em 100 anos, e nunca tivemos nenhum surto de hiperinflação, ao contrário por exemplo da Grécia, em 1922 e 1923, ou da Alemanha, em 1920 e 1923.

E ainda mais impressionante é o nosso registo perfeito no que toca a crises bancárias. Até 2008, Portugal era a única economia avançada que não tivera uma única crise bancária grave desde a Segunda Guerra Mundial! Apesar de termos tido duas crises de balança de pagamentos, em 1976-77 e em 1983-84, nenhuma delas foi suficientemente grave para manchar a nossa reputação internacional, que o euro em pouco mais de 10 anos colocou em risco. 

Em 2011, o resgate internacional a Portugal, executado pela "troika", mostrou com dureza que o euro debilitou Portugal, ao ponto de o país ter de se retirar dos mercados internacionais, coisa que nunca lhe acontecera desde 1890! Além disso, deram-se vários colapsos bancários. Faliram rotundamente o BPP e o BPN, e mesmo o BCP, o BPI e a Caixa Geral de Depósitos tiveram de ser resgatados pela "troika", pois corriam o risco de se afundarem.

A liberalização financeira, a liberdade de movimentação de capitais e as descidas abruptas da taxa de juro, trazidas pelo euro, foram uma cocaína perigosa para Portugal, e produziram uma grave crise que vai durar várias décadas a corrigir. Algo correu mesmo muito mal, para um país tão cumpridor e tão estável nas suas finanças, como Portugal foi durante mais de cem anos, acabar como está.

E, para quem acha que fomos os únicos, convém dizer que não fomos. Itália, Espanha, Grécia, Irlanda, e mesmo Áustria ou Chipre, estão parecidos. O que me leva a pensar que o problema talvez não esteja em nós, mas sim no euro, uma união monetária tão imperfeita que se transformou numa armadilha perigosa.  

publicado por Domingos Amaral às 11:47 | link do post | comentar
Sexta-feira, 24.08.12

O governo e o deficit

Esta semana, Vítor Gaspar reconheceu o que já todos sabiam inevitável: o déficit vai ser bem maior do que aquele com que Portugal se comprometeu com a "troika". Apesar de terem existido imensos cortes na despesa, apesar do não pagamento dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos, apesar do enorme aumento dos impostos diretos e indiretos, as contas não vão bater certo no fim. E tal acontece porque, como muitos avisaram, as violentas doses de austeridade dão sempre nisto: a economia entra em espiral negativa, deprime-se, e o resultado é muito mais desemprego (o que aumenta muito a despesa do estado devido aos subsídios de desemprego) e muito menos impostos cobrados, porque com menos actividade há menos receitas do IVA e de outros impostos, como o IA. Isto já se sabia, mas a teimosia europeia é espantosa, e o nosso Governo ainda quis ser mais papista que o Papa. A "troika", inspirada moralmente pela sra Merkl, tem imposto estas políticas de forma brutal a todos os países que já estavam com problemas, e o resultado tem sido sempre o mesmo. Primeiro a Grécia, depois a Irlanda e Portugal, a seguir a Espanha e a Itália, todos estão a ser apertados neste torniquete cruel e inútil. Não conseguem crescer, têm cada vez mais desemprego, e não conseguem pagar as dívidas. E entretanto, o vírus da recessão está a espalhar-se. Com toda a periferia da Europa deprimida, a recessão já está a chegar ao Norte da Europa e à Alemanha, que tinham na exportação para os países do sul um dos seus motores de crescimento. Em breve, toda a Europa estará numa recessão cada vez mais cavada, e só talvez nesse dia os povos percebam que têm de se revoltar contra estas políticas de austeridade que os estão a massacrar. Infelizmente, nesse dia poderá já ser tarde para o euro e para a Europa, e décadas de prosperidade económica terão sido destruídas pelos zelotas da austeridade e pelos magos dos liberalismo radical. Como na Europa já se devia saber, o fanatismo ideológico, qualquer que seja a sua cor, só produz misérias e desastres.      

publicado por Domingos Amaral às 12:42 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Terça-feira, 31.07.12

O descalabro do euro

Espanha entrou em espiral depressiva, Itália está em perigo, o desemprego continua a subir para níveis assustadores em Portugal e na Irlanda, e a Grécia está de novo à beira do precipício. Neste início de Agosto de 2012, há cada vez menos europeus a acreditarem no futuro da Europa, e a crise em vez de aliviar está-se a agravar de dia para dia. Como é que vamos sair deste enorme sarilho onde todos nos metemos? O euro, em vez de ser um grande promotor do crescimento económico e da prosperidade, transformou-se num cemitério de empregos, de empresas, de bancos, de governos e de Estados. Se compararmos por exemplo o Portugal de 1998 com o Portugal de 2012, o cenário é aterrador. Em 2012 está tudo pior. Há mais desemprego, menos crescimento económico, mais pobreza, impostos mais altos, mais dívidas, mais emigração, salários mais baixos e menos benefícios fiscais. E isto passa-se não só em Portugal, mas também na Grécia, na Irlanda, em Espanha, em Itália e um pouco em França. Era isto que nós queríamos quando entrámos para o euro? Catorze anos depois está tudo pior, não se aproveita nada...   

publicado por Domingos Amaral às 12:42 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Ricardo Salgado e os mercados

Ricardo Salgado, presidente do BES, disse ontem que "os mercados financeiros estão descontrolados" e que são os hedge funds e as private equities "os verdadeiros manipuladores do mercado", que "atacam os países". O curioso desta frase é que ela poderia ter sido dita por um líder do Bloco de Esquerda, ou do PCP, pois é isso que eles andam a dizer há muitos meses ou mesmo anos. Que venha agora o presidente do maior banco nacional reconhecer essa realidade é um pouco tarde...mas não deixa de ser verdade. Uma das principais causas da grave crise financeira que o mundo atravessa desde 2008, e que se está a agravar todos os meses na Europa, é o total e absoluto descontrole em que vivem os mercados financeiros. Desde que se decidiu liberalizar os movimentos de capitais em todo o mundo, e com a criação do euro isso foi levado ao extremo na Europa, as movimentações financeiras entraram em roda-livre e criou-se um monstro que ninguém consegue domesticar. Mas, durante muitos anos, os bancos conviveram alegremente, e lucraram muito, com essas actividades. Que agora tenham chegado à conclusão que também eles são vítimas do sistema é uma ironia, cruel e dura. Os amigos de ontem são hoje nossos inimigos...

publicado por Domingos Amaral às 12:26 | link do post | comentar | ver comentários (1)
 

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