Terça-feira, 11.03.14

A sra Merkel não deixa reestruturar a dívida!

Foi hoje revelado um manifesto de múltiplas "personalidades" que apela à reestruturação da dívida portuguesa.

Só peca por tardio, o dito manifesto.

Neste blog, por exemplo, há mais de ano e meio que escrevo que a "reestruturação" da dívida é das poucas saídas possíveis para Portugal.

Porém, não irá acontecer, com manifestos ou sem manifestos.

E não irá acontecer porque a Alemanha não deixa.

Empolgada com os resultados que começam a aparecer, de recuperação da zona euro, e sobretudo empolgada com a hipótese de Portugal conseguir regressar aos mercados em breve, a sra. Merkel nem quer ouvir falar em reestruturação da dívida.

Para ela, a austeridade é um caminho salvador, produz bons resultados, e resolverá a crise europeia.

E, além disso, a sra Merkel tem com ela todos os alemães, que não admitem "perder dinheiro" com os povos do Sul, esses libertinos e gastadores.

Pedir a "reestruturação" da dívida é pois pregar no deserto, pois os alemães estão-se nas tintas para o que nós pensamos, tal como se estão nas tintas para o que muitos economistas defendem.

 

É evidente, para quem conheça a história económica dos últimos setecentos anos, que não há casos relevantes de países que tenham saído da crise sem reestruturação de dívida.

O mito da "austeridade expansionista", tal como o mito do "crescimento pelas exportações", não passam disso mesmo, mitos.

Nenhum país conseguiu ultrapassar uma situação de dívida excessiva só com a austeridade ou com as exportações.

Mais tarde ou mais cedo, todos reestruturam as suas dívidas e a vida continuou.

Foi assim com a Alemanha, sobretudo a seguir à Segunda Guerra Mundial, mas também com muitos outros países por esse mundo fora.

Só que, havia uma diferença essencial entre esses países e o Portugal actual.

É que os países que reestruturaram as suas dívidas tinham uma moeda autónoma, e Portugal não tem.

 

Estar no euro muda tudo, principalmente porque estar no euro implica estar dependente de outros países para tomar decisões.

Dentro do euro, só se pode reestruturar a dívida se os nossos parceiros estiverem de acordo, e isso não acontece.

Nem vai acontecer nos tempos mais próximos, pois os alemães não se deixam persuadir nestas circunstâncias.

Uma reestruturação da dívida permitiria a Portugal pagar muito menos juros, o que libertaria fundos para estimular a economia.

Mas, para isso era preciso que os credores aceitassem essa reestruturação, recebendo menos dinheiro já.

Politicamente, tal hipótese é uma impossibilidade.

A carga pesada da dívida vai continuar sobre os nossos ombros, pois essa é a vontade da Alemanha.

E nada se faz na Europa sem a benção da mulher de Berlim, essa é que é essa.  

publicado por Domingos Amaral às 12:28 | link do post | comentar
Sexta-feira, 29.11.13

A euforia bolsista é sinal de que as coisas estão melhores?

As bolsas de todo o mundo andam eufóricas!

Na América, os índices Dow Jones e S&P batem recordes históricos, e o mesmo sucede na Alemanha, com o índice Dax.

No Japão, também o Nikkei tem subido bem, nos últimos meses, e o mesmo se passa em vários países europeus, como França, Espanha ou Portugal, onde os respectivos índices, CAC, Ibex e PSI, têm estado sempre a subir.

O que é que isto quer dizer, que estamos todos a sair da grave crise que assola o mundo desde 2008?

Há várias explicações para este fenómeno geral de euforia bolsista, mas em primeiro lugar temos de separar dois mundos, que devem ser examinados em paralelo.

Há o mundo da alta finança, das bolsas, dos bancos centrais, dos mercados obrigacionistas e de futuros ou matérias primas, e depois há o mundo da economia real, das empresas e das pessoas.

No mundo financeiro, há uma clara melhoria da situação. Os pânicos de 2008 e anos seguintes estão afastados, as taxas de juro estão muito baixas, e o sistema bancário mundial está mais sólido do que há uns anos atrás.

A acção dos três ou quatro bancos centriais mais importantes do mundo (o FED americano, o BCE europeu, o Banco do Japão e o Banco de Inglaterra) tem sido a acertada, com políticas monetárias expansionistas, seja através de compra de títulos, seja de baixas de taxas de juro.

É essencialmente esta política monetária que tem feito subir as bolsas, pois aumenta a liquidez, dá segurança e portanto faz subir o preço dos ativos financeiros (ações, obrigações, etc).

Embora existam diferenças, (as subidas são mais fortes nos EUA do que na Europa, pois o FED é mais activista que o BCE), há uma sensação geral de forte melhoria da alta finança.

Porém, o que é também habitual, pois a alta finança costuma andar mais depressa que a economia, seja a crescer, seja a descer, a verdade é que situação económica geral é ainda frágil.

Na América, há crescimento económico, embora não espectacular, pois o Congresso, dominado pelos republicanos, obriga a permanentes cortes na despesa do Estado, o que traz alguma recessão.

No Japão, também começa a haver melhorias económicas, embora ainda ténues. O mesmo se passa em Inglaterra, e até na China.

Porém, é na Europa que as coisas são mais mistas.

A Europa parece dividida ao meio. Há um grupo de países, liderado pela Alemanha, que está muito bem.

E depois há um grupo de países do Sul, onde se contam Portugal, Itália, Grécia, Espanha, Irlanda e Chipre, que está carregado de problemas, com elevadas dívidas e alto desemprego.

No seu conjunto, a Europa quase não cresce, e ninguém sabe bem como resolver a armadilha em que está apanhada, com muita dívida, desemprego e até deflação, pois aquilo que é bom para a Alemanha é mau para outros países, e aquilo que é bom para o Sul é mau para a Alemanha.

Veremos o que trazem os próximos meses, e se a melhoria financeira que tanto contagia as bolsas traz também alguma melhoria económica, ou se os desequilíbrios se mantém.



 

publicado por Domingos Amaral às 10:25 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Quarta-feira, 27.11.13

A Alemanha acabou de virar à esquerda, e ainda bem para nós!

Com o acordo hoje anunciado na Alemanha, entre o SPD e a Sra Merkel, o país vai virar um pouco à esquerda.

Merkel, apesar de contrariada, aceitou a imposição de um salário mínimo mais elevado, e também o crescimento da despesa pública alemã, nomeadamente com mais investimentos públicos em estradas.

De repente, Merkel é obrigada a fazer o que não fez, aumentar a despesa pública!

Essas são boas notícias para a Europa, para o euro e para Portugal.

A Alemanha, país mais rico, é um rebocador das outras economias europeias, e gastando mais pode puxar pelas outras, que exportarão mais.

É o contrário do que Merkel fez durante os últimos quatro anos, e que tanto mal provocou na Europa.

Desde 2009 que muitos vinham pedindo que ela estimulasse a economia alemã, mas ela resistiu teimosamente, sempre defendendo a austeridade, sem perceber que assim agravava a crise europeia.

Quem me lê, sabe bem que não admiro em nada a Sra Merkel. Acho-a lenta a raciocinar, pouco inteligente e com um grave preconceito contra certos países do Sul.

Nos últimos quatro anos, à frente de um Governo com os liberais, Merkel foi tudo o que uma líder europeia não devia ser.

Foi ela que gerou uma enorme crise de confiança no euro, ao dizer em finais de 2009 que a Alemanha não pagava a dívida dos outros países.

A partir daí, a eurozona andou à deriva, e só estabilizaria em 2012, quando Mário Draghi prometeu fazer tudo para "salvar o euro".

Mas, a desastrosa influência de Merkel não se viu só nessas frases assassinas.

Durante vários anos, tentou sabotar qualquer solução europeia da crise.

Tentou evitar os mecanismos de estabilidade europeia, tentou sabotar a intervenção do BCE, e ainda continua a tentar evitar a união bancária.

Em vez de liderar a Europa, na procura de uma solução europeia integrada, que fizesse a zona euro sair da crise, Merkel manteve o discurso obstinado em defesa da austeridade, obrigando os países da Europa do Sul a suportarem sozinhos um ajustamento duro e rápido.

O resultado está à vista de todos: o desemprego aumentou muito na Europa, os países do Sul estão numa recessão dura, a deflação é agora o maior perigo que a zona enfrenta, e por fim, prova dos nove de como as políticas de austeridade falharam, as dívidas soberanas, em vez de terem descido, subiram!

Veja-se o caso de Portugal, por exemplo.

Há quatro anos, em Janeiro de 2009, a taxa de juro da dívida pública rondava os 6%, e o stock total de dívida ia nos 150 mil milhões de euros.

Quatro anos de dura austeridade depois, a taxa de juro continua a rondar os 6%, mas o stock de dívida é agora de 230 mil milhões de euros!

Com mais desemprego, mais impostos e mais recessão. Pior era difícil.

Porém, na Europa, todos já perceberam que a austeridade germânica não leva a lado nenhum.

Finalmente, a partir de agora, será a própria Alemanha a ter de mudar. A viragem à esquerda da Alemanha, contra a vontade da Sra Merkel, é pois uma boa notícia para nós. E para o euro também. 

publicado por Domingos Amaral às 12:17 | link do post | comentar
Segunda-feira, 18.11.13

As 7 razões porque 2013 está a ser melhor que 2012

Parece evidente a todos que a economia portuguesa está melhor em 2013 do que esteve em 2012.

O desemprego baixou um pouco, e a recessão não foi tão forte, com dois trimestres seguidos de algum crescimento.

O déficit orçamental não baixou muito, mas também não piorou, e as taxas de juro da dívida estão agora abaixo de 6%.

Mas, o que é que mudou entre 2012 e 2013?

Muita coisa, e convém perceber o quê.

 

1) Lá fora, mudou o ambiente financeiro.

Em 2012, as taxas de juro da dívida portuguesa, e de quase todos os países europeus, foram vítimas de enorme instabilidade, com crescimentos muito acentuados.

Porém, a partir de Setembro, quando o BCE anunciou o programa OMT, as coisas desanuviaram, e esse diminuir das tensões prolongou-se por 2013.

Tanto o BCE, como sobretudo o FED americano e o Banco do Japão, aplicaram uma política monetária expansiva em 2013, com quedas das taxas de juro ou "quantitative easing".

É sobretudo por isso que se verifica uma calmaria nos mercados das dívidas públicas, pois os investidores, "os mercados", têm mais garantias de liquidez e portanto não estão tão desconfiados.

E foi sobretudo isso que permitiu à Irlanda voltar "aos mercados", e poderá auxiliar Portugal nesse objectivo em 2014.

 

2) Lá fora, as bolsas internacionais têm estado a subir.

Uma das consequências da política monetária expansiva que tem sido seguida nos EUA, no Japão e um pouco na Europa, foi a subida das bolsas internacionais.

Em 2013, as bolsas de Nova Iorque batem recordes, e as europeias e japonesas também têm estado sempre a subir.

Além do que isso significa em termos psicológicos, há também um "efeito riqueza" que se vai espalhando à economia.

Como as suas carteiras de ações se valorizam, os consumidores podem aproveitar para consumir mais, e as empresas para investir. 

 

3) Lá fora, houve várias economias que melhoraram os seus crescimentos económicos.

A América continuou a crescer, o Japão começou a crescer, a na Europa, a Alemanha e o Reino Unido também conseguiram algum crescimento.

Até a própria Espanha, tão deprimida em 2012, melhorou a sua situação!

Embora a China tenha estado abaixo do esperado, há indicadores que os chineses irão estimular mais o seu mercado interno, e isso já se sentiu um pouco em 2013.

Os rebocadores da economia mundial, embora tenham crescido pouco, estão pois em terreno positivo, e isso possibilitou a que os países mais pequenos, como Portugal, tenham conseguido exportar mais em 2013 do que em 2012.

 

4) Cá dentro, sentiu-se a melhoria do cenário internacional.

As exportações portuguesas beneficiaram com os crescimentos de vários países, e bateram vários recordes.

Além do mérito nacional, isso só foi possível porque as "economias rebocadoras" aumentaram a procura dos nossos bens.

No teatro financeiro, Portugal também beneficiou muito das descidas das taxas de juro da dívida que a actuação dos bancos centrais europeu e americano possibilitaram. 

Por fim, também a nossa bolsa de Lisboa esteve bem, sobretudo no segundo semestre de 2013, o que valorizou muito as carteiras dos que têm valores mobiliários, e produziu um efeito positivo extra, que pode ter tido algum efeito positivo no consumo.

 

5) Cá dentro, o turismo português teve um ano excelente.

Seja por mérito próprio, seja devido à instabilidade no Norte de África, que desviou para Portugal muitos turistas, a verdade é que o ano foi muito bom, o que permitiu uma entrada de receitas adicional que muito jeito nos deu. 

Esta crescimento adicional foi importante para compensar os efeitos negativos da recessão interna.

Foram os estrangeiros que nos ajudaram, e o mesmo aconteceu à Grécia.

 

6) A economia portuguesa adaptou-se melhor ao aumento do IRS do que aos cortes na despesa.

Em 2012, os cortes nos subsídios de férias e Natal, e os muitos cortes em despesas intermédias do Estado, provocaram uma recessão interna muito cavada. O desemprego disparou, e o PIB caiu muito mais do que se esperava, tendo por isso também diminuído muito as receitas fiscais.

A brutal austeridade provocou uma brutal recessão.

No entanto, em 2013 a política orçamental mudou.

Em vez de cortar à bruta na despesa, o Governo subiu o fortemente IRS.

O que se verificou, em 2013, foi que a economia absorveu muito melhor o aumento do IRS, e a recessão foi muito menos forte.

Aumentar os impostos provocou menos danos do que cortar na despesa, é essa a lição a retirar.

 

7) O Tribunal Constitucional deu, mais uma vez, uma boa ajuda à economia.

O veto do TC ao corte de um dos subsídios em 2013 ajudou a economia portuguesa.

Ao impedir que o Governo aplicasse esse corte, o TC permitiu que esse dinheiro fosse parar ao bolso das pessoas, ajudando a economia pela via do consumo.

Em vez de criticar TC, o Governo devia agradecer ao TC por ter ajudado ao crescimento da economia.

Embora não exista ainda qualquer "milagre económico", algum do crescimento económico que existiu em 2013 deve-se ao TC e não ao Governo.  

 

Em resumo: 2013 foi melhor do que 2012, mas era bom perceber que, se o Governo tivesse feito o que queria, cortar os 2 subsídios a funcionários e pensionistas, provavelmente não estaria agora a festejar o regresso ao crescimento económico, pois a recessão teria sido bem mais forte, como foi em 2012.

A estranha conclusão é esta: este Governo beneficiou, não das suas políticas desejadas, mas daquilo que foi obrigado a fazer contrariado.

E é pena que ainda não tenha aprendido a lição, e que anuncie para 2014 mais cortes na despesa.

Já devia ter percebido que isso é pior para a economia do país, e no limite para o próprio Governo.

 

 

publicado por Domingos Amaral às 10:49 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Sexta-feira, 15.11.13

A vitória da Irlanda é uma vitória da Europa da austeridade?

A Irlanda anunciou ontem que não irá necessitar de um programa cautelar, e que vai regressar aos mercados sozinha, sem a assistência da Europa.

É evidente que, à superfície, esta é uma vitória da Europa da austeridade, das troikas e dos ajustamentos.

É evidente também que esta é uma vitória da própria Irlanda, cujo governo conseguiu trabalhar bem e recuperar a credibilidade perdida com as graves crises bancárias irlandesas, a partir de 2008.

Mas, antes da Europa entrar em euforia e triunfalismo, declarando que o seu modelo de resolução destas crises foi o correto, é preciso perceber que o problema irlandês era, e é, muito diferente dos outros.

Na Irlanda, não havia um Estado com desequilíbrios orçamentais, nem a dívida pública era demasiado elevada, em 2009.

O que se passou na Irlanda foi a mais grave crise bancária dos últimos 50 anos num país europeu.

Os bancos irlandeses enlouqueceram, entre 2001 e 2009, e cresceram em demasia, ganhando uma dimensão brutal, superior à economia do próprio país.

Quando a crise de 2008 explodiu, a banca irlandesa explodiu também, caindo com estrondo.

Para evitar uma corrida aos bancos, que era eminente, o Estado irlandês foi obrigado a engolir os bancos privados do país, nacionalizando-os, ou assumindo as suas colossais dívidas.

De um ano para o outro, a dívida do Estado multiplicou-se, não porque o Estado gastasse demais, mas porque teve de absorver a dívida dos bancos.

A credibilidade do Estado irlandês nunca esteve em causa, e a austeridade só foi necessária para tranquilizar os investidores.

Se o BCE tivesse anunciado mais cedo o seu programa de compras de dívida pública, que só existiu a partir de Setembro de 2012, a Irlanda provavelmente nem sequer tinha de ser "resgatada".

No entanto, desenganem-se os que pensam que o regresso aos mercados resolve os graves problemas da Irlanda, porque não resolve.

A dívida privada, na Irlanda, é colossal, seja ela de pessoas, de empresas, pequenas ou grandes, ou de bancos.

Como têm o orçamento do Estado equilibrado, se não contarmos com as dívidas dos bancos, a Irlanda tem mais margem para emitir dívida, mas a sua economia continua atolada em sarilhos.

Ninguém sabe ainda como resolver o problema das colossais dívidas da Irlanda, mas pelos vistos eles vão resolver como sempre se resolveu, com mais dívida.

Voltar aos mercados, no caso da Irlanda, é isso: pagar dívidas com mais dívidas, rolar a dívida para a frente e esperar que o futuro resolva o que o presente não consegue resolver.

Veremos quanto tempo dura este equilíbrio instável de mais um país europeu.

Não nos iludamos, o monstro da dívida continua lá, bem vivo, e pode explodir a qualquer momento. 

publicado por Domingos Amaral às 12:43 | link do post | comentar | ver comentários (3)
Sexta-feira, 08.11.13

Europa: a armadilha da dívida e da deflação

Ontem, o sr. Mario Draghi, governador do Banco Central Europeu, admitiu pela primeira vez que a Europa pode estar confrontada com um novo e grave problema, a deflação!

A deflação é o oposto da inflação, é um processo continuado de descida de preços, e é tão perigosa ou mais que a inflação.

Numa deflação, as pessoas esperam que os preços desçam, e por isso não consomem, pois amanhã poderão comprar mais barato do que hoje.

Portanto, em vez de consumirem, poupam.

Assim, o crescimento económico é mais difícil, e é isso que se está a passar na zona euro, e por isso Draghi desceu as taxas de juro do BCE.

Mas, a deflação traz outro grave problema: embora os preços dos bens e dos ativos desçam, as dívidas não descem de valor, pelo contrário, há um aumento real do seu valor!

Com deflação, é muito mais difícil pagar dívidas, e é esse também o drama da zona euro, sobretudo dos países que estão muito endividados, como Portugal, Grécia, Irlanda, Espanha, Itália ou Chipre.

Porém, ninguém se deve espantar que isto esteja a acontecer.

Já nos anos 30, o economista Irving Fischer tinha escrito sobre esta situação, a chamada "armadilha da dívida e da deflação". 

Nessa armadilha, quando os países caem nela, quanto mais dívida pagam, mais devem!

Os esforços para reduzir a dívida, se forem muito pronunciados, se a austeridade for muito forte, provocam recessão, e isso leva à subida da dívida em percentagem do PIB!

É o chamado "paradoxo da desalavancagem": quando todos cortam as despesas ao mesmo tempo, isso gera uma tal contração, que todos ficam pior no fim, ainda com mais dívida.

Ao mesmo tempo, a deflação faz com que as pessoas poupem mais, e nasce o segundo paradoxo, o "paradoxo da poupança"!

Supostamente, é boa ideia poupar, ainda por cima em tempos difíceis como os que atravessamos. Contudo, se toda a gente poupar ao mesmo tempo, consome-se menos e a economia encolhe.

Lembram-se de Passos Coelho ter dito recentemente que os portugueses "tinham poupado demais"?

Pois é, tanto os assustaram, e tanto lhes cortaram o rendimento disponível, que eles se assustaram e pouparam muito, o que retraiu ainda mais a nossa economia!

São esses mecanismos que geram o sarilho em que a Europa está hoje metida.

A cruzada austeritária liderada pela Sra Merkel deu nisto: uma Europa sem crescimento económico, cheia de desempregados, e confrontada com o drama da deflação!

As fúrias contra a despesa do Estado, os ajustamentos austeritários, os programas das "troikas", conduziram a Europa a este terrível cenário.

E, pelo meio, os únicos que estão bem são os alemães, que batem recordes de excedentes comerciais, enquanto os outros se afundam em déficits.

O caminho da austeridade está a dar cabo da Europa, de Portugal e de vários outros países, e mais tarde ou mais cedo vai gerar-se um abismo entre os alemães e todos os outros. 

Ou as políticas europeias mudam, e se volta a apostar no crescimento e na despesa dos Estados, ou todo o edifíico do euro e da união monetária ficará em risco, e a divisão entre um Norte rico e um Sul pobre vai provocar um cisma poderoso!

 

publicado por Domingos Amaral às 12:36 | link do post | comentar
Quarta-feira, 06.11.13

A Alemanha anda a lixar o euro?

Nas últimas semanas, a Alemanha tem sido muito criticada, seja pelos americanos, seja pelo FMI, seja até subtilmente pela Comissão Europeia.

A causa das críticas é simples: a Alemanha tem um enorme excedente comercial, exporta muito mais do que importa, e isso tem desequilibrado muito a situação na zona euro.

Os outros países, sobretudo os países do Sul, têm grandes déficits comerciais e de capitais com a Alemanha, e apesar de os estarem a tentar corrigir, com tremendos esforços e profundas recessões, o equilíbrio não volta, pois a Alemanha não faz nenhum esforço para corrigir o seu excedente.

A economia é assim, cada moeda tem sempre duas faces.

Se nós temos um déficit na balança comercial ou de transações correntes, alguém tem de ter um excedente. Para que este desequilíbrio se consiga corrigir, ambas as partes têm de alterar as suas políticas.

Contudo, os alemães não aceitam este princípio.

Eles acham que os déficits dos países do Sul existem porque eles são pouco produtivos, pouco competitivos, e consomem demais, importanto mais do que deviam.

Mas, acham que o seu excedente é virtuoso, sinónimo de competitividade alemã e de vitalidade económica, e não querem deixar de o ter.

Portanto, não querem saber nem de conselhos nem de críticas.

Não querem subir salários na Alemanha, não querem mais inflação, nem querem ter de importar mais.

Ou seja, querem continuar como são, porque se julgam melhores que os outros.

Porém, assim não há equilíbrio.

Por mais que os países do Sul tentem corrigir, gastando e importando menos, se a Alemanha não puxar pela sua economia, os países do Sul não conseguem exportar para lá, e por isso não conseguem crescer.

É pois, ou devia ser, evidente para todos que o euro não está a funcionar bem.

Não é possível aceitar que só a Alemanha ganhe com o euro, como tem ganho.

Foram 10 anos de grandes excedentes para a Alemanha, e grandes déficits para os países do Sul!

Para muitos países, começa a não fazer sentido estar numa união monetária em que só a Alemanha ganha, e quase todos os outros perdem.

Se os alemães não perceberem isto depressa, e continuarem cegos, o que é o mais provável porque eles se acham superiores a todos os outros, em breve será impossível sustentar um euro que provoca estes graves desequilíbrios.

Antes do euro, a única forma que os outros países tinham de impedir esta supremacia da Alemanha, era desvalorizarem as suas moedas.

Agora, não têm essa arma, e por isso estão reféns da Alemanha, que os despreza e humilha constantemente.

Ou isto muda depressa e a Europa se transforma nuns Estados Unidos da Europa, ou a coisa, mais cedo ou mais tarde, fica insustentável.

Que sentido faz termos uma moeda que nos prejudica e empobrece?

 

publicado por Domingos Amaral às 13:06 | link do post | comentar
Terça-feira, 29.10.13

O muito original "milagre económico" de Pires de Lima

O senhor ministro da Economia, Pires de Lima, disse hoje que Portugal está a viver um verdadeiro "milagre económico".

É verdade, juro que é, vejam as declarações que ele fez e verão que não estou a mentir.

O que me preocupa é esta estranha dissonância entre a realidade do que vai acontecendo e o discurso de Pires de Lima.

Será que não é um pouco, vamos lá, excessivo, considerar que uns pontinhos décimais de crescimento do PIB são um "milagre económico"?

Será que o ministro não está a exagerar?

Antigamente, nos tempos em que a economia era uma ciência, e não uma questão de fé religiosa, só se podia considerar um "milagre económico" uma década de alto crescimento do PIB.

Um milagre económico era a Alemanha, nos anos 50 e 60, que cresceu brutalmente e se levantou da ruína em que Hitler a deixara.

Um milagre económico era o Japão, que teve vinte anos de fantástico crescimento industrial, e se transformou num dos países mais ricos e poderosos do mundo, recuperando do descalabro depois da guerra.

Um milagre económico era a Coreia do Sul, que depois da guerra da Coreia, em que se separou da parte Norte, se transformou numa sociedade poderosa e livre, que gerou altos crescimentos económicos.

Um milagre económico era, por exemplo, o equilíbrio de certos países nórdicos, que apesar de terem um Estado muito forte, com elevada despesa social, conseguiam apresentar forte crescimento e uma distribuição de riqueza e um nível de vida ímpares.

Sim, no tempo em que eu estudei, eram esses os exemplos de "milagres económicos".

Mas, pelos vistos, nos dias que correm qualquer 0,5% de crescimento num trimestre, já é considerado um "milagre económico".

Há um trimestre ou dois menos maus e logo um ministro grita: é milagre, é milagre!

É evidente que isto cria uma certa perplexidade nos portugueses

A mim, Pires de Lima lembrou-me um pouco aqueles profetistas meio tontos, de certa idade, que estão no Rossio com cartazes sobre a religião, Deus e o apocalipse que pode vir...

Mas, nós já nos habituámos a tudo!

Já nem nos faz impressão que um ministro diga que estamos a viver um "milagre económico" quando o orçamento corta brutalmente salários, corta pensões até às viúvas, sobe impostos por todo o lado, e coisas assim.

E ninguém estranha que para o ministro seja perfeitamente possível estar ao mesmo tempo a acontecer um "milagre económico" e o país ter de suportar uma carga fiscal altíssima, um desemprego enorme, uma recessão grave, e um orçamento carregado de toneladas de austeridade!

É, de facto, um "milagre económico" muito especial, muito original, muito português...

Não duvidem: o milagre de Pires de Lima vai certamente entrar para a história de económica do planeta, e em breve será ensinado nas universidades de Harvard e Oxford!

publicado por Domingos Amaral às 18:19 | link do post | comentar
Segunda-feira, 09.09.13

O trambolhão de Portugal no ranking da felicidade mundial

Todos os anos, a Universidade de Columbia, em Nova Iorque, (onde tirei o meu mestrado, que saudades!), publica um Relatório Mundial sobre a Felicidade.

Examina items como a capacidade económica, a qualidade da educação, das família, da saúde pública e privada, das instituições públicas; a esperança de vida, a liberdade de escolha, ou as relações com a comunidade. 

Com base nestes indicadores, é avaliada a felicidade dos países, e atribuída uma média.

Em 2012, Portugal estava na 73ª posição, com um nível médio de feliciade de 5,4, numa escala de 0 a 10.

Mas, este ano caiu 12 lugares, para a 85ª posição entre 156 países, e para um nível médio de 5,1.

Segundo o estudo, a quebra deve-se ao "impacto da crise da zona euro", que obviamente também fez descer de posição outros países do Sul da Europa, como a Itália, a Espanha e a Grécia. 

O que é interessante é que no topo da lista estão a Dinamarca, a Noruega, a Suíça, a Holanda e a Suécia.

O Canadá é o 6º classificado, e os Estados Unidos só aparecem em 17º lugar, enquanto a Alemanha ainda aparece mais atrás, em 26º lugar. 

Mas, fiquemo-nos pelos primeiros seis.

Em cinco deles (Dinamarca, Noruega, Suíça, Suécia e Canadá) impera um modelo quase social-democrata, de muita despesa pública, muito Estado Social, e elevados impostos. 

Em certos casos, como a Suécia, a despesa do Estado chega a ultrapassar os 60 por cento do PIB.

O que nos diz isto sobre os princípios liberais que estão tão em voga em Portugal e em muitos países da Europa?

Será que a redução da despesa do Estado é a melhor via para chegar a uma sociedade feliz e equilibrada?

Será que um modelo de Estado mínimo e impostos baixos, como parece ser a ambição da direita liberal portuguesa, é o melhor e mais eficaz?

As pessoas preferem um Portugal mais parecido com Marrocos ou com a Suécia?

A Suécia também teve um grave crise de excesso de dívida, porém nunca pôs o seu modelo em causa.

E, pelos vistos, os nórdicos são os "top model" da Europa, felizes, ricos e com muita despesa do Estado e muitos impostos.

Será que cortar a despesa do Estado é a única via para a felicidade, ou o centro direita poderá ter de admitir, num futuro próximo, que é absolutamente inevitável vivermos numa sociedade com impostos elevados?

Eu sei que dizer isto, nos tempos que correm, é quase uma heresia que merece que me queimem na fogueira, mas será a redução drástica da despesa do Estado o único caminho para Portugal? 

Se fossemos todos menos dogmáticos e ideológicos, como no Canadá, não seríamos mais felizes como país?

publicado por Domingos Amaral às 12:48 | link do post | comentar | ver comentários (3)
Sexta-feira, 19.07.13

Detroit pode, mas Portugal não

A cidade de Detroit, nos Estados Unidos da América, foi à falência.

Com menos população, com menos receitas fiscais, com muita despesa extra e desnecessária e muita corrupção, teve um fim desagradável, o estoiro das contas.

Mas, e essa é a novidade, quando na América uma cidade ou um estado, ou uma grande empresa, vão à falência, há leis especiais que entram de imediato em funcionamento.

Para as empresas, é o famoso capítulo 11. Para as cidades, como Detroit, é o capítulo 9.

Ambos protegem as instituições contra a voracidade dos credores, permitindo-lhes executarem planos de recuperação financeira que passam, eis a palavra mágica, pela "reestruturação da dívida".

Eis como, em países civilizados, se resolvem problemas difíceis.

Porém, na Europa não há disto.

Não há um capítulo 11 ou um capítulo 9 para países que estão aflitos.

Ninguém aceita o princípio da "reestruturação das dívidas", ninguém aceita que os credores percam dinheiro.

Sobretudo porque esses credores são alemães.

É uma infelicidade para a Europa. Enquanto na América as coisas se resolvem depressa e com soluções inteligentes, por cá andamos aos solavancos, afundados numa austeridade estúpida que nada resolve.

A Europa continua mergulhada na armadilha da dívida.

Já a América avança.

publicado por Domingos Amaral às 11:41 | link do post | comentar | ver comentários (1)
 

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