O amor deixa-nos sempre em alarme

"O amor deixa-nos sempre em alarme.

Alarma-nos quando começa, ou quando não é correspondido; alarma-nos enquanto dura, e mesmo que seja correspondido; alarma-nos quando acaba e nos dói; e continua a alarmar-nos mesmo que tenham passado mil anos desde o dia em que acabou.

Não há homem, nem mulher alguma, que não se alarme enquanto ama, e também não há homem nem mulher alguma que, ao cruzar-se com uma pessoa que um dia amou, não sinta um sacudimento de alarme.

Muito tempo já passou, e sabemos que já não amamos essa pessoa. No entanto, alarmamo-nos como se ainda a amássemos, como se a força dos sentimentos que um dia sentimos ainda nos dominasse.

Pode ser apenas por um breve instante, facilmente ultrapassado, mas não deixa de ser um estado de suprema perturbação, um alarme geral.  

É assim que me sinto agora, mesmo cinquenta anos depois estou alarmado com a ideia de rever uma mulher que tanto amei.

A culpa é tua, meu querido neto Paul. Disseste-me há pouco que descobriste essa espantosa mulher chamada Alice, e com isso perturbaste a minha paz e a minha serenidade, e deixaste-me assim, em estado de alarme.

(...)

Alice está viva? Tens a certeza que é ela?

Explicas-me que sim, falaram ao telefone, é a minha Alice, a Alice que amei loucamente entre 1941 e 1943, a Alice monumento físico que enlouquecia os homens, a Alice espia dupla que trabalhava para os nazis ao mesmo tempo que para o Michael, o meu melhor amigo, chefe no MI6, espião ao serviço de sua majestade em Lisboa.

“Dragonfly” era o seu nome de código, a bela Alice que eu expus e denunciei sem o saber, a inimitável Alice que eu amei enganado, a irrequieta Alice que elogiava Hitler só para me incomodar...

Meu Deus, será possível? Será a mesma Alice de quem me despedi uma noite no Guincho em 1943, pensando que iria partir para sempre de Portugal?

Dizes-me que sim, que é a mesma, e acrescentas que não sabias que eu a tinha voltado a encontrar em 1945.

Foi ela que te disse isso? Falaram disso porquê? Será que ainda me ama, será que tem saudades minhas?"

 

Estas são as palavras iniciais do meu novo livro, "O Retrato da Mãe de Hitler", que já está à venda nas livrarias. É a continuação do meu anterior livro, "Enquanto Salazar Dormia", e espero que os leitores gostem tanto de o ler como eu gostei de o escrever. 

publicado por Domingos Amaral às 15:59 | link do post | comentar