Quinta-feira, 14.03.13

Seja bem vindo Francisco I

Um Papa vindo da Argentina nunca pode deixar de ser uma boa notícia!

E ainda por cima chamado Francisco, um nome muito bonito, que ao ser escolhido deu logo uma dimensão diferente ao novo Papa. É com pormenores destes que se começa a ganhar o coração das pessoas.

Mas, voltemos à Argentina. É um país fascinante e preocupante ao mesmo tempo, e é também uma espécie de laboratório para o que se pode vir a passar na Europa. A crise económica, por lá, dura há mais de cinquenta anos.

A Argentina já passou por tanta coisa, que ainda me espanto como é que têm energia para passar por mais. É bom o Papa vir de lá, é bom "que o tenham ido buscar ao fim do mundo", como ele disse, numa frase que soa a Luís Sepúlveda ou a Vargas Llosa, que não são argentinos mas são da região.

Vindo dessa Buenos Aires que é sempre linda e sempre dorida, acredito que este Papa seja uma nova força, pois compreende muito bem a grave crise económica porque a Europa está a passar.

Também por lá, na Argentina, se praticou esta austeridade dura e cruel, e o resultado foi uma enorme desastre. Depois de quatro ou cinco anos de violentos sacrifícios impostos pelo FMI e pelos "neo-liberais", o desemprego explodiu, a recessão agravou-se, e o país entrou numa espiral depressiva gravíssima, que acabou numa convulsão social e política ainda mais grave.

Em 2001, para espanto do mundo, a Argentina revoltou-se e viveu anos de puro pavor económico. Uma década depois, as feridas da crise ainda não sararam. A Argentina teve muito azar. Primeiro, levou com a loucura da austeridade neo-liberal. Depois, levou com a loucura de um populismo de esquerda do casal Kirsnher, que só agrava a situação.

Francisco I, o novo Papa, viu tudo isto aos seus olhos, as loucuras políticas que a direita e a esquerda argentina têm praticado no país, e sempre criticou ambas. Criticou a austeridade neo-liberal e o FMI, e depois criticou o populismo esquerdista que só tem gerado miséria.

E é também por isso que ele será importante como Papa, porque nos pode mostrar uma terceira forma de estar na política, que tanto critica o capitalismo financeiro desenfreado como o socialismo pateta e torpe.

Seja bem vindo também por isso Francisco I. Que Deus o ajude e a nós também, que bem precisamos. 

publicado por Domingos Amaral às 10:11 | link do post | comentar
Terça-feira, 12.03.13

Também quero ser cardeal!

É em momentos como este que vale a pena ser cardeal! Eu gostava, confesso. Vestido de preto e vermelho, andando lentamente e com a dignidade que o cargo exige, entraria para o Conclave concentrado, motivado por ir participar num momento histórico: a eleição de um novo Papa!

É assim mesmo, aqui repito: nestes momentos épicos eu gostava de ser cardeal! Há uma solenidade na eleição, um misticismo eleitoral fascinante naquelas reuniões à porta fechada, um suspense digno de Hitchcok, uma expectativa no mundo inteiro. Lá dentro, os cardeais; cá fora, os outros. É evidente que eu gostava de estar lá dentro!

A Igreja Católica, é justo reconhecer, tem jeito para estas coisas. Estas superproduções eleitorais fascinam o planeta. Não deve haver nenhuma eleição com tanta audiência. Nem a eleição para a presidência dos Estados Unidos da América fascina tanto o mundo. Um Papa é um Papa.

Todo o ritual da eleição é entusiasmante. Sabemos que eles estão "fechados" dentro do Vaticano, a conversar e a votar; sabemos que vamos saber muito pouco sobre o que se lá passou e ainda bem, pois isso torna as coisas ainda mais misteriosas; e sabemos que um dia, a uma certa hora, vai sair fumo branco de uma chaminé do Vaticano e o mundo inteiro vai sorrir, com uma sensação de felicidade, por saber que há um novo Papa!

Acreditem no que vos digo, mesmo os agnósticos, os ateus e os fiéis de outras religiões assistem com atenção à eleição de um novo Papa, e quando sai fumo branco daquela chaminé também eles, no fundo do seu coração, ficam contentes!

É difícil de explicar porquê, é uma coisa demasiado profunda e irracional para ser bem compreendida, mas há na eleição de um novo Papa uma emoção espiritual positiva que qualquer ser humano, esteja onde estiver, sente. 

Como dizia a revista The Economist esta semana, a igreja Católica é a maior multinacional do mundo, com mais de 1 bilião de consumidores do seu produto, mais de 1 milhão de trabalhadores nos seus quadros, e mais de 10 milhões de voluntários que a ajudam todos os anos. Tem um logo reconhecido em todo o mundo (a cruz), e está a crescer nos mercados emergentes. 

Era bom, para a Igreja e para o mundo, que o novo papa a conduzisse para caminhos ainda mais abertos e modernos. É preciso olhar para o mundo para além da Europa e da América, para as outras religiões, e também para os bocados podres que existem dentro da Igreja Católica. Esperemos que isso seja possível com o novo Papa.

Porém, por agora, deixem-me sonhar em ser cardeal, em caminhar pela praça de S. Pedro, sorrindo e acenando ao público e aos jornalistas, e mantendo o segredo sobre o que se vai passar no Conclave. Sim, deixem-me sonhar em, apenas por uns dias, ser cardeal, entrar na Capela Sistina para ficar sob o olhar dos frescos de Miguel Angelo; e ficar em clausura, feliz por participar na eleição de um novo Papa!

publicado por Domingos Amaral às 10:05 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Segunda-feira, 11.03.13

Socorro, a minha filha é uma fã do Justin Bieber!!!!

A minha filha Carolina tem 14 anos, frequenta o 9º ano, é uma rapariga inteligente e bem disposta, tem óptimas notas, e eu nunca esperei que ela fosse uma fã verdadeiramente fanática do Justin Bieber, mas é. 

Quando eu era mais novo e adolescente, é evidente que gostava muito de ir a concertos e fui a imensos. Mas, nunca fui um fã incondicional de nenhum grupo ou cantor. Nunca fui daqueles que ia na véspera para a porta dos concertos, nem que ia para a fila para comprar bilhetes logo às primeiras horas, essas coisas que os fãs fazem. Muito menos ir esperar os cantores ao aeroporto!

No entanto, nem sempre os filhos saiem aos pais e são como eles. Desde há quase dois meses que em minha casa não oiço falar de outra coisa, a não ser do Justin Bieber. A minha filha Carolina anda em estado catatónico desde que soube que ele vinha a Lisboa dar um concerto, e não pára de surpreender a família.

Primeiro, como falhou a compra dos bilhetes no primeiro dia, e eles esgotaram de imediato, entrou em desespero e não descansou enquanto não comprou um no OLX! Foram dias e dias a trocar mensagens com desconhecidos, a negociar preços, enquanto a família esperava a conclusão de um negócio.

Por fim, lá se conseguiu arranjar um bilhete, e a mãe foi encontrar-se com o vendedor. A minha filha entrou em êxtase! Era tudo o que ela sonhava, e o seu sonho ia finalmente tornar-se realidade.

Ela ia ver o Justin Bieber ao vivo, ia estar apenas a uns metros dele, em frente ao palco! A família, naturalmente, ao sentir a sua felicidade, suspirou. Finalmente, ia acabar o drama doméstico, agora que já havia bilhete.

Nada disso. Com bilhete, duplicou o entusiasmo da minha filha. Nas semanas seguintes, ela passava os dias agarrada ao computador ou ao Ipad, a navegar furiosamente em sites do Bieber (com nomes como BieberFever) ou a procurar promoções de estações de rádio que possibilitavam aos ouvintes ir encontrar-se com o Bieber ao vivo!

Um dia, a minha filha anunciou que o Bieber aceitava namoradas que tivessem nascido até 1997, e ela era pois uma candidata, uma vez que ela nascera em 1998. Eu ia tendo a minha primeira apoplexia de pai. Olhei para ela, estarrecido, e perguntei:

- Mas tu gostavas de ser namorada do Bieber?

Ela olhou para mim como se eu fosse atrasado mental e respondeu:

- Claro pai, é óbvio!

Durante umas horas, não consegui falar. A visão daquele penteado ridículo do Bieber a entrar pela porta de minha casa um dia, de mão dada com a minha filha, não era suportável. Ainda hoje tenho de suster a respiração quando penso nisso.

Mas, se eu pensava que isto era o climax da relação com o Bieber, tive de tirar o cavalinho da chuva. À medida que a data do concerto se ia aproximando, a minha filha ia tomando decisões que me deixavam de cara à banda.

Na semana passada, anunciou que ia viver para a porta do Pavilhão Atlântico, numa tenda, com umas amigas! Em casa, ficámos todos sem saber o que dizer ou fazer. Alguém tentou explicar-lhe que ainda faltava uma semana para o concerto, mas ela mostrou-se irredutível! Ia mesmo, e não se falava mais nisso.

Maneira que, desde sábado, lá está a minha filha à porta do Pavilhão Atlântico a dormir, com mais cem pessoas, todas enfiadas em tendas. As mães e os pais revezam-se para lhes irem fornecer água, comida, e para as levar a casa umas horas para tomarem um duche. 

Mas, ninguém protesta. É impossível negociar ou falar com uma fã do Bieber. Elas não aceitam argumentos racionais. Quando eu tentei explicar-lhe que estava mau tempo, e ela podia apanhar febre e depois não ir ao concerto, ela revirou os olhos e disse-me:

- Pai, vamos para o aeroporto à meia-noite esperá-lo. 

O Bieber...meu Deus, e se ele engraça mesmo com ela, o que faço? O concerto é hoje à noite e eu espero que corra tudo bem, que ela goste e se divirta. Mas, e se ele olha para a minha menina? O que é que eu faço?

  

publicado por Domingos Amaral às 11:09 | link do post | comentar | ver comentários (23)
Sábado, 09.03.13

Ninguém lixa a troika!

Por mais que os portugueses queiram ver-se livres da troika, isso não está para acontecer, nem para breve! A "troika" decidiu ficar por cá mais uns dias e isso é uma péssima notícia, para Portugal e para o Governo.

Pelos vistos, não vai acontecer aquilo que o Governo queria, que fossem suavizados ou mesmo adiados os famosos cortes de 4 mil milhões de euros na despesa pública. A "troika" não vai deixar, e foi por isso que ficou mais uns dias em Portugal, para impor esses cortes ao Governo e ao país.

Não valeu de nada a tentativa de Paulo Portas e Vítor Gaspar, que há pouco mais de uma semana, no Parlamento, deram a entender que era possível "suavizar" os cortes e adiá-los no tempo. Qual suavização, qual quê! A "troika" não vai deixar que isso aconteça, e Portas e Gaspar andaram a criar expectativas erradas nos portugueses.

É preciso os portugueses todos perceberem finalmente uma coisa: o Governo não manda nada. Quem manda são os patrões de Bruxelas e Berlim, os senhores Rehn e a senhora Merkel, que controlam a "troika" e mandam executar o que desejam, sem os portugueses terem qualquer hipótese de se opor.

Na verdade, como já aqui escrevi, eles são os patrões da quinta. Passos Coelho e Gaspar não passam de meros feitores da quinta, de caseiros que fazem o que os patrões mandam. Os 4 mil milhões são para cortar, queiram eles ou não, e não há nada que Portugal possa fazer para parar esta carnificina que está a acontecer ao país.

Isto não vai ser nada bonito de se ver... 

publicado por Domingos Amaral às 18:24 | link do post | comentar
Quarta-feira, 06.03.13

É preciso perdoar a dívida do Sporting!

Na últimas semanas, muito se tem falado da necessidade da banca "perdoar" a dívida do Sporting. O BCP, um dos bancos em causa, anunciou igualmente que vai "desistir" do negócio do futebol, supostamente porque perdeu muito dinheiro.

E o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, reagiu de imediato, dizendo que isso era "concorrência desleal", e se o Sporting tivesse um "perdão de dívida", então o Benfica também devia ter. 

Antes de dar uma opinião final sobre a questão concreta, convém relembrar todos que, em mais de 100 anos de futebol europeu, o habitual é os clubes de futebol, em quase todos os casos, serem um negócio que gera prejuízos e dívidas, e não lucros.

Já houve centenas de casos por essa Europa fora de clubes que viram as suas dívidas à banca "perdoadas", e muitos mais haverá no futuro. Aliás, em Portugal, também já vários clubes no passado tiveram de "reestruturar" as suas dívidas, e foram realizados vários perdões de dívidas mais ou menos encapotados.

O caso do Sporting não é pois nem único, nem original. Aos meus alunos de Economia do Desporto, é isso que irei explicar quando falar desses temas em breve. A verdade é que o futebol, todo ele, seja na Europa, seja no resto do mundo, tem uma tendência muito forte para os prejuízos, e isso só se conseguirá evitar no dia em que se criarem certas regras (o Fair Play da FIFA vai nesse sentido), e se modificarem certas práticas gerais, que afectam todos os clubes do mundo. 

Sem certo tipo de medidas, como por exemplo uma restrição à subida dos salários dos jogadores (que a Premier League vai implementar em breve), será completamente impossível evitar que muitos clubes tenham prejuízos crónicos, e acabem como o Sporting, a necessitar de um perdão de dívida para poderem continuar a sua actividade.

Não vale de nada sermos contra o "perdão da dívida" do Sporting. Qual a alternativa? Aplicar "medidas de austeridade" e obrigar o clube a jogar para o 6ª lugar durante os próximos dez anos? É evidente que isso não funciona, além de ser contraproducente.

Se o Sporting cortar demasiado nas despesas, de uma forma draconiana "tipo-troika", nunca mais vai gerar receitas suficientes, e entrará numa espiral depressiva que o irá destruir num prazo curto. Não me parece que esse seja um cenário desejável, nem para o Sporting, nem para o futebol português, que perderá muitas receitas com essa situação.

É evidente que um perdão parcial da dívida é inevitável. E, o Benfica e o FC Porto que não protestem muito, pois o mais certo é também eles, daqui a algum tempo, virem a precisar de um expediente semelhante.

Segundo os seus relatórios de contas, o Benfica tem 175 milhões de dívida de curto prazo, e o FC Porto tem cerca de 90 milhões de euros de dívida bancária. É muito difícil que estes volumes de dívida sejam sustentáveis, e portanto é provável que se tenha de reestruturar essa dívida, embora de uma forma mais discreta e menos dramática do que no caso do Sporting. Mas, é provável que tenha também de existir algum perdão.

Por fim, uma palavra para o BCP. É evidente que, nestes casos, se diz sempre que a irresponsabilidade está do lado do devedor, que pediu demasiado dinheiro emprestado. No entanto, onde há um devedor irresponsável, há um credor irresponsável, e o ajustamento deve ser partilhado por ambos. O Sporting tem de se sacrificar, mas o BCP também, pois ambos contribuíram para a situação chegar onde chegou.

Que o BCP, amuado, diga agora que vai sair do negócio do futebol, não deixa de surpreender. E dos outros negócios, onde perdeu tanto dinheiro, também vai sair? Vai deixar de emprestar à hotelaria, aos grupos de contrução civil, aos fundos financeiros que compram empresas, etc, etc?

Se o BCP amuasse com todos os sectores onde perdeu dinheiro, provavelmente teria de emprestar em Marte...

publicado por Domingos Amaral às 11:01 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Terça-feira, 05.03.13

Nem o Chavez morre nem a gente almoça...

Quantas vezes já se disse que Hugo Chavez tinha morrido, ou estava para morrer em breve, ou estava em fase terminal? São tantas que já ninguém acredita. Daí o título deste post, que é uma variação de um provérbio português, cujo significado é evidente. 

Este culto da "quase morte" de Hugo Chavez já dura há mais de ano e meio. Foi no já longínquo ano de 2011 que se soube que Chavez tinha um cancro, e que ia ser tratado. Pouco tempo depois, lá foi ele a correr para Havana, para perto do seu amigo Fidel e dos médicos cubanos, que pelos vistos são muito melhores do que os venezuelanos.

A dada altura, já não consigo precisar quando, pois isto tem sido muito confuso, correu o rumor de que Chavez tinha morrido em Havana. Mas, logo depois houve um desmentido, afinal não era verdade, ele estava vivo!

A confusão não parou por aqui. Houve até um momento em que circulou uma fotografia na net, supostamente de Chavez em estado terminal, já careca e em péssimo estado, só que no dia seguinte houve outro desmentido, e provou-se que a foto não era de Hugo Chavez, mas de outro qualquer pobre coitado.

Entretanto, continuaram as operações e os tratamentos a Chavez, e continuaram também as viagens, de Caracas para Havana, e de Havana para Caracas. Neste momento, por exemplo, alguém sabe onde Chavez está? Sim, pense uns segundos sobre o assunto! Ele está em Havana a ser tratado, ou em Caracas, também a ser tratado? Eu não me lembrava. 

Segundo consegui perceber, hoje está em Caracas, num hospital, mas amanhã pode ser que já esteja em Havana. E está melhor ou está pior? Segundo as notícias, hoje está muito pior, quase a morrer, mas como se sabe no caso de Chavez, pode ser que amanhã já esteja melhor.

Se pensam que estou a brincar, fiquem a saber que o estado de saúde de Chavez é um assunto político sério, e o vice-presidente que o está a substituir já disse que não vai admitir "terrorismo político" sobre as notícias relativas à saúde de Chavez. Não se percebe bem a que tipo de "terrorismo" ele refere, mas é uma declaração impetuosa e relevante.

Talvez a causa disto tudo seja mais simples. Desde que iniciou os seus tratamentos, em 2011, Chavez proibiu qualquer relatório médico de ser revelado em público. Ou seja, não há cá informação científica sobre a sua doença. O que há são rumores, propaganda, contra-propaganda, uma história que nunca mais acaba e onde nunca se sabe o que é verdade e o que é mentira, excelente alimento para este culto da "quase morte" de Chavez .

Se ele morrer um dia destes, vamos finalmente poder almoçar, como diz o provérbio. Nós e os venezuelanos, que já devem estar um bocado fartos desta lengalenga infindável.  

publicado por Domingos Amaral às 16:34 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Segunda-feira, 04.03.13

A manif´s não mudam nada, porque os feitores da quinta não mandam nada.

Em primeiro lugar, e a propósito da manifestação de sábado, deixem-me dizer que para mim foi ligeiramente decepcionante. Havendo tanta gente contra a política do Governo, e tendo esta manifestação o apoio de alguns partidos de esquerda e da CGTP, eu esperava muito mais gente nas ruas.

A olho, pelo que vi na televisão, não acredito muito nas estimativas que apontam para mais de um milhão de pessoas, o número deve ter sido metade desse valor, e já contando com todas as cidades portugueses onde existiram manifestações.

Do ponto de vista político, esta manifestação de 2 de Março não aqueceu nem arrefeceu. Provavelmente, quem já era contra o Governo e a troika assim continua, e quem é a favor também. A multidão, a cantar, a empunhar cartazes e entoar frases, não foi suficientemente grande para ser uma força política capaz de alterar o rumo e a permanência do Governo.

No entanto, é importante relembrar que as manifestações, normalmente, não produzem efeitos imediatos. A manifestação de 15 de Setembro do ano passado foi uma excepção. Nesse caso, havia uma decisão específica que os portugueses rejeitaram (as alterações na TSU) e a manifestação teve resultados, pois o Governo recuou. 

No sábado, não havia nenhum tema específico que unisse as pessoas, e por isso foi apenas mais uma manifestação. O seu valor é somente simbólico, mostra que existe muita insatisfação no país, há muito cansaço e desespero, embora ainda não o suficiente para mobilizar mais pessoas do que as que foram.

É claro que, manifestações destas, se forem permanentes, provocam muito desgaste ao Governo, e portanto há um efeito de vaga que pode começar a criar-se cada vez mais. No entanto, não me parece que a vaga seja ainda um tsunami que atire abaixo Passos Coelho e Gaspar.  

De certa forma, podemos dizer que Portugal está numa paralisia perigosa. A grande maioria dos portugueses não aprova as políticas do Governo, mas ainda não há suficientes portugueses que desejam uma mudança política imediata.

As pessoas não vêem alternativas políticas e sobretudo não vêem como é possível um Governo português, qualquer que ele seja e qualquer que seja a sua cor, alterar a política europeia que a troika implementa.

Um dos mais graves sinais desta crise que Portugal e a Europa atravessam é precisamente esse: os políticos nacionais são odiados porque são obrigados a implementar ordens europeias, e portanto perdem eleições, mas a política geral não muda, pois essa é decidida em Bruxelas ou Berlim. 

Na verdade, Passos, Rajoy, Samaras, Bersani e muitos outros, não passam de meros feitores das quintas. Os patrões estão em Bruxelas e em Berlim, e mandam os feitores das quintas cumprir ordens e eles cumprem. São odiados por isso, mas a verdade é que não passam de feitores ou caseiros, e não mandam nada.

É claro que podemos mudar os feitores e os caseiros, quando estivermos fartos deles, mas é um alívio momentâneo. O que é verdadeiramente importante, continuará infelizmente igual. A Europa é que manda, o resto é conversa da treta. 

 

publicado por Domingos Amaral às 11:43 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Sexta-feira, 01.03.13

A culpa é da crise na Europa: o novo lema do Governo

Nos últimos dias, o Governo encontrou uma nova explicação para os nossos azares e más fortunas económicas. A culpa é da Europa, da crise europeia e da recessão europeia. Se não fosse isso, Portugal estava safo, é essa a ideia que o Governo quer transmitir.

A ideia não deixa de ser verdadeira. É evidente que a culpa é da Europa, pois se a Europa - as troikas, a Sra Merkel, e muitos outros - não tivessem imposto enorme austeridade aos países do Sul da Europa, a crise não seria tão grande nem tão profunda. A culpa é pois da Europa.

Contudo, é preciso lembrar duas coisas ao nosso Governo. Em primeiro lugar, e que eu saiba, este Governo sempre apoiou a Europa, nomeadamente a Sra Merkel, e sempre disse que as políticas impostas pela Europa eram as melhores, e eram boas, e não havia alternativas.

Nunca, que eu me lembre, este Governo esteve contra as orientações europeias de austeridade. A culpa é da Europa, sim, mas como este governo sempre apoiou a Europa, e sobretudo a Sra Merkel, a culpa também é dele.

Em segundo lugar, convém lembrar ao Governo que foi ele que escolheu massacrar os portugueses com mais austeridade do que aquela que estava prevista no memorando original, assinado em Maio de 2011.

Foram Passos Coelho e Vítor Gaspar que impuseram as sobretaxas no IRS em 2011, que decidiram cortar nos subsídios aos funcionários públicos e pensionistas em 2012, e que decidiram um "enorme aumento de impostos" para 2013.

Nenhuma destas decisões, profundamente recessivas da economia, estava escrita no memorando original assinado com a troika. Foi este Governo, na ânsia e na pressa de fazer um ajustamento rápido e exemplar, que se excedeu de forma tremenda na dose de austeridade a aplicar ao país, o que nos levou ao desastre em que estamos. É claro que a troika aplaudiu, mas quem decidiu foi o Governo.

Vir agora dizer que a culpa da crise portuguesa é da da crise europeia, é uma enorme e apressada mistificação. A Europa tem culpas e muitas, mas no que toca ao caso específico de Portugal, este Governo tem muito mais culpa do que a Europa. 

publicado por Domingos Amaral às 12:55 | link do post | comentar
 

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